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2 NACIONALISMO E ANTICOMUNISMO NO DISCURSO RELIGIOSO DO

2.1 Nação e nacionalismo no Brasil no século XX

O nacionalismo é um conceito heterogêneo e esteve muito próximo das ideias anticomunistas no Brasil durante o século XX. Levando estes aspectos em consideração, é importante lembrar que o nacionalismo pode ser visto, junto com o catolicismo e o liberalismo, como uma das matrizes básicas do pensamento anticomunista brasileiro, como salienta Rodrigo Patto Sá Motta (2000).

Sobre tal conceito, tem-se atualmente vários e importantes estudos, sendo possível citar entre estes: Eric Hobsbawm (1990) e Benedict Anderson (2008). Apesar de não serem consensuais em suas teses, estes intelectuais analisam a nação e o nacionalismo como sendo algo exclusivo do mundo moderno, ou, mais especificamente, construções do século XIX.

Para Eric Hobsbawm (1990), o surgimento do nacionalismo está ligado ao contexto das revoluções americana e francesa, diante disso, não é possível pensá-lo sem a formação do Estado-Nação. Tanto o conceito de nacionalismo, como o próprio conceito de nação devem ser pensados como fundamentalmente históricos, ou seja, a partir do seu contexto histórico, uma vez que não são realidades naturais. Ainda de acordo com as formulações deste autor, não se deve considerar a existência de uma nacionalidade apenas a partir de critérios puramente objetivos – língua, etnia, traços culturais, história comum –, como também apenas a partir de

critérios subjetivos – tanto coletivo, quanto individual. Assim, “nem a definição subjetiva nem a objetiva são satisfatórias, e ambas são enganosas” (HOBSBAWM, 1990, p.18).

Ao refletir sobre o sentido moderno de nação, Eric Hobsbawn (1990) defende a sua associação ao discurso político e social de uma determinada realidade histórica. Em suas análises, o autor deu ênfase ao político, pois para analisar a ideia de nação seria preciso discutir a relação entre povo e Estado. Nesse sentido, “a ‘nação’ era o corpo de cidadãos cuja soberania coletiva os constituía como um Estado concebido como sua expressão política” (HOBSBAWM, 1990, p.31).

O estudo do nacionalismo inicia-se com a influência do liberalismo para o pensamento nacional entre os anos de 1830 e 1880. Nesse momento, destacou-se a existência do “princípio de nacionalidade” que compõe a relação entre economia, Estado e nação. A influência do pensamento liberal compreendeu o desenvolvimento de uma nação como uma fase de progresso ou como um estágio de evolução. Após 1880, a forma como homens e mulheres comuns sentiam-se a respeito da nacionalidade passou a ser importante, dando ênfase para questões linguísticas, religiosas e étnicas.

Ao falar sobre as transformações do nacionalismo, Hobsbawm (1990), ainda, centrou sua análise no período de 1880 a 1914, para mapear as distinções do nacionalismo da era liberal. A etnicidade e a língua se tornam aspectos centrais, bem como o caráter político que a nação e o nacionalismo passam a ter. Ao analisar principalmente os países europeus, o autor afirma que, nesse período, ocorreu um crescimento considerável da questão nacional, pois tanto as mudanças políticas quanto sociais ocorreram em função desta. Dessa forma, este período foi ainda marcado por um movimento nacionalista conservador, chauvinista, imperialista e xenófobo54.

O apogeu do nacionalismo ocorreu entre os anos de 1918 e 1950, sendo iniciado com o fim da Primeira Guerra. Nesse momento, o autor afirma que a sociedade encontrou novas formas de identificação nacional, para além das disputas por fronteiras, afinal já são sociedades modernas, urbanizadas e de alta tecnologia. Duas formas foram destacadas, sendo uma delas a comunicação de massa, através da imprensa, do cinema e do rádio, e o esporte, uma vez que tanto um como o outro rompeu com a divisão entre a vida pública e privada dos indivíduos. Nesse contexto, o nacionalismo foi utilizado por movimentos direitistas, a exemplo do fascismo

54 Na análise do autor estes três conceitos estão ligados a um nacionalismo conservador. Nesse sentido, o chauvinismo pode ser visto como um sentimento exacerbado que busca uma valorização extremada de um país. O imperialismo é uma política de expansão, onde há um domínio territorial, econômico e cultural de uma nação sobre outras. E a xenofobia, por sua vez, é uma aversão ao estrangeiro.

e do nazismo, sendo estes chamados de “nacionalismo militante”. Contudo, é importante salientar que o movimento antifascista também foi marcado pela forte presença do nacionalismo, ou seja, fica evidente que, de acordo com Hobsbawn (1990), o nacionalismo pode ser compreendido como componente tanto de movimentos de direita como de movimentos de esquerda.

Tal como Hobsbawn, Benedict Anderson (2008) também buscou analisar a nação e o nacionalismo a partir do período moderno. Ao romper com o estudo eurocêntrico da nação, o autor afirma ainda que o surgimento de um sentimento nacionalista ocorreu primeiro em países colonizados, e não na Europa como a maioria dos estudiosos afirmam. Nesse sentido, na apresentação do livro Comunidades imaginadas: reflexões sobre a origem e a difusão do nacionalismo, publicado em 2008, Lilia Schwarcz destacou que este autor busca “deseuropeizar” o estudo teórico do nacionalismo.

Ao negar a determinação da religião e mesmo da língua na configuração da nação e do nacionalismo, Anderson (2008, p.32) afirma que a nação deve ser vista como uma “comunidade política imaginada”. Evidentemente que não é possível deixar de considerar que o autor está falando de sociedades e de contextos bem específicos, no entanto, ao historicizar tal conceito, é possível fazer uso de suas considerações.

A “comunidade política”, que já foi tratada anteriormente, é imaginada, limitada e soberana. Imaginada, pois uma pessoa da comunidade nunca conhecerá todas as outras, mesmo sabendo que existe relação entre elas; limitada, por possuir fronteiras específicas com outras nações, mesmo que estas sejam elásticas; e soberana, porque tal conceito nasceu na época do iluminismo e da revolução francesa e destruiu a legitimidade do reino dinástico de ordem divina. Ainda é importante considerar que, para Anderson (2008), não existe uma relação entre imaginação e falsidade/autenticidade, o que muda é a forma como elas são imaginadas.

A existência de tal comunidade foi possível a partir do declínio daquilo que o autor chama de “comunidade imaginada religiosa”, sendo que esta baseava sua existência e sua formação em torno de línguas sagradas. Essas comunidades passam por um declínio no final da idade média, com a exploração do mundo não europeu e o consequentemente rebaixamento do latim, que perde o caráter de língua sagrada. O autor destaca que a formação de um “capitalismo editorial” (ANDERSON, 2008, p.70) foi uma das motivações para tais mudanças, isso porque a imprensa ampliou o mercado de livros e criou vários campos de comunicação, permitindo a consciência da existência de outros povos.

Passa a existir, então, a possibilidade de pensar a nação depois que três concepções culturais perderam o espaço na mentalidade dos homens, sendo elas: a sacralização do latim

como uma língua que levava a verdade; a monarquia como tendo um direito divino de governar; e uma concepção de temporalidade em que cosmologia e história se confundem. O declínio dessas “concepções culturais” junto com as transformações econômicas das descobertas, o desenvolvimento de meios de comunicação mais velozes e a diversidade linguística levaram ao surgimento de uma consciência nacional.

Lucia Lippi Oliveira (1990) inicia seu livro se questionando sobre o que seria uma nação e, de modo mais específico, uma nação brasileira; ou, em outras palavras, o que faz um brasileiro possuir essa identidade coletiva que possibilita um sentimento de pertencimento. Para a autora, a nação parte do universo simbólico, visando propiciar sentimentos de identidade e alteridade entre os membros de uma população. Ao falar que a geração de 1870 possui um papel fundamental na tentativa de formular um nacionalismo no Brasil, ela afirma que, nesse contexto, “a construção do sentimento brasileiro tinha uma importância fundamental, sendo a nacionalidade o critério básico de avaliação dos produtos literários e culturais” (OLIVEIRA, 1990, p.85).

Em suas formulações, Oliveira (1990, p.92) defende que a Proclamação da República teve um importante papel na formação da nação brasileira. De certa forma, houve, por parte dos militares conhecidos como “jacobinos”, um forte interesse pelas ideias nacionalistas neste contexto de Proclamação do Brasil. O jacobino foi visto, tal como salienta esta autora, como militarista, radical, nacionalista, mobilizador e oligárquico.

Durante a consolidação da República, os militares acabaram marginalizando os intelectuais envolvidos no projeto para a Proclamação da República, justamente por apoiar-se no nacionalismo: “os militares eram apresentados como os verdadeiros responsáveis pelo destino do país e como o único reduto do patriotismo” (OLIVEIRA, 1990, p.89).

O nacionalismo foi um tema muito recorrente entre a intelectualidade brasileira nos séculos XIX e XX. No entanto, o seu entendimento se modificou profundamente durante a Primeira Guerra Mundial, pois o nacionalismo que valoriza a grandeza territorial e as qualidades das raças que formam o brasileiro já não era mais suficiente neste contexto, ou seja, um típico nacionalismo ufanista. Assim, “as novas bandeiras nacionalistas propunham um programa de luta e a necessidade de organização de movimentos que deveriam atuar na salvação do país” (OLIVEIRA, 1990, p. 145).

Na década de 1920, surgiu o nacionalismo autoritário e de direita, como bem destaca Beired (2007). Pode-se identificar esta década como um marco para se pensar a tentativa de construção de um nacionalismo, que influenciou significativos setores da intelectualidade brasileira na busca de uma identidade nacional. O movimento nacionalista brasileiro não foi

homogêneo, pois foi marcado por ideias e perspectivas distintas. É possível, inclusive, afirmar que foram encontrados no movimento nacionalista ideias vinculadas à direita, ao centro e mesmo à esquerda.

No início da década de 1920, o Brasil passou por um momento de transformações econômico-sociais bastante significativas, como bem destaca Velloso (1993), Beired (2007) e Trindade (1979), que acabaram influenciando a necessidade de construção de um pensamento nacional. A mutação da sociedade brasileira desta década é fundamental para a compreensão do itinerário do nacionalismo nas décadas seguintes.

De acordo com as reflexões de Beired (2007), Oliveira (1990) e Velloso (1993), o fim da Primeira Guerra Mundial permitiu que a questão da nacionalidade fosse vista a partir de um novo ângulo. Neste momento, surgiu uma crise de paradigma no Brasil, já que até então o país seguia um modelo estritamente europeu e, com a crise de valores que emergia na Europa, surgiu a necessidade de criar um pensamento nacional autônomo, que fosse criado e se encaixasse na realidade do país. É uma postura fundamentalmente antiportuguesa, buscando se livrar da tutela estrangeira e colonial, seja no sentido econômico, político ou cultural.

Dessa forma, coube aos intelectuais o papel central nessa construção, assim “tomados deste sentimento de orgulho e resignação, os intelectuais brasileiros se auto-elegem executores de uma missão: encontrar a identidade nacional, rompendo com um passado de dependência cultural” (VELLOSO, 1993, p.1). Nesse momento rompia-se com os ideais liberais que predominavam no Brasil, vista como algo vindo de fora, e o pós-guerra representaria uma crise do sistema liberal no mundo.

Como destaca Beired (2007), o nacionalismo não era algo novo no Brasil, mas surgiu um nacionalismo diferente daquele liberal que predominou desde o final do século XIX. Na década de 1920, umas das vertentes adquiriu uma postura autoritária e este autor denomina como uma “direita nacionalista”, assim

acentuadamente antiliberal, nacionalista, estatista e corporativista, essa direita nacionalista era essencialmente nova: rompia integral e declaradamente seu compromisso com o padrão da direita preexistente no Brasil – caracterizada pela adesão às práticas oligárquicas nos marcos do Estado liberal – ao mesmo tempo em que se sentia profundamente envolvida com as transformações que agitavam o mundo (BEIRED, 2007, p.124).

O Estado Novo (1937-1945), com Getúlio Vargas, e a Ditadura Civil-Militar (1964- 1985), com os governos militares, ressaltaram a questão da nacionalidade. Antes da Revolução de 1930, o Brasil era visto como um país estigmatizado pela presença da miscigenação, sendo difícil pensar a existência de uma nação. Essa visão foi ainda agravada pela forma como os

brasileiros eram vistos como “degenerados”, o que inviabilizava pensar o Brasil enquanto nação, como bem destaca Cristiane Oliveira (2012). Todavia, usando Skidmore, a referida autora destaca que na década de 1920 a certeza da inviabilidade da nação havia chegado a um momento de saturação. Em meio a este contexto, Getúlio Vargas, após a Revolução de 1930, buscou construir uma ideia de nação, assim,

o Estado Novo forneceu régua e compasso a esse esforço de construção de uma nacionalidade triunfante, sustentada numa ponta, pela crença na autenticidade da cultura popular e, na outra, pela mistura heterogênea de elementos culturais originários de várias regiões do país (SCHWARCZ; STARLING, 2015, p.378).

Vargas passou a apostar na valorização de vários aspectos locais, como a capoeira e o futebol. Influenciado pelas ideias de Gilberto Freyre em Casa grande e senzala (1933), ele acabou valorizando e, inclusive, positivando, a miscigenação que formou o povo brasileiro. Nesse sentido, o vocabulário nacionalista foi usado na Revolução de 1930 e continuou sendo usado posteriormente, marcando até os embates ocorridos na década de 1960.

No período da Ditadura Civil-Militar, a questão nacional aparece muito próxima do nacionalismo das Forças Armadas, preocupados com a segurança nacional, influenciados, evidentemente, pela Doutrina de Segurança Nacional norte-americana. Um dos objetivos centrais da atuação das Forças Armadas era defender o país do “inimigo interno”, ou seja, o comunista. Algo muito próximo do discurso do jornal A Cruzada, como será destacado adiante, que buscava defender a nação e reestruturá-la.

Dessa forma, os dois períodos ditatoriais estudados possuem uma forte perspectiva nacionalista, apesar de haver mudanças de um período para o outro. Não se pode esquecer que nesse momento houve por parte dos governos ditatoriais a construção de um nacionalismo autoritário, o qual foi compartilhado pelos intelectuais que estavam envolvidos na produção do jornal, sendo, evidentemente, adicionado o viés religioso em seu discurso.

Tal como Rodrigo Patto Sá Mota (2000) nos ajuda a pensar, o nacionalismo pode ser visto como uma das matrizes da postura anticomunista no Brasil. Esse nacionalismo se apresenta com um caráter conservador, enfatizando a defesa da ordem, da tradição, da integração e da centralização, lutando sempre contra aquilo que eles consideravam ser a desordem e o caos, causado pelo “outro”, o comunista. De modo que “a nação seria o povo brasileiro e justamente por isso que os comunistas são vistos como ‘elementos ‘deletérios’, pois instigavam a divisão e a própria destruição do ‘corpo’ nacional, à medida que insuflavam o ódio entre as classes” (MOTTA, 2000, p.50).

Notou-se, no discurso do jornal católico, a oposição feita aos defensores dos ideais internacionais dos comunistas, havendo uma ênfase na divulgação do fato de serem vinculados à União Soviética e a Cuba, tendo destaque o primeiro país. Estes ideais foram vistos, principalmente, como vindos de fora, sendo negados por estes intelectuais cristãos. Nesse sentido, A Cruzada apresentou um conteúdo anti-imperialista, voltado para defesa do Estado Nacional.

Diante deste cenário, os comunistas foram acusados de “falsos nacionalistas”, negando, por sua vez, qualquer vinculação entre os comunistas e as ideias nacionalistas. Para Motta (2000, p. 58), “a existência de fortes vínculos unindo nacionalismo (patriotismo) a anticomunismo pode ser observada nas políticas adotadas pelos regimes originados das duas mais importantes ofensivas anticomunistas: Estado Novo e Regime Militar”.

Desse modo, como já foi mencionado, a questão nacional se encontrou presente no discurso dos intelectuais responsáveis pela produção do jornal A Cruzada, portanto, buscou-se identificar o conteúdo específico da postura político-ideológica deste grupo de intelectuais católicos, bem como verificar como tal discurso se aproxima da postura anticomunista adotada por este periódico.

2.2 Nacionalismo, autoritarismo e anticomunismo (1937-45 e 1964-70): princípios básicos do