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Na travessia do Atlântico: África-Brasil; caminhos e conexões

4 ENTRE ORALIDADE E ORATURA; MEMÓRIA E ESQUECIMENTO: A LITERATURA ANGOLANA NO BRASIL

4.4 Na travessia do Atlântico: África-Brasil; caminhos e conexões

No jogo entre lembrar e esquecer, discutido por Achugar é preciso lembrar a recepção da África, no Brasil, ou, nas palavras de Laura Padilha, referindo-se a este país, “É preciso não aceitar o não-lugar da África em um país como o nosso” (PADILHA, 2007, p.13).

O passado histórico do Brasil liga-o intima e profundamente ao continente africano, em especial os países africanos de língua portuguesa. Segundo o cientista político cubano, Carlos Moore, calcula-se que até seis milhões de africanos escravizados foram trazidos para o Brasil durante os quase quatro séculos de escravidão no país (MOORE, 2010, p.21-22). Devido ao nosso passado histórico é preciso, sim, falar em África, porquanto as consequências desse passado e relações entre o país e o continente continuam vivas em nosso presente. Além disso, é preciso recusar os sinais de um pretenso “não-lugar” no Brasil para universos culturais africanos, seja pelo esquecimento estratégico e discriminatório seja pela rasura, denegação ou depreciação. Para Carlos Moore, em A África que incomoda; sobre a problematização do legado africano no cotidiano brasileiro, a relação do negro americano com a África parece oscilar entre as estratégias de resistência cultural e idealização:

Para preservar o rico legado ancestral que nos permitiu atravessar o horror de viver em estado de escravidão racial, nas Américas por mais de quatro séculos, foi necessário idealizar essa África da qual tínhamos sido arrancados para sempre. A África aparece, nessa visão, como um lugar quase sem tensões internas ou contradições inerentes à sua própria experiência histórica. (MOORE, 2010, p.51, grifos do autor).

Embora tenha sido necessária, em um determinado período, a idealização “dessa África” como forma de sobrevivência e resistência dessas culturas, essas imagens acabam reforçando o estereótipo de uma África no singular, homogeneizadora, “original”, “tradicional”, “pura” e o que escapa dessa representação não seria africano, caindo na questão problematizada anteriormente de o que seria a “africanidade”, ou ser “africano”, ser “tradicional” se a própria tradição é construída e transformada constantemente, como será discutido a seguir, os africanos traficados para o Brasil já traziam culturas de diversas formas

entrelaçadas, uma vez que já haviam trocas culturais entre as diversas etnias e culturas do continente.

A historiadora Linda Heywood, em “De português a africano: a origem centro- africana das culturas atlânticas crioulas no século XVIII”, discorre sobre a crioulização ocorrida na Angola portuguesa e em Benguela, no século XVIII. Para Heywood, essa crioulização ocorreu tanto a nível biológico quanto a nível cultural:

Durante o século XVIII, a crioulização dos portugueses e de suas culturas no reino de Angola e no reino de Benguela era evidente na mistura biológica de homens europeus com mulheres africanas livres e escravas e no crescimento de uma população afro-lusitana. A interpenetração das duas sociedades era também aparente na esfera cultural. Estas incluíam práticas e rituais religiosos, costumes de nomeação – do maior segmento da população –, o uso do quimbundo e umbundo como as línguas francas das duas regiões, a cozinha, dança, música e outras práticas culturais da colônia. (HEYWOOD, 2008, p.103, grifos do autor)

Essa “interpenetração [cultural] das duas sociedades” europeias e africanas ocorreu em duas vias: tanto os soberanos africanos e seus povos precisavam fazer tratados de vassalagem submetendo-se à Coroa portuguesa (atos de undamento), o que implicava a adoção de nomes, religião e aspectos culturais e linguísticos lusitanos, quanto os portugueses também acabavam incorporando aspectos culturais e linguísticos africanos, pela convivência e pelos laços estabelecidos. Linda Heywood defende a tese de que “os portugueses não estavam em posição política e cultural dominante” (HEYWOOD, 2008, p.119), de modo que os soberanos africanos e suas populações “estavam livres para adotar elementos da cultura portuguesa que não alterassem radicalmente seus próprios valores” (HEYWOOD, id. ibid.), tese que suscita ressalvas. Para a historiadora, os invasores portugueses não conseguiram simplesmente impor a sua cultura pela força, mas precisaram negociar com os soberanos africanos, estando em jogo, de ambos os lados, interesse econômico e político. Sendo assim, a incorporação africana da cultura portuguesa ocorreu mediante resistência, também presente no lado português, talvez em maior grau, já que a cultura lusitana era vista, pelos seus, como de maior prestígio, o que de certa forma reiterava a separação entre culturas no território, aliada às constantes censuras da Coroa quanto à possibilidade de cultura mista, pondo obstáculos à hibridização. Apesar dessas resistências, ao lado das culturas de diferentes matrizes

geopolíticas, segundo Heywood, acabou formando-se uma cultura afrolusitana,47 levada pelos escravizados para as Américas:

Quaisquer que tenham sido as circunstâncias de suas capturas e escravização, o que a maioria dos africanos escravizados tinha em comum era alguma exposição à cultura afro-lusitana. Sobretudo aqueles que vieram através das costas portuárias de Luanda e Benguela no século XVIII, controladas pelos portugueses. Esse era, especialmente, o caso dos africanos escravizados que chegaram ao Brasil, e conforme os relatórios teriam vindo de “toda Angola e seus sertões”. (HEYWOOD, 2008, p.124)

Nas Américas os africanos de “cultura afro-lusitana” – africanos que já tinham tido trocas culturais com os europeus – ao entrarem em contato com as culturas locais, acabaram dando origem a uma cultura crioula, conforme entendida pela historiadora:

Durante o século XVIII, os africanos que faziam parte da cultura afrolusitana em desenvolvimento, e que eram vendidos como escravos, levaram elementos dessa cultura para as fazendas, minas e centros urbanos das Américas. A cultura crioula que emergiu entre as sociedades escravistas nas Américas tinha raízes profundas na África Central. Essa contribuição centro-africana foi especialmente dominante durante os séculos XVIII e XIX, quando povos dessas regiões representavam significativa maioria dos escravizados que vieram para as Américas. (HEYWOOD, 2008, p.122)

Ao chegarem às Américas os escravizados buscavam criar redes de parentescos e laços de identificações culturais que lhes assegurassem proteção em um grupo. Uma das alternativas era, dentro do espaço permitido pelo regime de escravidão, recriar “uma cultura africana na América, embora esta nunca fosse idêntica à que eles haviam deixado na África” (THORTON, 2004, p.413). Apesar disso, eles acabaram africanizando os lugares de destino, na diáspora, pelo que afirma o historiador norte-americano John Thorton, em “Os africanos no mundo atlântico no século XVIII”,

A chegada de grandes levas de africanos africanizou as áreas para as quais eles iam. Mesmo as áreas onde já havia uma população preexistente de descendentes africanos foram “reafricanizadas”, conforme Ira Berlin caracterizou o influxo do início do século XVIII nos arredores de Chesapeake. (THORTON, 2004, p.411)

47 “Por causa da superioridade demográfica da população africana e a tendência das culturas banto

de se transformarem com o passar do tempo ao absorver elementos de fora, emergiu na colônia uma cultura afrolusitana, com elementos africanos dominantes em muitas áreas.” (HEYWOOD, 2008, p.104).

Essa necessidade de se fortalecer em um grupo, de se abrigar embaixo de uma suposta identidade una, intensificou as marcas identitárias africanas, provocando uma “reafricanização” de locais no Novo Mundo. No entanto, Thorton também ressalta que “[a]s nações africanas do Novo mundo não estavam simplesmente recriando a África; estavam desenvolvendo conceitos africanos no novo contexto político e cultural das Américas” (THORTON, 2004, p.420), uma vez que, “[p]ara [a maioria dos centro-africanos], a essência da escravidão consistia em serem desnudados da percepção que tinham de si próprios, e conseqüentemente lutavam no Novo Mundo para restaurar – ou criar – um sentido comum de identidade” (MILLER, 2008, p.30). O processo da escravidão se sustentava em mecanismos de animalização do sujeito africano, que como forma de resistência a esse processo busca, no novo território, criar redes de parentesco e pertencimento. Os africanos escravizados, levados para as Américas, carregavam suas marcas de nação – nação no sentido étnico –, as marcas físicas e culturais do grupo ao qual pertenciam e que lhes possibilitavam essa “imagem de comunhão” (ANDERSON, 2008). A identidade construída da nação a que os africanos trazidos ao Brasil pertenciam, no entanto, já vinha, em parte, impregnada pelo contato com a cultura portuguesa na colonização, nos termos da cultura “afrolusitana”, defendida por Heywood, e no Novo Mundo se reconfigurava ainda mais no novo contexto político e cultural e nas novas relações.

O conceito de “nação” que circulava no continente africano já não era a mesmo empregado no Brasil:

Durante a época da escravidão na África Central, os descendentes se viram jogados, juntos, numa seqüência acelerada de novas identidades coletivas conforme lutavam para encontrar um lugar para si na escalada para obter vantagens ou para as vítimas, simplesmente para sobreviver. Para entender as histórias desses centro-africanos na diáspora americana, deve-se evitar recair nos pressupostos de estereótipos étnicos estáveis — nas Américas assim como na África –, atribuindo conexões por meio de continuidade assumidas e similaridades aparentes na forma. (MILLER, 2008, p.75)

Nas colônias americanas outras relações e pertenças são construídas, as comunidades não necessariamente se constroem pelas nações ou etnias de procedência, mas pela lealdade linguística, pela comunidade religiosa, pela comunidade da travessia do Atlântico, pela comunidade da propriedade, entre outras. Mas acima de tudo, a noção de identidade e a própria organização das

nações africanas foram reconfiguradas, fragmentadas e estavam em constante movimentação,

Os aspectos mais distintos das vidas de centro-africanos vitimados pela escravidão, sobre os quais eles podem ter se firmado para se redefinirem no Novo Mundo, concentravam-se na visão que compartilhavam de comunidade – geralmente nas arenas da experiência humana caracterizadas como “religiosas”, na segurança da família, nos símbolos de poder e autoridade, na prudência em relação a estranhos e particularmente nas amplas semelhanças lingüísticas pelas quais as pessoas que conversavam entre si no dia-a- dia expressavam uma familiaridade de associações espontâneas. (MILLER, 2008, p.46-47)

Segundo Thorton, o conceito de nação no Novo Mundo e no contexto de escravidão era um substituto da família, por isso os africanos apegavam-se socialmente a elas, contudo, ela não era o único referencial de identificação e associação, também havia outros, tais como a religião e a língua, citados anteriormente,

Com a falta de homens e mulheres conterrâneos para criarem comunidades viáveis de hábitos específicos que eles compartilhassem, essas pessoas teriam se adaptado à cultura escrava americana de grande coesão cultural estabelecida anos antes pelas gerações fundadoras. Do contrário, eles teriam capitalizado suas experiências compartilhadas ao longo das trilhas – experiências que se estenderam por meses de sofrimento passados juntos a cobrir as cada vez maiores distâncias que tinham de viajar de suas terras natais no remoto interior – e nos portos em que haviam começado a Passagem do Meio (Travessia do Atlântico). Dessa maneira, apropriaram-se das designações genéricas e geográficas que os europeus lhes davam, como base para as comunidades que criaram sob a escravidão. Nessa convergência paralela e irônica da experiência africana e dos estereótipos europeus, origens específicas significavam muito pouco para essa população diversa embarcada ao longo de toda costa norte de Luanda e dos bancos do baixo Zaire. (MILLER, 2008, p.67).

A diáspora africana reconfigurou o conceito de nação que circulava em África. Os africanos escravizados eram classificados em nações aleatoriamente pelos europeus. Ganhavam, muitas vezes, o nome da região onde foram vendidos, ou onde aguardavam o embarque para a travessia do Atlântico, ou por fenotipicamente possuírem certos traços atribuídos a certas nações, não necessariamente pertencendo a essa região ou nação. Ao chegar ao Brasil, ou em outras colônias, eles acabaram se apropriando desse rótulo e estereótipo como forma de identificação, ressignificando assim, o conceito de nação, pois, como afirma Miller “origens específicas significavam muito pouco para essa população diversa”. A ideia

de nação que, para primeira geração de africanos era o substituto da família (Thorton, 2004), na segunda geração não é considerada tão vantajosa por conta do surgimento dos creoles. Estes eram em geral os falantes nativos da língua da colônia e se consideravam uma nação própria, estabelecendo não mais uma “família arranjada”, mas redes de lealdade e apoio baseadas em laços biológicos (Thorton, 2004). Sendo assim, reconfigura-se a “fidelidade às origens”, referida pelo teórico Stuart Hall, e novas identidades culturais são forjadas na linha do questionamento de categorias vigorosas:

Trata-se, é claro, de uma concepção fechada de “tribo”, diáspora e pátria. Possuir uma identidade cultural nesse sentido é estar primordialmente em contato com um núcleo imutável e atemporal, ligando ao passado o futuro e o presente numa linha ininterrupta. Esse cordão umbilical é o que chamamos de “tradição”, cujo teste é o de sua fidelidade às origens, sua presença consciente diante de si mesma, sua “autenticidade”. É, claro, um mito – com todo o potencial real dos nossos mitos dominantes de moldar nossos imaginários, influenciar nossas ações, conferir significado às nossas vidas e dar sentido à nossa história. (HALL, 2009, p.29)

A visão de Hall se aproxima da de Thorton, uma vez que para o primeiro a identidade cultural está ligada ao sentimento de “um núcleo imutável e atemporal”, chamado tradição, que no fundo é visto pelo teórico como um “mito”, enquanto Thorton defende que na diáspora africana essas identidades são constantemente ressignificadas como forma de sobrevivência. A diáspora africana, tal qual vimos nesses textos, quebra com essa noção de “núcleo imutável e atemporal”, uma vez que mostra essas construções identitárias como sendo fragmentadas, fluidas e que se reconfiguram com o tempo, contexto e relações como se não houvesse mais lugar para a fidelidade às origens. Hall defende que “não há mais como traçar uma origem, exceto ao longo de uma cadeia tortuosa e descontínua de conexões” (HALL, 2009, p.37) e isso se torna mais marcante pensando na diáspora africana, não obstante a existência de sujeitos que insistem em manter-se fiel a posição deslocada e criticada por Hall.

Segundo Carlos Moore,

Por quase quatro séculos, [os africanos] serviram como mão-de- obra principal a partir da qual foi gerado o grosso das riquezas que tornaram possível a constituição do Brasil como Nação. A população de origem africana chegou a somar até 70% do corpo populacional até o momento da abolição (1888). (MOORE, 2010, p.22, grifos do autor).

No Brasil a afrodescendência está relacionada à negritude, embora, após o fim da escravidão, tenha havido uma política oficial de branqueamento do país, fortalecida pelo estimulo a imigração massiva de europeus, passando o contingente de origem africana a representar menos da metade do total na década de 70 (MOORE, 2010, p.22). A Secretaria de Assuntos Estratégicos – SAE, em parceria com a Faculdade Zumbi dos Palmares, com a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racional e a Fundação Getúlio Vargas produziu o primeiro banco de dados nacional sobre a população negra no Brasil, cujos dados mostram que, “51% da população são formados por negros” (BANCO, 2012, p.1). Por sua vez, a cidade de Salvador, Bahia, segundo o censo do IBGE de 2010, “lidera o ranking de municípios com maior população negra do país, com 743,7 mil negros” (SALVADOR, 2012, p.1). Embora Salvador seja a cidade mais negra do mundo fora da África (O AFRICANO, [on

line]), dados mostram que, “negros ainda correspondem a apenas 14% da

massa salarial” (IPEA, 2010, p.1). As desigualdades sociais, consequências do processo histórico brasileiro, acabaram criando dois Brasis, como problematiza Carlos Moore:

Contrariamente à promessa de uma unidade nacional incolor, no espaço de um século, a dita política de “democracia racial” produziu “dois Brasis” que não se encontram: um branco e outro negro, enveredados em duas lógicas contrárias e fortemente racializadas de desenvolvimento antagônico. (MOORE, 2010, p.24)

Um Brasil branco e rico que, não raro, quer ser europeu, esquecendo seu passado escravocrata e sua relação com o continente africano e com o outro negro e pobre que é silenciado. O abismo entre esses dois Brasis − podendo ser ampliados a vários Brasis, uma vez que, além dos polos negros e brancos, existem questões associadas a mestiços e indígenas, aliados a aspectos socioeconômicos que proporcionam diferenciações de tratamentos em cada polo − também é facilmente observável no âmbito cultural, em termos de diversos dilemas. O que é considerado arte e o que é artesanato? O que é música erudita e o que é música apenas para o carnaval? Que literatura é produzida e ensinada nas salas de aula? Que tipos de livros figuram no cânone brasileiro? Qual o lugar da África na sala de aula? E que tipo de África aparece no âmbito escolar e midiático? – são inquietações centrais das atuais reflexões.

Embora o Brasil mantenha raízes profundas com a África e sua história, e notadamente, com as histórias da África em sua multiplicidade, “os estudos sobre a África e sua produção literária foram sempre colocados à margem e encobertos por um denso manto de silêncio”. (PADILHA, 2007, p.393), manto esse que, aos poucos, começou a ser retirado a partir da metade da década de 1970, quando houve

um movimento no sentido de que tal espaço vazio venha a ser ocupado, sobretudo no âmbito dos estudos humanísticos e/ou sociais desenvolvidos por pesquisadores vinculados à Universidade de São Paulo, o que se estende, em um segundo momento, a outros centros acadêmicos nacionais. (PADILHA, 2007, p.394-395).

Esse movimento foi de suma importância para os estudos africanos no Brasil, assim como para a cultura brasileira considerada em sua diversidade e interculturalidades, uma vez que consignou um processo de não aceitação do silenciamento e do “não-lugar” da África que ocorria e ainda ocorre, em graus diferentes, em nosso país.

Em 2003, em um novo passo importante para preenchimento desse “vazio”, o então Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, sancionou a Lei 10.639, alterando a Lei nº 9.394/1996, que estabeleceu as Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), em dois dos seus artigos. A Lei que entrou em vigor na data de sua publicação estabelece:

Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira.

§ 1o O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil. § 2o Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras. Art. 79-B. O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como ‘Dia Nacional da Consciência Negra’. (BRASIL, 2003, p.1)

A Lei 10.639/2003 é válida para todo o ensino fundamental e médio brasileiro, embora não tenha uma disciplina específica, para temas tão complexos e abrangentes, ficando a responsabilidade dos conteúdos especialmente para as áreas de Educação Artística, Literatura e História – correndo o risco de na prática ficar relegada ao segundo plano, por conta de segmentos eurocêntricos brasileiros –

ainda assim é um imenso avanço em relação a representar um rompimento com a forma eurocêntrica hegemônica no ensino brasileiro, assim como, um avanço nas políticas públicas de reparação da exclusão social. Em 2008 a Lei 10.639/2003 é alterada pela Lei 11.64548, tendo como principal modificação do texto a inclusão do estudo da história e cultura indígenas. Carlos Moore ressalta a importância das leis 10.639/2003 e 11.645/2008, declarando que, “[o] Brasil, até o momento, é o único Estado da América ‘Latina’ a tentar por em prática medidas compensatórias – embora que ainda tímidas – destinadas a eliminar o racismo e a reverter o quadro de exclusão dos afrodescendentes e indígenas.” (MOORE, 2010, p.29-30). O artigo 26 da Lei nº 9.394/1996, LDB, antes da Lei 10.639/2003, já contemplava o ensino das culturas que formam o povo brasileiro, englobando as matrizes indígena, africana e europeia, como consta na alínea § 4º: “O ensino da História do Brasil levará em conta as contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro, especialmente das matrizes indígena, africana e europeia.” (BRASIL, 1996, p.10). No entanto, apesar de a LDB estar em vigor desde 1996, o ensino brasileiro acabou centrando-se apenas em uma matriz formadora, a europeia, deixando as outras duas relegadas a projetos pontuais e datas comemorativas, quando não reproduzindo estereótipos reducionistas e estigmatizantes.

As leis 10.639/2003 e 11.645/2008 são de suma importância ao marcar a sua obrigatoriedade, pois visam enfatizar, ressaltando de maneira mais detalhada, três questões marginalizadas há muito tempo no ensino brasileiro, o “estudo da história da África e dos africanos”, a “cultura afro-brasileira” e a “contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil”. Embora esses estudos sejam próximos e muitas vezes confundidos pelo “senso comum”, são