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A palavra nação desenvolveu-se para descrever grandes grupos fechados, porém a evolução da palavra tenderia a destacar o lugar ou território de origem de um povo. Dentro do marxismo, a “questão nacional” está situada na intersecção da política, da tecnologia e da transformação social.

Parece muito fácil pensar no futebol definindo-o a partir dos primeiros termos, como já exemplificamos usando as expressões “Nação Colorada” ou “Nação Tricolor”, ou poderíamos ainda pensar em territórios de origem, já que muitos clubes nasceram identificados com um espaço geográfico (bairro ou cidade). Contudo, sob a ótica marxista, temos um interessante caminho a percorrer, pensando na tecnologia e transformação social pela qual passava o mundo com o advento dos esportes modernos.

Além de período hegemônico inglês, com seu império onde o sol nunca se punha, inaugurou-se uma fase até então inédita na história mundial, com as migrações continentais. Mesmo com a descoberta de novos continentes, a transposição de povos com o intuito de buscar uma vida melhor é completamente diferente do momento anterior, quando os mares eram singrados com o propósito meramente comercial.

Mesmo que no período estudado muitas comunidades de imigrantes já estivessem formadas, o futebol de alguma forma aproximou não apenas imigrantes como também elementos locais díspares. Lembrando Benedict Anderson (2005), que fala da importância do idioma para as nações, poderíamos pensar naquilo que o futebol fez em Porto Alegre, tornando o inglês a língua de todos aqueles que o praticavam ou nutriam por ele alguma simpatia. Para se aproximar do esporte da elite, precisavam ao menos adotar o vocabulário que incluísse expressões tais como: kick off, off side, corner kick, center forward, goal keeper. A língua do futebol era mundial, e, saindo da Argentina para o Brasil, um beck era um beck e não um zagueiro, como hoje em dia.

Nação como sinônimos de torcidas, adotadas por clubes de futebol ao final do século XX, possui significados que revelam que sua adoção passa pela relação do esporte como símbolo dos Estados nacionais.

Hobsbawm (2013) usa o termo “nacionalismo” entendendo-o como “fundamentalmente um princípio que sustenta que a unidade política e nacional deve ser congruente”, não considera o autor a “nação” como uma entidade social originária ou imutável. A “nação” pertence exclusivamente a um período particular e historicamente recente, ela é uma entidade social apenas quando relacionada a uma certa forma de Estado territorial.

Acreditamos que o futebol tornou-se, ao longo do século XX, um dos princípios que legitimaram as unidades políticas de muitos países. No caso da América do Sul, com seus milhões de imigrantes em fins do século XIX e início do XX, é o futebol que vai se tornar o amalgama das unidades políticas da região. Não que tenha sido um movimento ocorrido de forma rápida ou sem vacilos, por uma função quase mágica da atividade esportiva. Seu peso é fundamental em alguns casos, como no argentino, principalmente criando laços para a unidade entre tantos imigrantes, muitos dos quais já conhecedores do futebol, com suas regras e linguagem.

Na obra de Pablo Alabarces, Fútbol y Patria. El fútebol y las narrativas de la nación en la Argentina, o mesmo evidencia que

La Argentina, como todos, es un país inventado. Como toda América, em la ficción de su “descubrimiento” y em la violencia de su conqista y ocupación: pero también, em una nominación que supone, imaginariamente, un territorio de riquezas y sólo las encuentra em el baurismo: “tierra de la plata”. Y además, em su dificultuosa construcción como estado moderno durante el siglo XIX. La Argentina es objeto ya no de una, sino de varias invenciones: las guerras civiles que marcam la historia ,dos modelos de organización política, social, económica y cultural, com infinitos recovecos y variantes, que disputam su condición hegemônica a lo largo del siglo XIX, y culminam com el triunfo de los sectores que se presentam a sí mismos - y así disponen un relato heróico, un panteón, una interprectación definitiva del passado, del presente y del futuro - como liberales, europeistas, librecambistas, positivistas, representantes de la civilización y del progreso. Pero em esta producción hegemônica del nacionalismo de las elites, los nuevos productores de los medios masivos, tempranamente profissionalizados, provenían de las clases medias urbanas, y populares: héroes populares y reales: los desportistas (Alabarces, 2002, p. 35).

Nascia então um processo de construção de um primeiro nacionalismo desportivo, onde muitos imigrantes foram alçados à condição de heróis, realizando uma

“costura nacional”, que, de tantos percalços como descreve Alabarces, parecia impossível, mas que consolida a imagem mitológica da nação.

Acreditamos que o processo argentino, que durou pouco mais de meio século, não seja muito diferente daquilo que ocorreu no Uruguai e no Brasil. Relatos como esse, sobre o futebol na Argentina, podem ser repetidos em relação à história do futebol em tantos outros países. Além de outros tantos aspectos, destacaríamos que o Brasil, além de tudo, passou por duas questões traumáticas, com a Proclamação da República e a inserção (ou não) do ex-escravo.

Segundo Cleber Dias, em seu artigo “Esporte e cidade: balanços e perspectivas”, A história da propagação do futebol pelo Rio Grande do Sul é particularmente interessante para ilustrar o quão múltiplo e diversificado foram os caminhos para o desenvolvimento dos esportes no Brasil. A difusão dessa modalidade naquela região está intimamente ligada à influência platina. A região do Prata foi a primeira da América do Sul a conhecer uma força ao redor do futebol, organizando clubes e federações, além de realizar campeonatos regularmente (Dias, 2012, p. 33).

Dias justifica esta afirmação com dados sobre as circunstâncias históricas do Prata a partir dos interesses comerciais britânicos no final do século XIX, onde “nessa época estima-se que 40.000 ingleses viviam na Argentina, cuja capital, Buenos Aires, contava com uma população composta por 75% de estrangeiros”. O caso de Montevidéu não era muito diferente.

O Brasil, e em especial o Rio Grande do Sul, não estiveram alheios ao movimento de trabalhadores especializados e imigrantes relatado. Dias cita como exemplo a figura de Lockwod Chompson à frente da criação do Sport Club Uruguaiana, onde poderíamos citar também os ingleses fundadores do Sport Club Rio Grande ou sócios do Grêmio Porto-Alegrense, em menor quantidade que nos países vizinhos, mas também importantes no contexto de divulgação do esporte.

Veremos que em Porto Alegre não eram apenas os teutos que começaram a jogar futebol de forma isolada, apesar de sua proeminência com relação ao que falamos sobre o “associativismo alemão”. A parcela mais pobre da cidade, mesmo com sobrenomes alemães, não teve acesso ao esporte num primeiro momento, assim como imigrantes de outras nacionalidades passaram a jogar futebol mesmo antes de 1909, inserindo-se em um ambiente novo para todos os porto-alegrenses. Falando do Rio-Grandense, podemos incluir negros e mestiços.

A inserção destes elementos em outras equipes da cidade foi posterior ao espaço temporal em que trabalhamos, embora todos já estivessem em campo bem antes disso acontecer. Além do que, imigrantes de outras nacionalidades filiaram-se aos clubes tidos como teutos, e também fundaram outras agremiações, cujo próprio nome já identificava a nacionalidade a que pertenciam, como os espanhóis e os poloneses, por exemplo.

Os imigrantes teutos imprimiram sua marca no futebol da cidade, sendo citados ainda hoje, inclusive por uma equivocada historiografia, como únicos autores dos dois pioneiros clubes dos primórdios do futebol em Porto Alegre, onde não raramente são acusados de excluírem elementos de outras nacionalidades que não a sua. Este equivoco tem suas razões e o estudaremos.

Por fim, “Nação Colorada” e a “Nação Tricolor”, para usarmos os exemplos de nosso objeto de estudo, não são expressões pouco usadas no Rio Grande do Sul e muito menos inocentes. Elas são um paradigma da relação entre futebol e identidade nacional. A identificação de Grêmio e Internacional como possuindo “Nações”, é a prova de que ambos conseguem homogeneizar seus torcedores/simpatizantes em uma identidade comum, ainda que diferenças étnicas ou de classe dentro de cada uma destas nações. Ao mesmo tempo, são recrutados para as batalhas travadas em seus estádios (a partir de agora, curiosamente em suas arenas) e são responsáveis por criar uma recente e curiosa expressão, que bem simboliza a dicotomia futebolística do Rio Grande do Sul, “grenalização” ou “grenalizar”, que significaria absolutizar qualquer questão em apenas dois lados, no caso, Grêmio e Internacional.17 Talvez tenhamos aí a entidade social da qual fala, Hobsbawm, com seu território, seus símbolos, história, e, principalmente, seus mitos. Duas tradições baseadas em narrativas originarias do período no qual este trabalho se insere.

Pensar em Porto Alegre neste período serve para que comecemos a desfazer algumas imagens que temos do futebol no Rio Grande do Sul e no Brasil. Mesmo que não tenhamos o encontro de nossos três personagens, o rico, o negro e o imigrante, em um mesmo campo de futebol antes de 1920, sabemos que de alguma forma, houve contato muito cedo.

Por fim, acreditamos que sejam experiências sociais que ainda estavam por ser identificadas e analisadas. De uma forma geral, tratamos da sociedade porto-alegrense ao se apropriar do foot-ball, bem como sua dinâmica de pensamento e ação em suas

17 Sobre a rivalidade entre Grêmio e Internacional e a criação de suas “Nações” de torcedores ver Damo

diversas instâncias e agentes. Nossa intenção foi contribuir para uma análise social a partir do futebol, com especial atenção para suas diferentes formas de manifestação – burguesa, popular, nacional ou étnica – nas primeiras décadas do século XX.

VELOCÍPEDE

Paris, 7 de abril de 1896. Silveira Martins

Hoje, às 3 horas, há a última partida de foot- ball entre os melhores jogadores de Paris e o Club de Coventry, que possui uma das mais célebres turmas de futebol da Inglaterra. (...).

Mando-lhe esta notícia, porque pareceu-me anteontem que Madame Silveira Martins desejava assistir a um match internacional, e estou convencido de que o espetáculo o interessará também. Esse gênero de esporte devia ser introduzido no seu Rio Grande do Sul, em Santa Catarina, Paraná, São Paulo e Minas, onde o clima permite tais exercícios.

... Meu filho Paulo, estudante de medicina, é o arrière ou back da equipe francesa e é tido como o melhor arrière da França. Amigo velho e obrigado.

Rio Branco

Na virada do século XIX para o XX, a capital do estado do Rio Grande do Sul vivia intensamente os sports modernos. No entanto, em 1903 havia um, até então desconhecido, sendo praticado na cidade de Rio Grande, e como quase todos que se conhecia em Porto Alegre, oriundo da Inglaterra.

Os grêmios esportivos da capital quiseram conhecer este novo esporte, e convidaram o pioneiro Sport Club Rio Grande para se apresentar na capital. O esporte foi imediatamente adotado com a fundação de dois clubes. Por sua vez, parece bastante curioso, e, por isso mesmo, veremos a seguir, que o “cyclismo” foi trocado pelo foot- ball e os porto-alegrenses que andavam sobre as duas rodas a deixaram de lado, para chutar uma bola. Desse modo, os dois clubes velocipédicos foram quase que transformados nos pioneiros do novo sport - um deles sem nenhuma dúvida.

Além da inovação esportiva na cidade, veremos como se desenvolveram seus seis primeiros anos, dos quais pouco ou quase nada sabemos, em uma sociedade dividida entre desportistas de origem teuta, uma elite ávida pelos sports modernos, e o resto. E o que seria o resto ... da população?