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Nacionalização da cultura e a formação dos gostos musicais na primeira metade do século XX em Salvador.

Para compreender a direção específica tomada pelo carnaval e pela música, na cidade de Salvador ao longo do séc. XX, considera-se importante, nesta pesquisa, uma avaliação das condições sociais de apresentação e incorporação dos hábitos de diversão e das práticas lúdico-artísticas entre os estratos elitistas e populares soteropolitanos. Para este fim, entende-se que essas condições estão estreitamente vinculadas à configuração das redes de contatos da população baiana no movimento de formação nacional brasileira. Nesses termos, tem-se em vista a posição ocupada por Salvador na estrutura de integração nacional das comunicações e transportes durante a 1ª República.

O Rio de Janeiro ao ocupar a posição de centralidade em relação às diversas capitais devido a concentração das instituições de política governamental e das instâncias produtoras de bens simbólicos orientados tanto para o lazer quanto para o ideal de construção de uma imagem de grupo nacional, exerceu uma função de atração de populações regionais. A cidade do Rio de Janeiro prestava diferentes serviços para as elites dos estados federativos, tornando-se, no início do séc. XX, o maior centro financeiro do país. Simultaneamente, o Rio era visto como núcleo urbano, o qual detinha, em um grau elevado no Brasil, os meios de reconhecimento de um modo de vida civilizado, ideal que desde o Império, passa a ser cultivado entre os grupos dominantes regionais, no interior de uma coordenação de poder nacional. Por outro lado, os estratos populares regionais se dirigiam ao Rio de janeiro, em fins do séc. XIX e início do XX, em busca de melhores condições de vida, visando a ter acesso à educação e trabalho remunerado.

Esse movimento centrípeto, apenas foi possível devido ao papel integrador desempenhado pelos transportes e pelas comunicações que ligavam as diferentes regiões do país à capital federal. Se, por um lado, é correto afirmarmos que o tipo de integração de pessoas e bens no território brasileiro durante a 1ª República não era tão abrangente e complexo como em períodos posteriores, por outro, talvez seja razoável considerar a existência de um padrão centrípeto de fluxos humanos objetivos e subjetivos que ligavam

diferentes regiões do Brasil ao Rio de Janeiro. O fato de se ter uma rede de apresentação e, consequentemente, de interpenetração simbólica que contribuiu para o cultivo de uma concepção nacional de vida entre diferentes estratos sociais, em diversas localidades do Brasil dependeu, em grande medida, de uma sistemática regular de comunicações e transportes de pessoas. De um lado, a cidade do Rio era o ponto central de articulação da maior rede ferroviária do país que mantinha a capital federal diretamente interligada ao Vale do Paraíba, São Paulo, os Estados do Sul, Espírito Santo, Minas Gerais e o Mato Grosso (SEVCENKO/1999, p: 27). De outro, a integração do Rio com o Norte se deu principalmente através da navegação de grande cabotagem, já que as principais cidades ao norte se localizavam no Litoral. Uma idéia desta configuração pode ser encontrada a partir das informações dispostas no censo realizado pelo Centro Industrial do Brasil, publicado em 1909. Neste ano havia 8 empresas de grande cabotagem no país. A Loyd Brasileiro, a maior e mais importante dentre elas, transportou no ano de 1907 40.449 passageiros de 1ª classe e 61.109 de terceira classe. Tal empresa detinha o direito de operar onze linhas que, praticamente, interligavam todos os portos importantes no Brasil, como pode ser visto na escala de linhas, semanalmente, disponíveis a qualquer interessado em se deslocar pelo país em 1909:

Primeira – Norte-Rápida – partidas às quintas-feiras alternadamente, com escalas por Bahia, Maceió, Pernambuco, Ceará, Maranhão, Pará e Manáos.

Segunda – Norte, semanal – partida aos sábbados, com escalas por Victoria, Bahia Maceió, Recife, Cabedello, Natal, Fortaleza, Tutoya, Maranhão, Belém, Obidos, Santarém, Itacoatiára, e Manáos.

Terceira – Norte-Americana – linha mensal, com escala por Victoria, Bahia, Maceió, Recife, , Cabedello, Ceará, Maranhão, Pará Barbados e Nova-York.

Quarta – São Matheus e Caravellas – partidas cinco dias antes da lua nova com escala por Cabo-Frio, Itapemirim, Piúma, Benevente, Guarapary, Victoria, Barra, Cidade de São Matheus, Viçiosa, Caravellas, Ponta da Areia e Cannavieiras.

Quinta – De Sergipe – Partidas a 15 e 30 de cada mez com escala por Victoria, Caravellas, Bahia, Aracaju, Penedo e Villa Nova.

Sexta – Do Rio Grande – partidas as quintas-feiras com escala por Santos, Paranaguá, Florianópolis e Rio Grande.

.Sétima – Do Rio da Prata – partidas aos sabbados alternadamente com escala por Santos, Paranaguá, Antonina, S. Francisco, Itajahy, Florianópolis, Rio Grande, Montevidéo e Buenos-Ayres.

Oitava – De Santa Catarina – partidas o primeiro e o terceiro sabbados de cada mez com escala por Santos, Cananéa, Iguape, Paranaguá, Antonina,, S. Francisco, Itajahy e Florianópolis.

Nona – De Montevidéo a Corumbá – partida depois da chegadados paquetes da linha do Rio da Prata, com escala pelo Rosario, Paraná, Lapaz, Corrientes, Assumpção, Apa, Porto Murtinho, Forte de Coimbra e Corumbá.

Undecima – Linhas de cargas para New-York – partidas em dias indeterminados com escala em alguns portos do Brasil. (O Brasil: suas riquezas naturaes; suas

industrias Vol: III – industria de transportes, industria fabril, 1909).

Como se pode entrever a partir das rotas da Loyd Brasileiro, a configuração de uma rede de circulação de pessoas com função centrípeta em torno do Rio de Janeiro é evidente. Esta centralização se delineava numa clara descontinuidade de trânsito de pessoas entre o norte e sul. Não havia linhas que interligassem diretamente a região norte, ou seja, da Bahia para cima, ao sul, de Santos para baixo. O Rio de janeiro era, visto sob a perspectiva das rotas de circulação da navegação da grande cabotagem, o ponto de encontro entre o Norte e o Sul. De outra forma, o deslocamento de pobres e ricos não encontrava grandes obstáculos além do financeiro, como se pode inferir do número de passageiros transportados nas 1ª e 3ª classe.

É situada nesta coordenação de poder nacional, que significava uma pressão para um afluxo de pessoas das regiões para o Rio e do refluxo delas para as regiões, que se pretende avaliar a direção das interpenetrações e re-combinações simbólicas inscritas nas práticas lúdico-artísticas, carnavalescas e musicais, tanto das elites quanto dos segmentos populares da cidade de Salvador na primeira metade do séc. XX. A enorme concentração de bens, e, por sua vez, de oportunidades econômicas e simbólicas existente no Rio decorrentes de um esforço das elites de todo o país em materializar os ideais civilizatórios, que vinham desde o Império, e as crenças republicanas vinculadas a uma imagem de onipotência do Estado constituía, em relação às outras regiões, um vetor de poder assentado sobre uma balança de força de atração desigual que pendia para a capital federal.

De outro lado, Salvador foi uma cidade que durante a primeira metade do séc. XX não exerceu qualquer função de atração de populações regionais, talvez apenas com exceção das funções religiosas dos candomblés situados na cidade. O crescimento populacional durante este período, que dependeu exclusivamente de crescimento vegetativo, foi insignificante. Com a crise da economia açucareira do Recôncavo em fins do séc. XIX, e a forte dependência da economia da Bahia da cultura cacaueira situada ao sul do Estado (Ilhéus e Itabuna), Salvador não possuía qualquer condição para exercer um papel de metrópole regional ou estadual. Tornou-se praticamente um entreposto de pessoas que vindo do interior ou de outros estados, se deslocavam para outras regiões mais prósperas, destacadamente o Rio. Para se ter uma idéia da disparidade do desenvolvimento

das configurações sócio-urbanas do Rio e de Salvador, entre os anos 1920 e 1940, a primeira teve um crescimento demográfico de 52, 36 % enquanto que a segunda teve apenas um acréscimo de 2,47% (IBGE apud SANTOS/2001, p:14).

Para os nossos interesses, a descrição dessa estrutura de interdependências entre cidades tem a importância de ressaltar um padrão de fluxos de pessoas, que por sua vez, permite-nos sugerir um mapa dos trânsitos de símbolos e práticas que comporiam um horizonte de mundos possíveis no qual teriam sido modelados hábitos de diversão e lazer dos diferentes estratos sociais soteropolitanos. A estrutura de circulação de pessoas é compreendida como uma rede social a partir da qual se pode tentar demarcar as possibilidades de interpenetrações entre disposições lúdico-miméticas em meio aos movimentos de pessoas e bens que ligava o Rio a Salvador. Em um contexto social que não dispunha de uma difusão global de meios de comunicação como o rádio, a TV ou a internet, que possibilitariam a transmissão de gestos, sons e imagens por territórios fisicamente distantes em velocidade intensa, a sistemática de transporte de pessoas e coisas tem um estatuto de mídia transformadora da corporeidade humana de importância sobreacentuada na configuração da cadeia sócio-urbana de uma cidade como a Salvador do início do século XX.

A posição ocupada pela cidade do Rio como centralizadora das funções de integração nacional, que remonta ao período da vinda da família real para o Brasil, constituiu uma pressão para o desenvolvimento de padrões de controle e auto-controle comportamentais que terá uma de suas expressões mais significativas no aparecimento de formas de diversão no espaço das ruas e avenidas, tanto de elites, como populares. A combinação entre as funções sociais da corte luso-brasileira que se impuseram entre os estratos de elites regionais e a influência destas funções sobre o processo de urbanização dos hábitos e modos de vida dos segmentos populares cariocas, constituiu um vetor de sentido citadino de caráter laico que pressionou a emergência de uma esfera da cultura laica orientada para diversão.

A laicização de práticas humanas conformadas em expressões lúdico-artísticas como o samba e o carnaval aparecem como a modelação de hábitos de indivíduos e grupos pressionados pela rede de interdependências sociais que deslocava o papel exercido pelas instituições religiosas na modelação simbólica como as procissões e outras festas religiosas que exerceram um papel crucial na formação de hábitos de diversão populares nos séculos.

XVIII e XIX. A dinâmica industrial que ia paulatinamente crescendo em importância na estruturação da divisão do tempo ócio/trabalho no centro-sul, a pressão nacional que se impõe às elites republicanas dominantes em forjar uma identidade grupal renovada em relação às das elites monárquicas, e a pressão estrutural para o surgimento e incremento das formas de controle urbano advindas do afluxo de estratos populares de diferentes regiões do Brasil amontoados na capital são alguns fatores aparentes que contribuíram para o processo de interpenetração de sentimentos, símbolos e imagens entre os grupos de elites e os estratos populares através de expressões lúdico-artísticas populares como o carnaval, o samba e o desfile das escolas de samba (SEVCENKO/1999; FARIAS/2006). Esse conjunto de fatores atuou como condição importante para a emergência de uma esfera cultural orientada para a diversão popular no Rio de Janeiro. Ou de outra forma, essas condições diagramaram um elevado grau de autonomia alcançado pelas práticas de diversão populares em relação à esfera religiosa, ganhando sentido as práticas e bens artísticos e diversionais, vinculadas às formas de troca mercantil.

No início do séc. XX, no Brasil, apenas o Rio de Janeiro tinha conhecido um tipo de desenvolvimento urbano onde uma esfera cultural orientada para o consumo de bens culturais e de diversão havia adquirido um grau significativo de valor específico na conformação de interdependências funcionais citadinas (FARIAS/2003, pp:186-187). Esta situação tornou possível, entre inúmeros eventos, a estruturação de instituições e motivações individuais que sustentaram o delineamento de linhas de ação lúdico-artísticas populares. Os processos de urbanização e suburbanização do Rio, através dos quais foram conformadas as condições de aparecimento das escolas de samba, são o resultado de uma complexa combinação de movimentos tais como a industrialização do Rio e de regiões do Centro-Sul, a consolidação do Rio como capital burocrática, e nesse sentido, como uma cidade de funcionários públicos do Estado-Nação brasileiro e a emergência de uma sistemática de serviços de entretenimento-turismo que atendia a um público elitista nacional (FARIAS/1999, p. 196). O que interessa neste momento, ao chamar a atenção para o movimento de metropolização do Rio de Janeiro, é ressaltar a singularidade dessas teias sociais .

Com base no livro Tia Ciata e a Pequena África no Rio de Janeiro, de Roberto Moura, podemos apontar com mais clareza a singularidade da rede social carioca onde pioneiramente foi engendrado um âmbito de práticas laicizadas orientadas para um sentido lúdico-artístico popular, e como esta situação era complementar, ao mesmo tempo em que distinta, do desenvolvimento da configuração urbana da Salvador do mesmo período, que favorecia um crescente fortalecimento das linhas de ação lúdico-religiosas ligadas às famílias-de-santo dos candomblés. Enfocaremos o delineamento dessas redes a partir do fenômeno de transformação dos ranchos de reis baianos largamente cultivados entre os estratos livres e escravos na Salvador do séc. XIX e a transformação deste modelo de diversão popular vinculada às festas religiosas em estrutura de diversão propriamente carnavalesca no Rio de Janeiro do final do séc. XIX e início do XX.

Os ranchos eram cortejos de músicos e dançarinos que desfilavam por ocasião das festas católicas de Natal, destacadamente a festa das pastorinhas e a folia de reis. Entre 25 de dezembro e 6 de janeiro homens e mulheres de diferentes idades, carregavam alegorias, celebrando a jornada dos Magos, visitando presépios e casas de amigos na véspera de reis. Tinham em sua composição um porta-estandarte acompanhada por um mestre-sala que a abanava com um leque e desenvolvia passos repletos de plasticidade.

Os ranchos da Bahia do séc. XIX (ou seja, Salvador e Recôncavo) foram umas das expressões populares resultantes de um longo processo de interpenetrações lúdico- miméticas entre as elites coloniais, estratos livres pobres e escravos que se deram a partir dos espaços das festas católicas sedimentados pelo modelo de evangelização dramático- musical das procissões. Os autos de Natal, que estão na raiz dos ranchos, chegados às cidades coloniais brasileiras entre os séc. XVI e XVII, eram representações dramático- litúrgicas de situações em torno do nascimento de Cristo (colocar nota), encenadas inicialmente para os estratos de elite no interior das igrejas. Com a crescente importância do Brasil para a economia do império português, e o crescimento populacional das cidades coloniais que significava, devido à escravidão, um aumento de homens não crentes no catolicismo, a presença das irmandades religiosas católicas foi estimulada e se viram cada vez mais pressionadas e dispostas a divulgar as crenças do catolicismo à população livre e escrava como um todo10. Um dos efeitos gerais dessa abertura do mercado religioso popular colonial às irmandades foi a disseminação de hábitos de diversão vinculados ao

10 Sobre a participação dos estratos senhoriais e escravizados nas instituições católicas como irmandades, missas e rezas ver Reis (2002).

âmbito de festas católicas entre os estratos negro-mestiços livres e escravizados que recombinaram as expressões lúdico-religiosas de elite como os bailes pastoris às formas de diversão populares coloniais e mesmo às expressões lúdico-catárticas dos rituais dos diversos candomblés.

No entanto, é importante se ter em conta que a manutenção do sistema de crenças católicos ao longo do séc. XIX não pode ser compreendida apenas como uma imposição unilateral de uma ordem simbólica das elites senhoriais e religiosas consorciadas sobre a massa pobre livre e escrava. Uma das hipóteses com a qual trabalhamos é que a pressão estrutural para a paulatina extinção da condição da escravidão legal entre a população negra de Salvador durante o séc. XIX abriu novas possibilidades de estabelecimento de interdependências entre os grupos negro-mestiços e os grupos religiosos, destacadamente o surgimento das famílias-de-santo dos candomblés. Assim, a manutenção do poder da burocracia católica sobre parte dos estratos populares baianos, deixava de depender dos espaços de dominação encarnado nas residências dos proprietários de escravos (AZEVEDO/1978; MATTOSO/1978). As irmandades passavam a disputar a fidelidade religiosa de estratos populares cada vez mais influenciados e coordenados pelas redes familiares do candomblé. Os homens e mulheres das famílias-de-santo, por sua vez, também se percebiam pressionados a reconhecer a ordem de crenças do catolicismo, seja pelo temor ao uso da força patriarcal, seja pela inculcação dos valores e rituais da igreja pelas gerações de escravos anteriores que as transmitiram às posteriores. Esta situação, inclusive, teve um papel determinante na maneira como se modelou a direção do processo de sistematização do panteão de orixás dos migrantes livres e escravos de linhagem jeje- nagô, que recriaram suas crenças devido à necessidade de atrair novos seguidores. Nestas circunstâncias, delineavam-se os seguintes eventos que estavam predispostos a conformar a corporeidade dos estratos negro-mestiços livres e escravos baianos: a criação e o fortalecimento dos rituais ligados à estrutura social das famílias-de-santo e a manutenção, com alterações, do espaço de apresentações das festas e procissões católicas, que já haviam sedimentado padrões de interações entre expressões da cultura popular profana e religiosa. Uma condição necessária para a existência de uma configuração social na qual essas duas tendências de estruturação das sensibilidades fossem co-presentes, era a situação de as procissões e festas católicas terem se tornado um espaço de integração e interpenetração simbólica de caráter lúdico-religoso-festivo entre dominantes e dominados. Um ethos

lúdico como sentido orientador das expressões humanas teve um terreno propício de desenvolvimento no espaço constitutivo das festas católicas em Salvador.

Os fatores que concorreram para isto são diversos, no entanto, alguns têm especial relevânica para a compreensão do movimento que altera a orientação religioso-festiva dos ranchos baianos em modos de orientação festivos propriamente laicizados como entidades carnavalescas no Rio de Janeiro. De um lado, isto se deveu às afinidades eletivas existentes entre as práticas dos cultos devocionais aos santos católicos que predominaram no Brasil colonial e as cerimônias de possessão dos orixás. Elas acabaram vicejando, em um grau acentuado, uma racionalidade religiosa de caráter lúdico-estético. Um tipo de lógica de ação que busca os benefícios da intervenção de entidades sagradas neste mundo através de práticas que estabelecessem uma performance e uma mimetização da presença delas no mundo, e nesse sentido, desenvolvendo uma racionalidade de apresentação mundana (ou antropomórfica) de entidades sagradas. Os meios de apresentação da deidade são os mais diferenciados, mas têm implicado sempre a finalidade de validar a experiência das entidades sagradas pelo impacto de seus aparecimentos.

A lógica do aparecer está envolta de necessidades de “convencimento” inter- humano, ligado às propriedades do ver, do ouvir e do sentir, e nesse sentido, exterior, que requer atitudes de sistematização das condições de apresentação e exposição da divindade que os grupos religiosos especializados têm maior conhecimento. Esses elementos podem ser os ritmos, a música, a indumentária, as peças esculpidas, a bebida, a comida etc. O sentido de apresentação religioso, nesses termos, está estreitamente ligado à esquemas de incitação ao êxtase, que se ajustam, com maior ou menor sucesso, aos quadros de percepção dos fiéis sobre o critério de validade da experiência religiosa11. O êxtase, assim, não é uma propriedade amorfa das pulsões humanas, mas uma canalização delas, o que implica a existência de meios de reconhecimento da experiência religiosa apresentacional extática e os quadros de especialistas que as dominam no processo de retro-alimentação da crença. Em resumo, podemos dizer que as práticas lúdico-extáticas de caráter religioso são formas de controle e de auto-controle corporal definidos pelo desejo de apresentar a descontinuidade da entidade sobrenatural no mundo natural a partir de determinados