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5.5 Quinto Encontro Sing: Quem canta seus males espanta” O que me representa?

5.5.2 Análise temática do encontro filme “Sing: O que me representa?

5.5.2.7 Narrativas de outras experiências: Preconceito/Racismo

A mediação por meio do filme Sing: quem canta seus males espanta trouxe outros relatos de experiências que, a princípio, sua menção não estava relacionada a nenhum personagem, porém ao final percebemos o quanto as histórias favoreceram reflexões e depoimentos de situações e experiências vividas.

Ana Botafogo Não tem nada a ver com que você disse, mas é uma coisa que aconteceu comigo ontem, é, a minha colega tinha ido lá em casa para brincar comigo, e ae ela falou, eu posso pegar seu chinelo emprestado?, eu falei pode, aí a vó dela chegou pra buscar ela, ela levou meu chinelo. Aí depois perguntei a ela você pode devolver meu chinelo? E ela disse, minha mãe não deixa, aí eu falei assim ó, é meu você quebrou o seu porque você quis, aí eu te emprestei e você trouxe para sua casa, aí eu fui lá buscar, aí a mãe dela ficou me olhando fui e falei T. é melhor você me devolver senão eu vou chamar meu pai, aí ela falou assim, ah sai daqui vai logo para sua casa sua nega sem vergonha.

Renata E aí, Ana Botafogo? O que que você sente quando as pessoas falam assim?

Ana Botafogo Eu fiquei ofendida por que eu nunca fui tratada deste jeito. Renata Mas você acha que você é isto que ela disse?

Ana Botafogo Não.

Renata Claro que não, né, meu amor, então ó, nós temos que ser bola pra frente, porque tem pessoas que fazem isso. Gente? que que vocês acham de pessoas que falam assim como falaram com Ana?

Chiquinha Gonzaga Racistas, por que eu acho que independente da cor, independente de onde você é, a gente tem que dar valor porque são pessoas.

Ana Botafogo A família toda dela é branquinha e quase todo mundo lá de casa da minha família, aliás todo mundo lá da minha família é morena, e ae ela não gosta de mim.

Renata Mas você tem uma cor linda, será que o problema está em você? Não, onde está o problema?

Steve Jobs O problema está no olho de quem olha. (Van Goh levanta a mão)

Van Gogh Ana, você não tem que ligar no que as pessoas falam ou deixam de falar, você tem que ligar pro que é seu, se você acha que é feio o problema é seu, querem falar que você é feia? Você não tem que ligar, nem dar bola, querem falar, deixem falar. Estes dias um menino me xingando de preto eu falei: uai, minha raça é mais bonita que a sua. Eu não ligo que minha raça é preta, eu tenho orgulho da minha raça é preta, eu não ligo para o que eles falam, você tem que fazer o mesmo.

Renata Viu, olha só você tem que se sentir orgulhosa da pessoa que você é. O Eduardo Kobra levantou a mão? Não? Então, fala Shakespeare.

Shakespeare O Ana, faz que nem aquela qual é o nome? porco espinho, é a Ash, o marido dela disse que ela é.. você sabe... muito difícil reproduzir uma música aí, ela não ligou para o que ele falou. Então, você tem que fazer o mesmo.

Observamos neste episódio o quanto os valores estão entranhados em nossos posicionamentos e como a linguagem está imbricada em nossas experiências. É por meio do tom volitivo-emocional (Bakhtin, 1986/2017), conferido por meio da linguagem, que podemos compreender o que foi semiotizado, como ocorreu na narrativa de Ana Botafogo. Após seu relato sobre ter sofrido uma ação preconceituosa, racista e o quanto esta ação a deixou ofendida, vimos que os posicionamentos de Chiquinha Gonzaga, Steve Jobs, Van Gogh e Shakespeare foram responsivos e éticos por interagirem com argumentações apropriadas para a situação experienciada por Ana Botafogo. Os signos produzidos neste diálogo se entreteceram e possibilitaram suporte para a visão de outra realidade.

[...]

Ruth Rocha Igual eu falo, se Jesus me quer aqui, se Jesus me fez assim, se Jesus me quer aqui, se Jesus quer que eu fique assim, eu vou ficar; por que eu fico reclamando do jeito que eu sou? se ele me fez assim, se ele quer que eu fique assim.

Steve Jobs Quem faz racismo é porque muitas vezes tem inveja do jeito que a outra pessoa é, aí, ficam fazendo isso. Mas não tem que ter inveja, cada um tem seu próprio jeito, Deus criou a gente assim, perfeito. Na bíblia fala que a gente é imagem e semelhança de...

Ruth Rocha De Jesus.

Steve Jobs De Deus, eu leio todo dia a Bíblia.

A forma como cada pessoa configura os significados sobre uma dada realidade têm influências diretas das experiências adquiridas no contexto social, histórico e cultural. Os relatos de Ruth Rocha e Steve Jobs nos apresentaram experiências pautadas em organizações religiosas visíveis na polifonia e nos aspectos ideológicos que constituíram as narrativas. Entendemos que a religião é composta por narrativas que pressupõem uma realidade organizada a partir de forças superiores (citadas pelos participantes de Deus, Jesus) cuja essência é completamente distinta da humana (Berger, 2009). Em qualquer cultura, a religião possibilita a constituição de significados para que as pessoas possam compreender sua experiência e organizar suas ações. Esses significados vistos como símbolos sagrados proporcionam sentido normativo e repressivo que orientam as ações das pessoas em suas experiências cotidianas (Geertz, 2008).

5.5.3 Filme Sing: Quem canta seus males espanta e as relações estabelecidas entre experiências e posicionamentos éticos

De todos os encontros analisados, percebemos que este foi o que possibilitou uma triangulação mais efetiva entre as experiências dos participantes, os personagens do filme e os posicionamentos éticos. De uma riqueza em detalhes, o filme contém várias mensagens e diálogos valorativos e possibilita jogar não apenas com questões relacionadas a tempo e espaço, mas também com a compreensão das relações sociais e culturais por meio da arte cinematográfica.

Nas interações pudemos analisar o quanto as experiências de cada personagem apresentado no filme incitaram posicionamentos das crianças e adolescentes participantes do

encontro. Alguns considerados como éticos, ou seja, ato responsável por vermos uma conexão entre o conteúdo, o processo e a avaliação da pessoa (Bakhtin, 1986/2017).

As elucidações sobre preconceito, por exemplo, foram orientadas por signos promotores que serviram como reguladores afetivos-cognitivos para possíveis ações futuras, como apresentado nas falas de Chiquinha Gonzaga, Steve Jobs e Van Gogh. O fato deles orientarem Ana Botafogo sobre como agir frente à situação narrada por ela nos indicou que eles possuem dispositivos avaliativos, responsivos e éticos.

Os participantes, por meio do contexto fílmico, construíram pontes para um mundo vivido, pois suas narrativas revelaram esferas cotidianas que perpassaram por vários contextos sociais. Assim, consideramos que a relação entre experiência e mediação estética se constitui em um espaço fronteiriço em que há a apreensão dos significados e o estabelecimento de sentidos em consonância com as experiências adquiridas no cotidiano.