• Nenhum resultado encontrado

Narrativas de um Inferno Provisório em Luiz Ruffato

Os romances são pinturas da realidade seja no estágio bem inicial ou final da experiência do leitor com a literatura: na verdade, eles elaboram e mantêm uma realidade que herdam de outros romances, que rearticulam e repovoam segundo a posição, o talento e as predileções de seus autores.

Edward Said. 576

O escritor Luiz Ruffato, tem uma intensa circulação no meio literário, e publicou vários de seus textos em antologias, ou reorganizou em outros livros. Sendo assim, consideraremos na leitura proposta: Eles eram muitos cavalos (2001), e a série organizada com o nome Inferno Provisório: “Mamma, son tanto felice” (2005), “O mundo inimigo” (2005), Vista Parcial da Noite” (2006) e O Livro das Impossibilidades (2008).

Em seus livros estão presentes os traços de uma “sociedade em agonia”, uma cidade em frangalhos, montada por rastros de migrações, memórias e esquecimentos. Luiz Ruffato esboça em suas narrativas fatos da vida cotidiana seja na cidade de São Paulo, como na Cataguases de suas memórias. Uma narrativa descritiva, mas envolta em poesia pelo que guarda dos lugares. Sobre isso, refere-se o escritor:

Pode ser que exista uma poesia entranhada na minha prosa... E se existe é por conta da questão anterior. A evocação é sempre poética. E meus personagens estão sempre enfronhados na memória...que é essencialmente poesia...

Traz as marcas dos espaços rural e urbano nos sujeitos e tateia os fluxos das metrópoles atravessando-os:

Eu volto a Cataguases ou a Rodeiro, onde transcorre boa parte das minhas histórias, e, embora eu cite nome de ruas, de lugares, descreva locais, tudo com precisão de naturalista, nada disso existe de verdade, porque são evocações dos personagens e eles evocam a memória, ou a sensação do lugar, não o lugar... 577

Fala de sua escrita como algo que não é conto, nem romance, mas “mosaico”, talvez porque configure suas narrativas por meio de tramas que de alguma maneira

576SAID, Edward. Visão Consolidada. In: Cultura e Imperialismo, p. 113. 577 RUFFATO, Luiz. Entrevista. Disponível em:

205

guardam um pano de fundo sobre a vida proletária na ditadura militar, sobre as violências cotidianas tendo como característica a forte carga de realidade na sua ficção. No entanto, na leitura das narrativas não se coloca propriamente um mosaico nas encenações dos personagens, pois esse carrega a possibilidade de se coagular um todo, e não é propriamente isso que acontece. O que é encontrado é antes a “trouxa frouxa” de tragicidades e de embates, que não centra o que está disperso e nem pontua soluções para os dilemas enfrentados na encenação do texto.

Suas narrativas se compõem com um olhar observador, que procura as grafias da vida, como elas se constituem, como as trajetórias dos sujeitos se fazem em meio a tudo o que experimentam. Nessas andanças do olhar, Ruffato percebe que:

andando temos contato com o outro, temos a oportunidade de refletir, de verificar na prática que existem outras maneiras de ser, de pensar. E isso estimula a tolerância, a solidariedade, a certeza de que somos muitos e nada. (...) o que me fascina é a vida, é a trajetória do Ser Humano no tempo e no espaço, a sua complexidade, os seus limite.

578

Contra uma corrente de sua época que privilegia a perda da noção de autoria, de identidade cultural, imprime uma marca que está no esforço para que a linguagem seja a expressão mais fiel de certa visão de mundo. 579 Afirma ter admiração e reler

sempre escritores como Tchecov, Pirandello, Faulkner, Machado de Assis e Guimarães Rosa. Sobretudo pelo caráter experimental na literatura:

Declaradamente sou um leitor e fã e entusiasta da obra de Faulkner. Mas Faulkner representa apenas um nome na longa tradição da literatura experimental, águas nas quais gosto de navegar. Se puxarmos o fio, vamos encontrar Sterne no Século XVIII e Dujardin no Século XIX, e Joyce, e Proust, e o nouveau roman, e ainda a influência fatal dos movimentos vanguardistas da passagem do Século XIX para o XX, sem deixar de lembrar em Mallarmé e no concretismo. O que tento é estabelecer um diálogo temático com alguns escritores que se preocuparam com o destinos dos “humilhados e ofendidos”, mas que, ao mesmo tempo, não se deixaram sucumbir ao maniqueísmo, e estou pensando também, além de Faulkner, num Tchekov, num Pirandello. Curiosamente, os três foram grandes “formalistas”, ou seja, tiveram grande preocupação não só com “o quê” escreviam, mas também com “o como”. No Brasil, a tradição da literatura que busca uma harmonia entre forma e

578RUFFATO, Luiz. Entrevista com Luiz Ruffato. Disponível em:

www.geocities.com/soho/lofts/1418/ruffato.htm. Acesso: 13. Set. 2006. 579 RUFFATO, Luiz. Entrevista. Disponível em:

206

conteúdo – “o como” e “o quê” – tem em Machado de Assis o seu ápice e seu principal emulador. 580

Sobre o seu ofício como escritor, comenta:

A busca de uma linguagem própria, de uma voz específica, é a necessidade intrínseca a cada escritor. Eu busco a minha diferenciação na forma. (...) a novidade da linguagem é a descoberta de uma nova linguagem a ser descoberta. (...) Toda literatura está perto da realidade, pois se nutre dela. Há graus de proximidade diferentes. Mesmo quando se trata de uma literatura escapista, a realidade é a referência. No meu caso, a realidade que me interessa é a física - cheiros, sons, volumes, cores e sabores - que informam a realidade metafísica - sentimentos, desejos, angústias, culpas, remorsos, vinganças etc. etc. Minha tentativa é a de reproduzir seres de carne e osso em papel. Daí ser tão real. Daí ser tão ficcional. 581

Coloca-se como um escritor que não só conta uma história, mas que escreve histórias, preocupado menos com o que e mais como contar. O que lembra também Noll ao afirmar que eu seu processo de escrita ele está mais voltado para a linguagem do que para o conteúdo. Sobre tratar de mosaicos da vida proletária na ditadura militar, Ruffato responde:

O que me importa, nesse caso, é o entrecruzamento das experiências de “fora”, e “de dentro” dos personagens, o impacto que as mudanças objetivas (a troca do espaço amplo pela exigüidade, a economia de subsistência pelo salário, etc) provoca na subjetividade dos personagens, ou seja, fazer interpretar a História nas histórias. 582

Documentos relacionados