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Texto 7 – “Nega do cabelo bom!”, revista Raça Brasil, 10/2007

3. DISPERSÕES DOS DISCURSOS DE BELEZA EM NARRATIVAS

3.4. NARRATIVAS MIDIÁTICAS EM REVISTAS FEMININAS –

Narrativas vêm sendo cada vez mais investigadas por pesquisadores (WORTHAM, 2001; MOITA LOPES, 2010; ANDREWS, 2004) preocupados em entender os modos como as pessoas se constroem no mundo social. De acordo com Labov e Waletzky (1967, p. 4), “narrativa é uma técnica verbal para recapitular uma experiência em particular”. Na contemporaneidade, as mídias têm veiculado uma gama de histórias, tornando disponíveis diversas possibilidades de identificação. O trabalho de Moita Lopes (2010) concebe tais histórias como performances narrativas. O autor explica que “o discurso midiático produz efeitos particulares de significados da vida social” (MOITA LOPES, 2010, p. 133).

As narrativas podem ser categorizadas em dois tipos, as narrativas dominantes e as (contra)narrativas. Conforme explica Andrews (2004, p. 1) “as narrativas dominantes oferecem às pessoas um modo de identificação que é assumido como experiência normativa”. Assim, se como assevera Moita Lopes (2010, p. 135), “no evento narrativo os participantes estão construindo uns aos outros de modos específicos definidos pelo que os

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participantes decidem focalizar, pelos posicionamentos que escolhem (deliberada ou reguladamente) ocupar e pelo modo como os interlocutores se relacionam na performance”, pode-se entender que as histórias contadas pelas mídias veiculam formas de uma pessoa significar suas próprias histórias e a dos outros a sua volta. Assim, essas narrativas são entendidas como narrativas de poder pela sua internalização. Para Andrews, (2004, p. 1) “consciente ou inconscientemente nos tornamos as histórias que conhecemos e as narrativas dominantes reproduzidas”. Essa perspectiva da autora possibilita refletir a relevância das histórias contadas nas mídias, e no caso específico deste trabalho, as narrativas em revistas femininas, visto que oferecem possibilidades das leitoras construírem significados sobre elas mesmas, sobre seus corpos e suas raças. Já as (contra)narrativas são definidas como histórias que vivenciam experiências desviantes dessas histórias hegemônicas. Então, suas narrativas “oferecem, explícita ou implicitamente, resistência às narrativas dominantes” (ANDREWS, 2004, p. 1). Nessa perspectiva, entendo que as narrativas que as adolescentes participantes desta pesquisa contam nos eventos de grupo focal podem ser entendidas como uma ação discursiva de resistência às matrizes de identificações sociais construídas pelas histórias nas mídias, que repercutem significados cristalizados sobre as pessoas, seus modos de vida, seus valores e organizações.

Para Andrews (2004, p. 1) “as “contra-narrativas” ou “narrativas de resistência”, são “construídas por pessoas que vão contra a maneira de ser socialmente preestabelecida.”. (Contra)narrativas são importantes pelas possibilidades que permitem aos “indivíduos desafiar os constrangimentos de histórias dominantes” (ANDREWS, 2004, p. 5), as quais oferecem aos grupos sociais diferentes possibilidades de roteirizar a vida social de forma que possam se re-posicionar na sociedade saindo de posições subalternas configurando posicionamentos que fazem sentido para suas vidas. Nesse tocante, (contra)narrativas dão conta do que chamei anteriormente de performatividade.

Além disso, os discursos veiculados nas mídias são relevantes aqui porque, na sociedade contemporânea, a todo instante os sujeitos sociais se deparam com situações em que devem, a partir de textos constituídos por múltiplas semioses, solucionar questões próprias da vida social. Sendo assim a vida social, parece cada vez mais estar sendo compreendida por discursos multimodais. As interações de que os sujeitos sociais participam, por exemplo, muitas vezes não são face a face, até mesmo porque as demandas

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da vida contemporânea colocam pessoas em interação umas com as outras em diferentes partes do mundo geográfico e, frequentemente, recorre-se à Internet, a livros, jornais etc para que se obtenha a informação desejada e para que se manifestem os próprios pensamentos.

O discurso midiático é construído em uma perspectiva predominantemente „multimodal‟ (KRESS, 2005/2000b). Por exemplo, as revistas femininas são constituídas por um jogo de imagens, cores, fotos, gêneros textuais, articulação gráfica, chegando, a manifestar-se em uma linguagem não-verbal, como ocorre em casos de alguns textos utilizados no grupo focal com as adolescentes (Ver, por exemplo, o texto Qual é o pente que te penteia?, no Capítulo 5, 5.1). As revistas usadas nesta pesquisa indicam que os textos em revistas femininas são constituídos por uma gama de recursos semióticos, os quais utilizam ações e artefatos para comunicar, permitindo a articulação de diferentes significados sociais e culturais (VAN LEEUWEN, 2005). Como observa Kress (2005/2000b, p. 184), os textos e objetos textuais são multimodais, ou seja, são constituídos por numerosos modos de representação”. Esse modo de entender a linguagem dos textos apresenta algumas implicações as quais são sintetizadas por Kress em três questões, a saber,

primeira, todos os textos são multimodais. Nenhum texto pode existir em um único modo. Entretanto, uma modalidade pode dominar em um dado texto. Segunda, há textos e objetos (de um tipo semiótico) que existem predominantemente em um modo ou modos outros que o do (multi-) modo da linguagem. E, terceira, há sistemas de comunicação e representação que são reconhecidos na cultura como multimodais, ainda que de fato todos os sistemas sejam multimodais (KRESS, 2005/2000b, p. 187-188).

Segundo Kress (2005/2000a), textos multimodais necessitam de uma teoria para lidar adequadamente com os processos de integração das várias semioses nesses textos. O autor chama a atenção para o fato de haver maneiras específicas de expressar um determinado significado. Esse cuidado ocorre tanto em textos verbais quanto nos textos por imagens. Por exemplo, nos textos verbais, “usamos o pronome „nós‟ ao invés de „eu‟ ou o „passado‟ ao invés do „presente‟ para indicar uma „distância social‟” (KRESS, 2005/2000a, p. 154). Já nas imagens, há outros modos peculiares de significar. Por exemplo, “a distância de observação de um objeto – não próxima ou simpática, mas distante e formal, ou de um

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ângulo vertical: „olhando para cima para um objeto ou pessoa de poder‟ ou „olhando para baixo em uma pessoa ou objeto de menor poder‟” (KRESS, 2005/2000a, p. 154). A diversidade de formas significativas empregadas nos textos é referida também por meio do vocábulo „híbrido‟. Para Stevens e Bean (2007, p. 19-20), “textos contemporâneos são híbridos em formato e intenções”. Essas características provocam o surgimento de outro tipo de leitor, pois os modos como as pessoas interagem com textos lineares impressos não são os mesmos com que negociam os significados de textos hipersemiotizados, multimodais.

Esses usos de diferentes semioses, como demonstra a explicação de Kress (2005/2000a), são fortemente significativos e demandam cuidado e atenção do leitor. Assim, podemos afirmar que o conceito de multiletramentos pressupõe um trabalho de conscientização sobre os modos como “os textos revelam mudanças nos domínios social, cultural, econômico e tecnológico” (KRESS, 2005/2000a, p. 154).

Isso posto, o foco em revistas femininas, neste trabalho, justifica-se porque entendo que os textos dessas revistas estão presentes no cotidiano de adolescentes de diferentes classes socioeconômicas e de diferentes grupos culturais. Lamounier (2006, p. 2) aponta que “atualmente [a revista feminina] detém a posição de segundo lugar no ranking de revistas, ficando atrás somente das tiragens de revistas de informação semanais” (p. 4). Outros pesquisadores também afirmam a popularidade das revistas. Por exemplo, na investigação realizada por O‟Donnell e Sharpe (2000), com garotos negros, os pesquisadores apontam que os sujeitos revelam um hábito constante de leitura de revistas. Para esses autores, “os hábitos de leitura de revistas talvez mostrem mais dramaticamente a extensão em que muitas de suas atitudes são amplamente moldadas pelo gênero. As respostas dos meninos deram algumas idéias sobre seus valores e atitudes de masculinidade, sexualidade e etnicidade” (O‟DONNELL, SHARPE, 2000, p.159). Esses autores citam o trabalho de Marie Gillespie (1995) o qual faz referência a uma “cultura jovem global” de música, filme e moda. E O‟Donnell e Sharpe (2000, p. 159) destacam que “embora os garotos, geralmente tivessem acesso a uma cultura jovem global, suas identidades étnicas permaneceram importantes para os modos em que eles usaram e aproveitaram a televisão”. Em outras palavras, o trabalho desses autores com meninos mostra que atividades informais são moldadas pelo gênero/sexualidade.

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A Revista feminina é aqui tratada como um objeto cultural ideologicamente marcado, como, aliás, qualquer prática discursiva é entendida. A Revista feminina é uma modalidade das ações discursivas midiáticas que ocorrem sempre conforme as marcas do contexto sócio-histórico-cultural em que é veiculada. Práticas como as das revistas femininas exemplificam que corpos são racializados e significados nos discursos, construídos em relações de poder. Um problema de tais práticas está nos efeitos de sentidos que geram nos indivíduos que portam tais corpos. Discursos racistas criam corpos pêndulos, que circulam em constante movimento de buscar conhecer-se, mostrar sua beleza e seu valor, mas embalados por baixa auto-estima. O movimento pendular nas performances dos negros são jogos de embates que, a meu ver, só poderão ser vencidos por aqueles que performam o não-habitual. Desse modo, defendo que a abjeção de corpos negros não é barreira intransponível, pois é uma produção discursiva, e discursos podem ser refeitos nas performances de modo a re-significarem os corpos.

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