• Nenhum resultado encontrado

Nasceram as Afrolíricas. Quilombos vivos em ação!

No documento Fé na diáspora (páginas 39-42)

2. NASCENTE

2.3 Nasceram as Afrolíricas. Quilombos vivos em ação!

Figuras 2, 3, 4 - Identidade visual das Afrolíricase- Afrolíricas realizando um Afrosarau na Afropub.

Fonte: Instagram @afrolíricas.

23 Acesso ao vídeo em:<https://www.instagram.com/tv/CGYUwvYpUjq/>.

Escrever como forma de sangrar, fala do processo das poetas em relação às suas vivências na poesia e em suas subjetividades. Aqui, o movimento vai se ampliando por sair dos campos individuais e ir navegando ao conhecimento de como foi se dando a trajetória das Afrolíricas, juntas, enquanto coletivo. Perguntei às meninas como foi então a criação do coletivo e, a partir daqui, partilho esse processo em que Ana, Eliza e Iza relatam sobre essa construção.

Ana: A gente começou a fazer um curso juntas em 2019. Eu me identificava muito com a escrita da Iza e da Eliza no slam, eram as que eu mais ficava, “NU! QUE ISSO! ” Batia muito forte na minha vivência também. Sempre admirei muito o corre dela, e coincidiu…. Eu fiz uma viagem, uma vez, pra um corre de poesia e vi um mundo de possibilidades dentro da poesia, que aqui em BH que não via. Isso mudou minha cabeça. Percebi que tinha a possibilidade de fazer um coletivo só com 3 pessoas, (geralmente são muitas pessoas),eu queria que fosse uma coisa menor até pra ter um maior contato e tudo mais… aí coincidiu da gente fazer um curso juntas do CENARAB24 que foi muito importante pra nós.“Mídias Pretas” era o nome do curso e lá a gente trocava ideia sobre criar um coletivo, nós três. Nesse meio tempo, várias coisas não estavam dando certo em questão de horários. Iza, nessa época, tava num trampo daí, eu e Eliza fizemos um trabalho pro CENARAB (um vídeo de uma poesia), a primeira poesia da Afrolíricas, meio que surgiu “na tora” também, mas essa época a gente nem se via enquanto Afrolíricas ainda. A partir daí, começou, foi só deslanchando, foi só subindo na verdade. Uma ascensão muito forte, foi uma explosão na cena, o Afrolíricas, e uma coisa foi acontecendo atrás da outra. Me lembro uma vez que eu e Eliza começamos a recitar em um tanto de lugar, um corre danado, em uma semana a gente já tinha uniforme, tinha tudo, já estávamos iniciando. Iza falou pra gente que tinha saído do trampo e eu falei: “Véi, é isso, vão bora! ” Foram acontecimentos que precisavam acontecer, foram necessários.

Eliza: É bem isso da explosão, foi muito louco. A Ana ficava toda vez cutucando a gente pra fazer o coletivo e a gente não botando fé. Lembro do nosso primeiro evento com uniforme, que foi a Feira Literária Marginal, lá no Espanca e tinha pouquíssimo tempo que a gente tinha começado e pedimos para recitar em dupla, não tinha isso (na verdade não tem né?), mas pedimos pra recitar… e a gente tinha apenas uma poesia! O mais doido foi isso, quando estourou, a gente tinha uma poesia só. Nós lançamos uniforme, lançamos tudo!

Ana: A gente acreditava tanto, que antes das poesias, a gente já tinha as coisas.

Eliza: E as coisas foram acontecendo, nosso nome veio de zueira, e tudo assim...

Nós aparecemos lá (na cena) de uniforme e foi muito chocante. Eu lembro porque ninguém do rolê fazia esse trem de usar uniforme né, então chegamos de uniforme e pá, causou impacto sim. E a Ana: “nós temos que chamar a Iza de volta, nós começamos juntas, temos que seguir juntas”. A Iza colou e nós ficamos muito tempo com duas poesia, mas o povo chamando a gente pra uns negócio muito doido, na cara e na coragem com duas poesia e tal… e a Iza já chegou pegando o uniforme também e mesmo que só com duas poesia, fizemos muita coisa, muita coisa mesmo.

– (Trecho de entrevista com Afrolíricas)

Estes relatos me remeteram à sensação do nascimento, pois foi através desses processos que elas se entenderam de fato como Afrolíricas. Isso porque antes destes

24O CENARAB - Centro Nacional de Africanidade de Resistência Afro-Brasileira - foi fundado em 1991, em São Paulo, por religiosos e religiosas de Matriz Africana, com o intuito de fortalecer as comunidades tradicionais e resistir ao preconceito às Religiões de Matriz Africanas, através da organização e discussão racial, assim como a mobilização de políticas públicas para sua existência e ampliação em outros estados e cidades.

encontros, que o curso proporcionou na trajetória delas, germinava na experiência de cada uma, diálogos com as poesias, espaços e pessoas no universo poético.

A partir desses diálogos e trânsitos em suas experiências, as Afrolíricas foram se constituindo. A formação de Ana, Eliza e Iza atravessou os muros da escola e conectou-se com outros espaços formativos. A presença das poetas, no curso CENARAB, assim como nos slams e nos espaços poéticos da cidade, contribuiu para a iniciativa, a formação e o fortalecimento do coletivo.

Falo isso localizando o ano de 2019, período em que a cidade de Belo Horizonte e região metropolitana já estavam inseridas nesse caldeirão cultural em efervescência, considerando que o primeiro slam ganhou notoriedade, na cidade, em 2014. O Slam Clube da Luta, brotou na cena cultural de Belo Horizonte e, de lá para cá, esse movimento foi só se expandindo e diversificando. Antes disso, as batalhas de rap, debaixo do Viaduto Santa Tereza, eram a referência efervescente que se tinha neste universo. Agora, todas/os/es, que ainda estamos sendo atravessadas/dos/des pela pandemia, mediando as possibilidades remotas, mas também voltando a promover a “arte do encontro” de maneira presencial, precisaremos de um tempo pra assimilar e entender como vamos retomar nossa presença em coletivo.

As Afrolíricas finalizam este relato apontando a continuidade. Como havia falado de maneira sucinta, anteriormente, o coletivo produz diversos projetos e eventos com a poesia.

Nos próximos capítulos, pretendo ampliar ou aprofundar um pouco mais sobre outras produções que envolvem a poesia das poetas.

3. “ACORDO MARÉ, DURMO CACHOEIRA”

Assim como esse título, que diz sobre uma canção composta por Tulipa Ruiz25, cantada na voz de Elza Soares, veio-me a noção da multiplicidade das águas, ao me deparar com as experiências das Afrolíricas. “Acordo maré, durmo cachoeira”, fala sobre o movimento do que não se dobra e nem se retém, mas passeia e transborda em múltiplos espaços. Quando deságua, já não é o mesmo em que nasceu.

Assim,vou falar um pouco de outros movimentos que dialogam com a poesia, os quais as Afrolíricas também vêm se relacionando e construindo em suas ações. Estamos falando aqui dos slams, saraus, pessoas inspiradoras e a conexão com referências que vem de fora e

25Canção Banho – 2018. A compositora Tulipa Ruiz fez em homenagem a cantora Elza Soares, para seu ábum – Deus é mulher.

misturam com o que é criado dentro. Eu e as Afrolíricas vamos falar também das complexidades que cruzam este percurso.

No documento Fé na diáspora (páginas 39-42)