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A Constituição da Medicina Mental no Maranhão: o hospício que não fo

3.4 O Nascimento do Hospício no Brasil

Data de 1841 o decreto de construção da primeira instituição asilar no Brasil, o Hospício de Pedro II. Teixeira disserta sobre o cenário político brasileiro que favoreceu a construção daquela instituição, apontando os alicerces dessa construção na própria chegada da Família Real Portuguesa. Sua tese mostra o desenvolvimento do discurso alenista até o “golpe da maior idade”, quando em 1841 assumiu o segundo Imperador do Brasil, D. Pedro II. Sobre o fato de que a coroação e o decreto de construção do hospício datem do mesmo período, o autor nos informa que

Três dias depois da data da sagração e coroação do jovem Imperador de 16 anos, D. Pedro II assina o decreto n. 82, de 18 de julho de 1841, que funda o Hospício e subordina sua administração à Santa Casa de Misericórdia. (Teixeira, 1998, p.122).

Assim, não teria sido uma coincidência qualquer, mas a construção do monumental Hospício de Pedro II teria estado intrinsecamente ligada ao projeto centralizador e de fortalecimento do Império Brasileiro. Ainda nas palavras de Teixeira,

O Hospício surge no Brasil como símbolo da reconstrução de um Estado Monárquico conservador, centralizado e católico, que fora ameaçado pelas concessões liberais feitas durante a Regência. Uma revolução Francesa às avessas, ou uma restauração se assim podemos nos expressar (Teixeira, 1998, p.94).

Tácito Medeiros também nos apresenta o contexto da inauguração do Hospício de Pedro II, enfatizando o crescimento da dita medicina científica:

O primeiro Hospício ergue-se no Rio de Janeiro. Na capital de nascente Império conseguem ecos de repetidos reclamos. Os médicos da recém constituída Sociedade de Medicina fazem-se porta-vozes do que seria,

Vimos aqui o hospício como projeto de um Estado Ilustrado que, embora centralizador, ganhava contorno de políticas liberais e aderia a símbolos de modernidade e civilização. Uma higiene social ou higiene da cidade coadunava-se a esses princípios.

Os textos de Teixeira (1998) e de Medeiros (1987) muito nos informam sobre as condições de construção do Hospício. Atentemos para sua inserção dentro do projeto político do Império: se retomamos um pouco pela via traçada no trabalho de Machado et

al. (1978), veremos que é justamente no Império que surgem consolidadas instituições

como a Academia Imperial de Medicina e as Faculdades de Medicina do Rio de Janeiro e de Salvador. Só então, nos diz Machado, um projeto de medicalização poderia tornar- se possível na sociedade brasileira, através do controle do saber médico e da normatização da educação médica, assim como da construção de políticas de saúde subsidiadas pelo Estado.

E de fato, tal como em Medeiros (1977) ou em Engel (2001), também em Machado et al. (1978) podemos perceber toda uma mobilização da elite médica circunscrita à Sociedade de Medicina em defesa da construção do Hospício, facetado através das críticas às hospedagens dos alienados nos porões das Santas Casas de Misericórdia.

Resumidamente, Machado (1978, p.327) nos aponta três questões que teriam atravessado e produzido a demanda pelo hospício: a primeira seria a formação de uma elite especializada na produção de um saber, sobretudo do saber médico-mental. Tal como aponta Engel sobre a inauguração do Hospício Pedro II:

“Tratava-se, portanto, de criar um espaço especializado para o tratamento da loucura, concebida nesse sentido não mais como doença, mas como doença específica, isto é doença mental” (Engel, 2001,p.192);

O segundo ponto (Machado, 1978, p.327) seria a própria condição política, a exemplo do que contribuiu para a efetivação do Hospício Pedro II no Rio de Janeiro. Tal qual afirma Teixeira (1998, p.79) a edificação do hospital inclui-se numa política de Estado, daí a produção de uma fáustica obra e o nome que lhe é dado.

Finalmente, o Hospício insere-se num projeto civilizatório em que loucos e moribundos deixam de poder circular pelas ruas ao se buscar o refinamento dos hábitos

da cidade aos moldes da sociedade européia (Machado, 1978, p.327). Passava a ser necessário produzir um espaço que, ao mesmo tempo, livrasse os locais públicos de sua presença, e, enquanto isso, oferecesse a eles o retorno àquilo que era pensado então como essência do homem civilizado: a racionalidade. Naquele momento, a cidade parecia o lugar da razão, o espaço para a troca e circulação de idéias e posturas, ainda que comedidamente controlado.

Assim, a construção do Hospício de Pedro II atendia tanto a um ordenamento médico, quanto à administração estatal e populacional. Contudo, se faz imprescindível pensar quão localizado foi a efetivação dos Hospícios no Brasil durante o século XIX e se a mentalidade que erigiu sua construção na Corte foi transmitida pelas demais províncias.

Medeiros (1977) diz que além do Rio de Janeiro, apenas Pará, Bahia, São Paulo e Rio Grande do Sul inauguraram e sustentaram seus hospícios. Sobre os demais se posiciona:

“Durante o Segundo Reinado apareceram, em outras poucas províncias, asilos que marcharam, em prazos mais ou menos curtos, para a deterioração ou desaparecimento, quase sem deixar marcas no desenvolvimento histórico da assistência psiquiátrica brasileira” (Medeiros, 1977 p.13).

Tais hospícios tinham algumas características em comum com o contexto em que surgiu o Hospício Pedro II, de acordo com os pontos descritos por Machado (1978): em primeiro lugar, surgem em lugares em que “já se registrara a tendência a retirar das ruas os considerados loucos”; além disso, Medeiros relaciona as fundações desses asilos a províncias com certa institucionalização da medicina, o que teria feito com que se levantasse a voz contra a precariedade dos ambientes em que os loucos da cidade passaram a ser inseridos, como prisões, porões de hospitais gerais e masmorras (Medeiros, 1977, p.11).

Para investigarmos o contexto em que surgiu o projeto de um hospício no Maranhão, buscaremos avaliar o contexto em que a província tentou erguer sua instituição especializada para alienados na segunda metade do século XIX. As questões por eles apontadas parecem amarrar a produção dos lugares de loucura no Brasil do Segundo Reinado.