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CAPÍTULO 2 A SOCIOEDUCAÇÃO NO ÂMBITO DO ATENDIMENTO

2.2 DESVENDANDO A SOCIOEDUCAÇÃO

2.2.1 Natureza das medidas socioeducativas: caráter pedagógico x punitivo

A natureza jurídica das medidas socioeducativas divide opiniões (ORTEGAL, 2011). Há discussão acerca da presença ou não do caráter punitivo e/ou pedagógico nas medidas. De um lado, estão os que preconizam que elas possuem unicamente caráter pedagógico. De outro, os que sustentam que as medidas socioeducativas comportam elementos de natureza coercitiva e, ao mesmo tempo, aspectos educativos. (LIBERATI, 2006).

Para Olympio Sotto Maior (2014), as medidas socioeducativas não se apresentam de forma coercitiva ou permeadas de caráter punitivo, uma vez que proporcionam aos adolescentes oportunidades de deixarem de ser meras vítimas da sociedade para se constituírem em agentes transformadores da sua realidade.

Igualmente, Veronese defende que “as medidas são chamadas socioeducativas e não punitivas” (VERONESE, 2005, p. 110). Isto porque o art. 112 prevê que as medidas aplicáveis ao adolescente autor de ato infracional, além das essencialmente socioeducativas, também possibilitam a aplicação de medidas protetivas. Logo, para a autora, as medidas socioeducativas são de um gênero comum, o das medidas de proteção. Além do mais, o Estatuto, segundo a autora,

afasta a ideia da punição determinado que tal conflito deve ser resolvido no espaço social, da construção ética da emancipação. (VERONESE, 2005).

Logo, defender o entendimento repressivo da medida consiste em uma prática “deturpadora” das medidas socioeducativas e do propósito do Direito e de seus operadores:

É necessário pontuar com veemência que o entendimento defendido por muitos doutrinadores da efetivação de um Direito Penal Juvenil, de natureza retributiva e repressiva, que inclusive tem encontrado amparo no entendimento dos Tribunais revela, na realidade, uma prática deturpada das medidas socioeducativas, subvertendo a posição do Direito e de seus operadores. Ao invés de se investir esforços na implementação da natureza pedagógica das medidas aplicáveis a adolescentes, assistimos a um frenético quadro de penalização dos inimputáveis, sob o manto garantista. (VIEIRA; VERONESE, 2016). (Grifo nosso).

De forma contrária, Mário Volpi entende que as medidas socioeducativas

comportam aspectos de natureza coercitiva, vez que são punitivas aos infratores, e aspectos educativos, no sentido da proteção integral e oportunização e do acesso à formação e informação, sendo que, em cada medida, esses elementos apresentam graduação, de acordo com a gravidade do delito cometido e/ou sua reiteração. (VOLPI, 2011, p. 56).

Liberati adere ao posicionamento de que a medida socioeducativa tem marca punitiva, apesar do ECA prever que elas sejam pedagógicas, conforme esclarece:

Na verdade, a citada lei não pretendeu dar caráter sancionatório punitivo- retributivo às medidas socioeducativas; porém, outro significado não lhes pode ser dado, vez que estas correspondem à resposta do Estado à prática de ato infracional e, por isso, assumem o caráter de inflição/sanção, a exemplo das penas, e não de prêmio. (LIBERATI, 2006, p. 369).

Ademais para o autor, a medida socioeducativa em sua natureza jurídica retrata uma sanção que é aplicada como punição por uma ação julgada repreensível. No entanto, sua execução “deve ser instrumento pedagógico visando ajustar a conduta do infrator à convivência social pacífica, sob o prisma da prevenção especial voltada para o futuro”. (LIBERATI, 2006, 371).

Desta forma, a marca que se evidência é a de resposta ao descumprimento de uma norma. A natureza da medida imposta, segundo Konzen (2005), é retributiva e compete ao programa de execução, onde o adolescente será inserido, a tarefa de desenvolver a ação pedagógica que é a finalidade central da medida.

Saraiva afirma que o autor de ato infracional “responde” pela prática do ato contrário a lei, frente às disposições contidas no Estatuto da Criança e do Adolescente, como também nas demais regras de controle social. Assim, para o autor, a medida socioeducativa possui carga punitiva, mesmo que seu caráter educativo prevaleça. Ou seja, o adolescente será coagido a ajustar sua conduta, através de ações do poder estatal, em virtude do ilícito praticado. (SARAIVA, 2016). Logo, para Saraiva as medidas, além de educativas, carregam acentuado propósito coercitivo e punitivo:

Tem, pois, a medida socioeducativa uma natureza penal juvenil enquanto modelo de responsabilização, limitado pelas garantias expressas no ordenamento jurídico. Juvenil enquanto legislação especial, nos termos expressos pelo art. 228 da CF, com nítida finalidade educativa, sem desprezar sua eficiente carga retributiva e consequente reprovabilidade da conduta sancionada. (SARAIVA, 2006, p. 71).

Surge assim a chamada natureza híbrida da medida socioeducativa, com uma dimensão de punitiva e outra pedagógica. Acerca do duplo caráter das medidas socioeducativas, Paula afirma que

Inseridas na doutrina da proteção integral, todas as medidas socioeducativas apresentam um duplo caráter. Por um lado, há a dimensão punitiva, que prevê penalidade [...] Por outro, há a dimensão pedagógica que procura instaurar a finalidade educativa da punição por meio da garantia dos direitos fundamentais (saúde, alimentação, educação, lazer, profissionalização, cultura, dignidade, respeito, liberdade, convivência familiar e comunitária) ao adolescente. (PAULA, 2011, p. 55).

Para Meneses (2008), o adolescente além de estar sujeito a uma medida, também é portador do direito de ser educado. Para tanto, alerta ser necessário que o adolescente compreenda que a medida a ele aplicada é parte de um processo de “regras de convivência e respeito”, caso contrário verá a medida somente como uma punição por ter praticado um ato contrário ao ordenamento. (MENESES, 2008).

Já Ortegal (2011) compreende que

a medida socioeducativa não se situa no polo da proteção, nem tampouco no polo da punição. Trata-se, na verdade, de um fenômeno de natureza complexa, dialética, que agrega respostas sancionatórias a uma violação das leis, restringindo direitos individuais, ao mesmo tempo em que garante, e até mesmo promove, direitos sociais, como é o caso particular das necessidades pedagógicas de adolescentes que transgridem a lei. (ORTEGAL, 2011, p. 65).

Após resgatar diferentes entendimentos, aderimos à posição de que as medidas socioeducativas não possuem natureza punitiva ou retributiva, como ocorre com a pena do sistema penal, que objetiva a reprovação (retribuição) e a prevenção do crime68.

Isto porque se verifica que a legislação que disciplina a aplicação e execução das medidas não atribuiu, em nenhum momento, caráter punitivo a elas. Pelo contrário, o ECA define com clareza, no art. 113 cumulado com art. 100, a natureza pedagógica que deve reger a aplicação das medidas.

Com efeito, o SINASE não pretende a punição por meio das medidas, mas elenca como objetivos das medidas a responsabilização do adolescente quanto às conseqüências do ato infracional praticado, também a integração social do adolescente e a garantia de seus direitos individuais e sociais e, por fim, a desaprovação da conduta infracional (art. 1º, § 2o da Lei 12.594), o que está em concordância com os princípios da Doutrina da Proteção Integral e afasta as medidas do Direito Penal Juvenil.

A medida socioeducativa pode ser compreendida como uma sanção, na concepção de Miguel Reale, como sendo uma forma de garantia do cumprimento de regras69. No entanto, é uma sanção, não de caráter penal/sancionatório/retributivo,

mas sim, possui basicamente caráter pedagógico, “de forma que a responsabilização dos adolescentes deve ser tratada por meio da inclusão dos jovens à cidadania plena, de forma a propiciar condições de que eles possam usufruir as promessas de um Estado Social” (NICKNICH, 2008), como veremos na seção seguinte.

68 Art. 59 - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime. (Código Penal, Lei nº 2848/1940).

69 Todas as regras, quaisquer que sejam, religiosas, morais, jurídicas ou de etiqueta, são evidentemente emanadas ou formuladas, da ou pela sociedade, para serem cumpridas. Não existe regra que não implique certa obediência, certo respeito. Sanção é, pois, todo e qualquer processo de garantia daquilo que se determina em uma regra. As sanções apresentam-se como garantia em preceitos distintos, como na moral/religião (remorso), na sociedade (crítica/condenação social/eliminação da convivência/ostracismo), mundo jurídico, com suas sanções preterminadamente organizadas. [...] A sanção, portanto, é gênero de que a sanção jurídica é espécie. (REALE, Miguel. 1910. Lições preliminares de direito. 27 ed. Ajustada ao novo código civil. São Paulo: Saraiva, 2002, p.72-74).

2.2.2 Socioeducação: necessidade pedagógica na execução das medidas