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[...] toda prática educativa, como tal, possui uma dimensão política assim como toda prática política possui, em si mesma, uma dimensão educativa. A dimensão política da educação consiste em que, dirigindo-se aos não antagônicos, a educação os fortalece (ou enfraquece) por referência aos antagônicos e desse modo potencializa (ou despontencializa) a sua prática política. (SAVIANI, 2012, p. 84).

O trecho acima, retirado do clássico “Escola e Democracia”, de Demerval Saviani, reafirma o que vem sendo colocado ao longo deste trabalho: que as ações educativa e política são indissociáveis, ou como afirma o autor, “trata-se de práticas distintas, mas que ao mesmo tempo não são outra coisa senão modalidades específicas de uma mesma prática: a prática social” (SAVIANI, 2012, p. 85).

É este o cerne da questão que vem a reclamar as eleições como critério de provimento daqueles que farão a gestão da instituição pública educacional, distinta de quaisquer outras instituições privadas também com fins educacionais, uma vez que a natureza deste fim se altera substancialmente quando tratamos, na primeira, de um direito socialmente conquistado, público e subjetivo, de responsabilidade incontroversa do Estado e, na segunda, de uma mercadoria a ser comprada.

A gestão da escola, personificada na figura do/a diretor/a, é o exercício de um papel político, mas, ao mesmo tempo, técnico e administrativo. Não podemos separar estas dimensões, da mesma forma como não se separam teoria e prática, execução e definição (SOUZA, 2014), ainda que a organização social muitas vezes de fato as separem. A gestão escolar, neste sentido, está diretamente relacionada às

possibilidades de dar os rumos que se quer – ou se acredita serem melhores – na

definição de como e do que será executado na instituição escolar – no aspecto

pedagógico, institucional, interpessoal, administrativo. Assim,

[...] a gestão escolar pode ser compreendida como um processo político, de disputa de poder, explicitamente ou não, no qual as pessoas que agem na/sobre a escola pautam-se predominantemente pelos seus próprios olhares e interesses acerca de todos os passos desse processo, com vistas a garantir que as suas formas de compreender a instituição e os seus objetivos prevaleçam sobre as dos demais sujeitos, a ponto de, na medida do possível, levar os demais a agirem como elas pretendem. Esta é uma tentativa inicial de compreender a gestão escolar não como ela pode ou deve ser, mas como ela demonstra ser, considerando sobre o que ela recai e com quais objetivos opera. (SOUZA, 2014, p. 15)

Na perspectiva ora tratada, percebe-se a gestão da escola aglutinando funções administrativas, técnicas e políticas, sem, entretanto, deixar de assumir um aspecto que lhe é inerente: a manutenção ou disputa do poder para fazer prevalecer as ideias que o/a gestor/a e os que o/a apoiam querem ver prosperar, tendo em vista os objetivos a alcançar.

Como vimos anteriormente, há uma série de definições possíveis para o poder e na escola são identificadas muitas das definições ou expressões deste poder. É importante afirmar que o poder e a gestão da escola estão diretamente relacionados, ainda que o primeiro possa ter diferentes expressões para a sociologia política. Isto se dá porque as relações humanas e sociais são políticas e envolvem formas destas expressões de poder, ou, simplesmente, a busca por mais poder. A gestão da escola é ação política e disputa de poder, portanto.

As atividades da gestão da escola envolvem, como afirmado, aspectos técnicos – conhecimentos dos processos pedagógicos e administrativos, burocráticos – mas também um amplo espectro de política. A escola não é a família, tampouco a segunda casa dos profissionais que nela atuam. Ela é espaço de atividade política, laboral e lócus da materialização de direitos, no caso da instituição pública. Assim, os sujeitos que nela operam o fazem na busca por determinado fim comum, ainda que os caminhos para atingirem este fim sejam diversos, uma vez que não há regras ou modelo a ser seguido quando se trata da subjetividade dos sujeitos. É neste sentido que as ações são conflituosas, não neutras.

Este espaço, assim como o de qualquer outra instituição – e, neste caso,

pública ou não –, é permeado de relações interpessoais. Relações estas que

transcendem àquelas de trabalho e se tornam, por vezes, ainda mais conflituosas. Quem atua na função de diretor/a da instituição escolar é, por natureza, o grande articulador de interesses individuais e de diferentes grupos que se formam no interior das organizações, na tentativa de direcionar o foco a um mesmo objetivo: a educação

– de qualidade – a todos e todas. Não obstante, seus interesses pessoais e a busca pela ampliação de seu poder sempre permearão estas relações, a articulação do trabalho administrativo-pedagógico, e os objetivos da instituição.

De tal modo, não há uma forma ideal de gestão, uma vez que ela se constrói com os sujeitos e grupos de que se constituem as instituições. A gestão das unidades irá se articular “com os poderes de mando e com a hierarquia, com o domínio dos saberes e técnicas que lhe seriam próprios, mediata e imediatamente, e com a definição, mais uma vez hierárquica, de regras”. (SOUZA, 2014, p.21)

O exposto explicita que a escola não é uma instituição estritamente burocrática, como também afirma Souza (2014). É política. Assim, a natureza de sua gestão impede um cargo naturalmente político ou naturalmente técnico para exercê-la.

Ainda que se defenda esta dupla natureza da gestão escolar pública, não se têm evidentes as formas de provimento capazes de garantir que ambas as características sejam supridas.

Por um lado, a instituição escolar pública é parte do aparato do Estado, e, portanto, deve a ele responder. Enquanto repartição vinculada a um sistema, seu dirigente responde a determinações gerais deste sistema, ainda que possa – ou deva – participar da definição destas determinações para que não se torne simples burocrata. Precisa, também, conhecer a técnica envolvida na ação a que esta repartição se destina, uma vez que ela possui um fim determinado, caso contrário seria apenas político, delegando funções administrativas. Sem embargo, deve também responder, enquanto gestor de um órgão público financiado pela comunidade, aos anseios e particularidades da comunidade na qual se insere, articulando todo o trabalho e aspirações individuais e coletivas.

Não fossem os aspectos supracitados, o sujeito gestor da unidade escolar poderia ser apenas técnico ou político, e não possuir ambas as características. Como concursado, por exemplo, dominaria as atribuições técnicas da gestão da instituição educacional, em detrimento de sua função política de articulação e de mediação dos conflitos, negando as relações de poder. Apenas político, teria toda a especificidade do trabalho pedagógico-administrativo delegada a terceiros, além de ser ampliada a possibilidade de manutenção de favorecimentos – clientelismo.

Isto posto, reitera-se a dupla função do gestor escolar, que justifica seu provimento não ser apenas por indicação.