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3 APORTES TEÓRICO-CONCEITUAIS

3.3 SOBRE A NATUREZA DO CONFLITO

3.3.1 A natureza do duelo

Carl Von Clausewitz, general prussiano cujos escritos são freqüentemente evocados por pensadores sobre a guerra, realistas ou não, afirmou que “a guerra nada mais é do que um duelo em larga escala” (CLAUSEWITZ, 2003, p. 7), em que há, em primeiro lugar, sempre um ódio, uma animosidade, como fator fundamental que leva dois lutadores ao confronto. Sem esse impulso, que Clausewitz chama de “intenção hostil” (CLAUSEWITZ, p. 9), as forças não se mobilizam para o enfrentamento; os inimigos não duelam. Em segundo lugar, no duelo, “cada um tenta, por meio da força física, submeter o outro à sua vontade [sendo que] seu objetivo imediato é abater o adversário a fim de torná-lo incapaz de toda e qualquer resistência”. Analogamente, a guerra é, antes de tudo, “um ato de violência destinado a forçar o adversário a submeter-se à nossa vontade” (CLAUSEWITZ, p. 07).

Sendo o ímpeto que leva à guerra moldado no ódio e na vontade de sujeição do outro, há nela uma “tendência para destruir o inimigo” e, portanto, a violência desta empreitada tende a ser levada “aos extremos” (CLAUSEWITZ, p. 10). A guerra se definiria por essa tendência ao extremo; e a paixão inflamada que levaria os homens a buscar o extermínio do inimigo moldaria a idéia mais elementar da guerra. Todavia, essa idéia de base é entendida, por Clausewitz, no campo do “puro conceito” (Idem, p. 12). Essa noção abstrata de guerra, Clausewitz também denomina de guerra absoluta.

A guerra absoluta, apesar de constituir a prática guerreira que se desenrolaria se as paixões humanas (e, por extensão, dos Estados) não tivessem freio, não

em 1832, e ainda hoje, é referência para os especialistas no assunto, constituindo-se num dos grandes clássicos da literatura política e militar.

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Carl Schmitt, jurista e cientista político alemão, viveu e produziu sob o impacto dos fracassos da República de Weimar.

ocorre de fato, ficando circunscrita ao plano abstrato. Há uma série de limites impostos pela realidade que impedem, segundo Clausewitz, que a guerra alcance o destino que seu puro conceito indicava. Esses constrangimentos ao livre

desenvolvimento da violência são de ordem estratégico-militar e política8. Sendo que

o campo mais importante de constrangimento ao livre desenrolar da violência na guerra reside na política ou, mais precisamente, se dá pela existência de um objetivo político comandando a prática da guerra. Segundo Clausewitz, é o “objetivo político como móbil inicial da guerra [que] fornece a dimensão do fim a atingir pela ação militar, assim como os esforços necessários” (CLAUZEWITZ, 2003, p. 17)

A guerra real, aquela que de fato existe na vida dos Estados, pode ser impulsionada pela “intenção hostil” e alimentada pelo ódio, mas só se efetiva a partir de uma decisão política. Essa subserviência prática da “intenção hostil” à avaliação racional ditada pela política é, segundo o autor, uma invariável, ainda que possa provocar “em diferentes nações, e numa mesma nação, reações diferentes em épocas diferentes” (Idem). A relação, portanto, entre os ódios que atravessam as massas e as avaliações dos Estados é tensa e constante. É a partir dela que serão produzidas decisões políticas que nortearão a ação militar. E como resultado dessa tensão entre “intenção hostil” e decisão política que poderia haver, segundo Clausewitz, “guerra de todo tipo e de vários graus de intensidade, desde a guerra de extermínio ao simples reconhecimento militar” (Idem, p. 18).

Em Clausewitz, é sobre a discussão entre meios e fins que a relação entre política e guerra toma contornos mais claros. O meio é a força militar e o fim é o objetivo político traçado pelo governo civil, que deve estar em consonância com os interesses políticos do Estado: “a intenção política é o fim, enquanto a guerra é o meio, e não se pode conceber o meio independentemente do fim” (CLAUSEWITZ, p. 27). Dessa relação de dependência deduz-se que “a guerra surge sempre de uma situação política e só resulta de um motivo político”, por isso ela deveria ser tomada como um “ato político” (Idem, p. 26) e não expressão de fúria incontida. Portanto, a guerra é, para Clausewitz, uma ação de origem política, visando fins políticos. Ela não é, desse modo, uma finalidade em si mesma, nem se esgota nos efeitos de sua

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Para Raymond Aron, é preciso ter compreendido o caráter irreal da guerra absoluta e da ascensão aos extremos para interpretar as proposições que Clausewitz deduz desse conceito. Segundo Aron, “esta precaução é tanto mais indispensável porque antes de 1827 Clausewitz não dava sentido total a subordinação da guerra real à política e, em conseqüência, dava mais importância à lei suprema e ao princípio de aniquilamento do que ele deveria fazê-lo segundo a lógica da síntese final” (Pensar a Guerra, Clausewitz, vol. I, 1986, p 392).

própria violência. “Se fosse um ato completamente autônomo”, continua o autor, “a guerra tomaria o lugar da política” (Idem), mesmo que o estopim tivesse sido aceso por uma decisão política. Daí a síntese da relação entre guerra e política formulada por Clausewitz: “a guerra é uma simples continuação da política por outros meios” (CLAUSEWITZ, p. 27).

Para se construir uma teoria da guerra, admite Clausewitz, seria preciso aceitar que ela é “um verdadeiro camaleão que modifica um pouco sua natureza em cada caso concreto” (Idem, p. 30). Ou seja, a guerra sendo um instrumento da política pode variar muito em sua forma, dependendo dos recursos materiais disponíveis em uma época, da correlação de forças entre os Estados e da tensão entre “intenção hostil” e a fixação dos objetivos políticos.

Portanto, o exercício da política, entendida como ato de sujeição de outrem, assume formas variadas podendo, em última instância, realizar-se através da violência extrema, a guerra. O antagonismo abrigado no conceito de político pode ser melhor percebido através dos conceitos desenvolvidos por Carl Schmitt.