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1.3 A Natureza dos Conflitos Conjugais Formas de Expressão e Impacto na vítima

Em consonância com o descrito, sobressai a importância da avaliação do risco que existe na relação conjugal violenta (Branco, 2002).

Nesse sentido segundo Matos, 2002 (cit. por Branco, 2002, p.92), apresentam-se alguns fatores de risco, para a ocorrência de violência: a violência na família de origem, o baixo nível socioeconómico, o consumo de substâncias nomeadamente álcool e drogas, as dificuldades de comunicação entre o casal em que a falta de assertividade dá lugar à irritação e frustração de ambos os membros, culminando em episódios violentos. Segundo o mesmo autor o comportamento social violento traduz um maior risco de violência no meio

31 familiar, assim como as normas culturais podem legitimar a eficácia da violência em sociedades em que a desigualdade de género e de poder está inscrita na relação conjugal regida por normas patriarcais.

Antunes (2002) e Matos (2002) corroboram a premissa já enunciada de que os maus-tratos são habitualmente múltiplos e que podem resultar de diversas formas de agressão:

• Agressões à integridade física – que podem resultar em lesões permanentes e severas, as quais podem advir de um empurrão, de uma bofetada de um pontapé, provocando formas de lesões como fraturas nas mandíbulas, perda de dentes, lesões óculo-visuais, perturbações na capacidade auditiva, fraturas de costelas, lesões abdominais, a formas infertilidade na sequência de sucessivas infeções e/ou lesões vaginais e uterinas, perturbações neurológicas ou mesmo em morte;

• Agressões psicológicas, emocionais e verbais – provocadas por ações e afirmações insultuosas, humilhantes, de menosprezo e de crítica em privado ou em público, que têm como consequência alterações dos padrões de sono e perturbações alimentares, diminuição da autoestima e autoconceito negativo, alterações da imagem corporal, distúrbios cognitivos e de memória, distúrbios de ansiedade, hipervigilância, medos, fobias, ataques de pânico, sentimentos de vergonha e culpa. Apresentam também comportamentos depressivos, por vezes com tentativa de suicídio ou suicídio consumado e quadros de Perturbação Pós-Stress Traumático.

Por outro lado, segundo Manita et al. (2009), muitas formas de agressão psicológica podem ainda ser utilizadas de forma a manter a vítima sob domínio:

• Isolamento social – resulta das estratégias implementadas pelo agressor para afastar a vítima da sua rede social e familiar, conseguido por exemplo, através da imposição, de limitação ou proibição de contactos familiares, do acesso ao telefone e pela negação de acesso a cuidados de saúde;

• Intimidação, coação e ameaça – muito próxima à violência emocional e psicológica, e que consiste em manter a mulher com medo do que o agressor possa fazer contra si e/ou contra os seus familiares, amigos, ou bens. Pode ser executada por diversas ações como o destruir pertences do cônjuge, exibir armas assim como por olhares intimidatórios;

32 • Comportamentos e atitudes baseados em crenças machistas como negar a igualdade de géneros e de direitos, tratá-la como uma serva considerando o seu papel como de obediência e serviço, estando a vítima sempre ao dispor do agressor, não lhe permitir participar nas decisões do casal nem definir a sua vida própria;

• Controlo económico associado com frequência ao isolamento social, que pode ser exercido pelo impedimento de acesso à participação laboral ou manutenção de um emprego, restrições no acesso ao dinheiro e à sua gestão, ou a outros recursos básicos.

• A violência sexual – práticas de cariz sexual podendo ser executadas com recurso à força física, contra a vontade da vítima. Com frequência este tipo de violência acaba por não ser reconhecido como tal por parte das vítimas fruto de crenças e valores interiorizados, pois estas consideram que a prática sexual faz parte do seu papel de cônjuge naturalizando assim este tipo de episódio.

No que se refere ao impacto traumático na vítima, os principais fatores que o influenciam são: a frequência da ocorrência dos maus tratos, a sua severidade, tipos de maus tratos, condições e contextos de ocorrência, história anterior de vitimização, gravidade dos danos, rede de apoio social/familiar, recursos pessoais, familiares, sociocomunitários e institucionais disponíveis (Manita et al., 2009).

Em Portugal segundo Dias, 2004 (cit. por Branco, 2007, p.80), dados sociodemográficos dizem-nos que as mulheres mais atingidas pela VC são jovens entre os 13-34 anos e em idade produtiva, com nível de habilitações literárias diverso, embora os atos de violência sejam mais numerosos entre as vítimas com mais baixo nível de instrução. Também os atos de agressão a que são sujeitas variam conforme a sua condição social, em que a agressão física atinge mulheres de condição social mais baixa e as agressões sexuais as de condição social mais alta, já a agressão psicológica é transversal atingindo mais de metade das mulheres em Portugal. Estes episódios de violência ocorrem com frequência em casa, sendo infligidos pelos maridos e companheiros com idades distribuídas entre os 25 e os 54 anos. Verifica-se ainda que existe uma percentagem ligeiramente superior de vítimas no meio rural seguida do meio urbano (56,3% e 55,4% respetivamente).

Estes dados permitem perceber a transversalidade da VC ao nível sociodemográfico. Existem contudo algumas variáveis preditoras como já

33 anteriormente referido. A desconstrução dos mitos sobre a VC e estereótipos dos seus protagonistas é um passo importante para a sua compreensão e a tomada de decisão adequada tanto ao nível dos indivíduos e sociedade em geral como ao nível político, também no intuito de a prevenir e combater (Gelles e Straus, 1988).

Neste sentido, os serviços e profissionais de saúde, nos quais se incluem os enfermeiros, ocupam uma posição privilegiada no que diz respeito à deteção e intervenção precoce em situações de VC, pois são com frequência o elo de contacto entre o sistema de saúde e a vítima/família, sendo que através do seu agir profissional, o reconhecimento e intervenção nesta problemática baseado na sua formação e experiência pode ser o “salva-vidas” para as vítimas (Manita et al., 2009).

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2 – O AGIR EM ENFERMAGEM

O Agir profissional dos enfermeiros adquire sentido na reconstrução processual da história do cuidar, diretamente relacionado com os paradigmas de enfermagem que influenciam a própria evolução histórica do papel socioprofissional dos enfermeiros.

O domínio do agir remete-nos para a definição da enfermagem como sendo a profissão que, na área da saúde, tem como objetivo

“prevenir a doença e promover os processos de readaptação procura-se a satisfação das necessidades humanas fundamentais e a máxima independência na realização das actividades da vida, procura-se a adaptação funcional aos défices e a adaptação a múltiplos factores – frequentemente através de processos de aprendizagem do cliente” (Ordem

dos Enfermeiros, 2001, p. 8).

A enfermagem caracteriza-se por um processo sistemático de desenvolvimento, de inúmeros conceitos, modelos e teorias que constituindo uma base de conhecimentos próprios e singulares conduz a uma afirmação clara e única da sua autonomia profissional. A sua influência que se procura transmitir nos ganhos em saúde para a população deve ser reconhecida não só numa dimensão económica imediata mas pela perceção das realidades e modificações sociais que engloba (Araújo, 2008).

2.1-Evolução Histórica Do Papel Dos Enfermeiros No Contexto