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Natureza jurídica da responsabilidade civil do intermediário financeiro perante o

Capítulo VI: Responsabilidade civil do Intermediário financeiro

5. O nexo de causalidade entre o facto e o dano

6.4. Natureza jurídica da responsabilidade civil do intermediário financeiro perante o

Como temos vindo a estudar, a lei estabelece maioritariamente uma imputação subjetiva dos danos ao intermediário financeiro.

No entanto, não podemos esquecer também os casos em que a lei admite a responsabilidade civil do intermediário, mesmo estando este isento de culpa, como é o caso da responsabilidade civil pelos atos de representantes e auxiliares previsto nos

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artigos 324º, e 800º do CC, e a responsabilidade civil na execução da ordem, previsto no artigo 334º. É certo que são exceções, mas nem por isso deixam de ser pertinentes.

Gonçalo Castilho dos Santos junta a este leque de exemplos, outros aos quais ele intitula de “responsabilização objetivada ou objetivizante”136. São eles quando a lei impõe um regime de ponderação de culpa bastante mais exigente – artigo 304º, nº2, distanciando-se da noção de “bom pai de família” do Código Civil. Outro exemplo, que se coaduna a este é a presunção de culpa, prevista no artigo 304º-A, nº2, que para além de se aplicar à responsabilidade civil pré-contratual, agora também se aplica à responsabilidade civil por incumprimento dos deveres de informação.

Apesar de todas estas considerações, o autor afirma ser inquestionável que, sem dúvida, esta é uma responsabilidade subjetiva, uma vez que é fundada na culpa, presente nos artigos 304º, nº2, e 314º137.

O Autor considera que a ratio destas normas objetivizantes poderia, eventualmente, estar no risco próprio da atividade de intermediação financeira, mas que rapidamente descarta a ideia fundamentando que é difícil a aproximação da atividade de intermediação financeira à de uma atividade perigosa, fazendo um paralelismo com o artigo 493º, nº2 CC138.

Adiciona que, os contratos de intermediação financeira comportam uma álea, portanto há uma ponderação do risco da operação com a pretensão de obter vantagens patrimoniais. Portanto, o intermediário caso tenha agido diligentemente, não responderá pelas perdas do seu cliente, ou seja, não haveria dano para efeitos de imputação.

Para darmos resposta a esta questão da natureza jurídica, e seguindo a opinião desenvolvida por Gonçalo Castilho dos Santos, devemos analisar do prisma da tutela da confiança e da função económico-social subjacente ao contrato de intermediação financeira.

O intermediário financeiro é o agente que tem de transparecer confiança, que encerra dentro de si o dever de criar credibilidade nos mercados, perante os outros agentes. Tem a obrigação de estabelecer elevados níveis de exigência no exercício da sua

136 Santos, Gonçalo Castilho dos (2008); ob. cit., p.270. 137 Santos, Gonçalo Castilho dos (2008); ob. cit., p.271. 138 Santos, Gonçalo Castilho dos (2008); ob. cit., p.272.

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atividade profissional, bem como é ele que tem de atrair o investimento do cliente, por sua iniciativa.

Para Gonçalo Castilho dos Santos, isto faz com que “a lei acabe por alargar as suas fórmulas tradicionais (ex vi da lei civil) de imputação objetiva”139.

Podemos, desta forma, concluir que o ponto fulcral resume-se à confiança transmitida pelo intermediário financeiro, sendo estes o elo de ligação entre o mercado e o cliente-investidor.

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CONCLUSÃO

Os mercados de capitais definem-se por serem sistemas onde, de acordo com regras, e geridos por uma entidade gestora de mercado, possibilitam o encontro de interesses na compra e venda de instrumentos financeiros.

A DMIF desenvolveu a grande parte das regras aplicáveis nos mercados de capitais da União Europeia, e, portanto, do nosso também.

A noção de intermediário financeiro é desenvolvida através do que consideramos atividade de intermediação financeira, uma vez que só ele está autorizado a exercê-la profissionalmente.

O intermediário financeiro tem deveres quer perante o cliente-investidor, quer perante o mercado.

Dentro dos deveres relativos ao investidor, podemos distinguir dois momentos: o pré-contratual e o durante a execução do contrato.

No pré-contratual, encontramos deveres como o da categorização do cliente (artigo 30º), o dever de avaliação da adequação da operação consoante o tipo de cliente, e deveres relativos à prestação de informações.

Por clientela mobiliária entende-se a relação entre o intermediário financeiro e o cliente, baseada na confiança relativamente à prestação de serviços por aquele.

A celebração de um contrato não é obrigatória para que o cliente possa ser considerado investidor.

Durante a execução do contrato, encontramos vários deveres vertidos em normas que visam proteger a confiança dos clientes nos intermediários financeiros. Para isso a lei exige uma conduta diligente, leal e transparente perante o cliente. Estes são considerados deveres de prestação baseados na boa-fé.

A diligência está intrinsecamente ligada a uma atitude, a um comportamento que corresponda a uma best execution.

A conduta leal exige que o intermediário financeiro adote comportamentos que respeitem os interesses do investidor, salvaguardando o objeto negocial, evitando a intermediação excessiva, e prevenir conflitos de interesses, ou quando estes surjam, tenha uma conduta transparente.

Quanto à prossecução de uma conduta transparente visa-se garantir um nível de proteção elevado e equivalente em relação a cada tipo de investidor. A conduta

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transparente pretende prevenir a exposição a riscos, e orientar o cliente na tomada de uma decisão adequada.

É extremamente importante a prestação de informação na relação estabelecida entre intermediário financeiro e o investidor. Estes não são deveres acessórios de conduta, mas deveres secundários de prestação à luz dos artigos 312º, nº1 ou 336º.

O contrato de intermediação não é necessariamente um contrato intuito personae. A receção, transmissão e execução de ordens é o que se considera com um contrato de intermediação financeira típico e inominado.

Em todos os contratos de intermediação financeira os deveres surgem como obrigações técnicas.

O Código dos Valores Mobiliários constitui um regime geral de responsabilidade civil do intermediário financeiro perante o cliente, recorrendo à lei civil e regimes de imputação especiais.

Uma vez que a relação entre o intermediário financeiro e o cliente é baseada no dever de realizar a prestação devida por parte do intermediário, estamos perante uma relação obrigacional. Sendo que a responsabilidade surge quando este dever é incumprido.

O artigo 304º, nº2 considera que para aferir a culpa do intermediário, a conduta deste deverá ser avaliada de acordo com um padrão de diligentississimus pater familias.

O ónus da culpa previsto no artigo 304º-A, nº1 caberia a quem fosse lesado, mas por força da aplicação artigo 487, nº1 do CC em consonância com o 304º-A, nº2, esse ónus da prova caberá ao intermediário financeiro, que deverá provar de que cumpriu com todos os deveres que lhe são exigidos legal e regulamentarmente.

O cálculo da indemnização deverá ser feito de acordo com a teoria da diferença, atendendo a um “valor subjetivo”.

Concluindo, a responsabilidade civil do intermediário financeiro tanto pode ser subjetiva, como objetiva.

A responsabilidade subjetiva do intermediário é aquela que é fundada na culpa do intermediário financeiro, baseada nos artigos 304º-A, nº2 articulando com o artigo 304º, nº2.

Já a responsabilidade objetiva do intermediário é aquela que se retira da aplicação dos artigos 324º, em consonância com os artigos 800º e 809º do CC, mas não só. Aqui releva também a importância que o intermediário financeiro tem nos mercados, bem como o clima de confiança e segurança que é indispensável ao bom funcionamento do mercado.

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FONTES

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