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Mapa 5- Rota de verão dos pescadores de fora

4. MOBILIDADE GEOGRÁFICA COMO ESTRATÉGIA GEOGRÁFICA DE

4.1. NECESSIDADE DA MOBILIDADE

Os pescadores artesanais trabalham em um meio arriscado, indivisível e inapropriável juridicamente, cuja relação com a natureza é estruturalmente diferente do agricultor que trabalha a terra, bem divisível que pode se apropriar de maneira legal. Os pescadores trabalham ainda com a imprevisibilidade da produção, devido à natureza móvel e cíclica dos peixes, bem como a perecibilidade do pescado que exige comercialização rápida (MALDONADO, 1986).

Como o pescador não pode controlar a mobilidade do peixe, vale-se estrategicamente de seu conhecimento tradicional do meio, da relação de troca com a natureza para capturá-lo. Este saber abrange o conhecimento do ciclo biológico de diversas espécies capturadas, as correntes marinhas, a identificação de cardumes, os pontos de pesca, à hora de puxar ou deitar uma rede, o saber sobre a influência dos ventos e da chuva nas pescarias, a influência da lua no regime das águas pluviais e fluviais. Conhecimentos que se adquire através da experiência da atividade e da convivência grupal (FURTADO, 1990; 1993a).

Localizar ou descobrir um pesqueiro (ou lugar de muito peixe)11, e detectar cardumes depende não só do conhecimento do pescador, mas de esforços cotidianos, bem sucedidos. Como este é um método de erros e acertos, porque os sinais podem acusar simplesmente a passagem dos cardumes naquele lugar em que pensam ter achado o pesqueiro definitivo. Exige-se mobilidade geográfica, tempo e paciência (FURTADO, 1993a). A mobilidade geográfica tornar-se, portanto, essencial na procura do peixe.

De acordo com Maneschy (1990), a mobilidade sazonal das espécies, as variações no teor da salinidade das águas, o conhecimento do pescador em relação à alteração do clima, a mobilidade das espécies e a situação das águas são outros dentre os diversos fatores que condicionam o trabalho do pescador.

Segundo Barthem e Fabré (2004), a pesca na Região Amazônica destaca-se pela riqueza de espécies que apresentam formas diferenciadas de adaptação às mudanças sazonais nos diversos ambientes em que vivem. A dinâmica anual de descarga dos rios é apontada como a chave que caracteriza a sazonalidade da planície e do estuário amazônico, cuja

11 O termo “pesqueiro” é conhecido regionalmente entre os pescadores do litoral paraense, como lugar de muito

flutuação do nível d‟água dos rios causa alagação das áreas marginais e a ampliação das áreas de água doce do estuário.

A zona do estuário amazônico compreende a parte externa das desembocaduras dos rios Amazonas e Pará e a costa do Brasil, desde a baía de São Marcos, no Maranhão, até a foz do rio Oiapoque, no extremo norte do estado do Amapá como se pode verificar no Mapa 01. Esta área compreende segundo Isaac e Bartheim (1995), quatro regiões pesqueiras distintas: Salgado, foz amazônica, região norte e baía e ilha do Marajó. Nesta última região, ocorre a alteração da salinidade d‟água devido à oscilação do nível das águas dos rios e o ciclo das chuvas, o que ocasiona a mudança da ictiofauna.

Durante o período chuvoso aumenta a descarga de água dos rios no oceano afastando a água salgada ou marinha da costa, da baía e ilha de Marajó. Esta época caracteriza o “inverno” e estende-se até o final de junho/julho. Inicia-se, logo após o “verão”, quando ocorre o inverso. Pela diminuição de chuvas, as águas salgadas penetram na baía de Marajó aproximando-se da desembocadura do rio Amazonas, mas sem chegar a penetrar no rio. Estes períodos resultam em duas safras do peixe, no inverno, a do peixe de água doce, e no verão a do peixe de água salgada.

Lima (1998) estudando as estratégias dos pescadores do estuário amazônico identifica em seus depoimentos, o mês de agosto como o mais difícil para se ganhar dinheiro, época em que ocorre a mudança das águas, provocando o desaparecimento do peixe de água doce, a queda da venda e a presença do peixe do mato12, que não possui um significativo valor comercial como a piramutaba (Brachyplatystoma vaillantii) e a dourada (Brachyplatystoma flavicans)13. Como a pesca é a base da economia dos pescadores, uma das estratégias encontradas para se pescar o ano todo e, garantir sua produtividade consiste no deslocamento desta atividade para outras regiões pesqueiras do estuário, como a região do Salgado. Essa mobilidade faz com que estes pescadores superem à alternância da salinidade da água, o desaparecimento temporário do peixe e conseqüentemente a diminuição de sua renda.

12 São espécies sedentárias ou lacustres que desenvolvem principalmente seu ciclo de vida nos lagos ou em

sistemas de lagos associados. Ambientes como aningais, cabeceiras dos lagos dentríticos, paranás, entre outros, são habitats importantes para a reprodução e/ou refúgio (BARTHEM; FABRÉ, 2004).

13 Segundo Barthem e Fabré (2004), as características do ambiente e o comportamento dos peixes permitem

diferenciar três grandes grupos de espécies de peixes: os sedentários, mais relacionadas com os sistemas lacustres; os migradores, que usam tanto os ambientes lacustres como fluviais; e os grandes migradores, relacionados principalmente com o estuário e a calha dos rios como o caso da piramutaba e da dourada, chegando a percorrer mais de 300km para realizar suas migrações tróficas e reprodutivas.

Mapa 1 – Localização do Estuário amazônico

Fonte: Lima (1997)

Quando o pescador não pode realizar este deslocamento, fica dependente da próxima safra em sua localidade. Os pequenos produtores dependem do peixe para sua comercialização, e a falta deste compromete a sua subsistência e a de seu grupo familiar. É graças ainda a essa mobilidade geográfica que os pescadores entram em contato com áreas mais urbanizadas, diferenciadas de suas pequenas localidades: como a sede municipal, cidades vizinhas e a capital do estado, com maior ou menor freqüência, onde podem encontrar o peixe, vendê-lo, ou fazer compras, entre outras finalidades. Essa mobilidade e contatos levam por outro lado, a uma eventual mudança de residência e de ocupação originando a migração.

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