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Necessidade de capacitação profissional para intervenção em crise

5 RESULTADOS E DISCUSSÃO

5.2 CATEGORIA 2: A ASSISTÊNCIA ÀS URGÊNCIAS PSIQUIÁTRICAS

5.2.3 Necessidade de capacitação profissional para intervenção em crise

O combate efetivo à realização das práticas manicomiais que violentam a subjetividade da pessoa com transtorno mental implica em uma reinvenção na sociedade em que vivemos. Durante esse processo, é preciso ter em mente que a transformação da realidade social não poderá acontecer por meio de técnicas ou fórmulas, mas através da revelação e combate dos pontos de sustentação que a própria sociedade impõe aos seus membros (HIRDES, 2009a).

Visualizamos um caminho para esse propósito através da educação permanente nos serviços e pelas transformações dos currículos tradicionais na formação em saúde, especificamente em saúde mental que, predominantemente, continua a ser organizada de forma disciplinar, voltada para especialização, fragmentação, medicalização e reforço do paradigma psiquiátrico hospitalocêntrico (YASUI; ROSA, 2008). Percebe-se nas entrevistas citadas abaixo que a capacitação é apreendida sob o viés da fragmentação e da medicação.

Eu acho que uma reciclagem em termo científico mesmo, que eu acho que não era trabalhosa, apesar de nós não sermos especialistas. É mais uma aula, um mini-curso, de uma aula só eu acho que com um colega psiquiatra já seria o ideal pra poder dá um apoio científico pra gente (Entrevistado 19).

Treinamento, treinamento específico pra isso aí. Tanto o treinamento médico, no sentido assim, da utilização de medicamentos, da utilização de técnicas de contenção, técnicas que não agridam ao paciente, que nenhum de nós tem. Eu acho que nenhum de nós tem (Entrevistado 8).

Com isso, as falas supracitadas não apontam para a necessidade de apreender o cuidado ao sujeito em crise psíquica por meio da criação de vínculo, da valorização do diálogo, da percepção da singularidade no seu sofrimento e da adoção de estratégias terapêuticas condizentes a cada caso. Pelo contrário, os profissionais percebem a capacitação como estratégia para legitimar “cientificamente” uma prática atrelada aos primórdios da psiquiatria quando o foco era a contenção e o isolamento.

Porém, o relatório da III Conferência Nacional de Saúde Mental aponta que a política de recursos humanos na área deve buscar o fortalecimento da interdisciplinaridade e da multiprofissionalidade na perspectiva da ruptura com o especialismo. O objetivo central é a promoção de atendimentos basilados por uma visão integral e não fragmentada da saúde e do sujeito (BRASIL, 2002b). É importante que as estratégias educativas voltadas para os profissionais dos serviços não focalizem suas ações na pontualidade e no caráter transitório de cursos, palestras e mini-cursos realizados de forma desarticulada com a prática e com a rede de atenção psicossocial.

Apesar de o SAMU-Natal dispor de um auditório e do NEP, com profissionais dedicados à realização de educação continuada no serviço, segundo os profissionais entrevistados, não há foco nas urgências psiquiátricas durante atividades desenvolvidas.

Mas, eu acho que não existe um treinamento específico mesmo não, a gente vai mesmo na raça mesmo, alguns técnicos já trabalharam em psiquiatria e tem mais manejo, acredito que eles estejam mais seguros, mas treinamento mesmo para deixar a gente mais bem preparado não tem (Entrevistado 15).

Eu acho que, volto a repetir, nós não temos nenhum tipo de treinamento pra esse tipo de ocorrência, nem nós, nem os técnicos de enfermagem, nem os condutores, ninguém (Entrevistado 8).

Na verdade os nossos treinamentos eles focalizam muito mais a urgência e emergência clínica, da parada, do acidente, do politraumatizado do que outros atendimentos, como o da urgência psiquiátrica (Entrevistado 16).

A implementação efetiva de atividades de educação permanente em saúde, voltadas para a equipe multiprofissional e centrada em saúde mental, pode contribuir sobremaneira para a redefinição do fazer na atenção às urgências psiquiátricas por parte do SAMU-Natal, visto que, nesse processo, ocorre a incorporação gradativa de tecnologias leves, relativas ao acolhimento, vínculo e responsabilização, bem como de tecnologias leve-duras, que contribuem para a construção de saberes e práticas bem estruturadas (TANAKA; RIBEIRO, 2009). Alguns profissionais percebem essa necessidade:

Então eu acho que deveria ter mais treinamento para a gente vê esse paciente humanizado, para a gente se preparar a lidar com esse problema, assim de ter que enfrentar, ter que conversar com ele, conversar com a família e buscar resgatar esse vínculo profissional de saúde com esse paciente necessitando do nosso atendimento (Entrevistado 7).

Eu acho que a gente tratar uma urgência psiquiátrica vai muito além do que você dá a medicação né, você sedar o paciente. Eu acho que vai muito além disso, envolve muito mais, envolve o ambiente do paciente, envolve a família do paciente e o paciente em si. Então, eu num me sinto preparado, eu não tive esse tipo de treinamento (Entrevistado 8).

Além da realização de estratégias de educação permanente em saúde, é preciso voltar o olhar para o modo de operacionalizar tais ações. Afinal, outra necessidade do SAMU-Natal é a consolidação de espaços para que os conflitos envolvidos na atenção às urgências psiquiátricas possam ser apresentados, com vistas ao amadurecimento da capacidade de negociação entre a equipe, pois, dessa maneira, pode-se contribuir para que o serviço redefina suas práticas e flexibilize seu poder de intervenção. As capacitações do NEP podem estar abertas para essa necessidade em particular e não centrar as atividades desenvolvidas na transmissão de conhecimento e técnicas em uma perspectiva tradicionalista do processo educacional.

O método é crucial, mas a aproximação entre teoria e prática durante a escolha e abordagem dos conteúdos é um elemento importante para o sucesso da educação permanente nos serviços. Nesse contexto, os estudos de casos hipotéticos ou reais, resgatados das fichas de atendimentos do SAMU, podem mostrar-se como uma boa estratégia. Segundo Delfini (2009, p. 1489) “a discussão dos casos também serve para reflexão teórica e prática. A partir daí, a própria equipe sente-se capacitada em atender casos de saúde mental e ganha maior autonomia”.

Contudo, não podemos perder de vista que uma das questões centrais é que a educação permanente em saúde possa instrumentalizar os profissionais para as mudanças

paradigmáticas proposta pelos conceitos e diretrizes da Reforma Psiquiátrica brasileira e não se focar, exclusivamente, no ensino de técnicas de contenção ou sedação (HIRDES, 2009b). Essa necessidade de discussão das políticas de saúde mental também é apresentada pelos profissionais do SAMU-Natal.

Então eu acho que deveria ter um foco maior, até porque a gente sabe que a política da atenção à saúde mental ela tem mudado muito, ao longo do tempo tem mudado. Então eu acho que deveria ter uma atualização maior em relação a novas tendências do tratamento da psiquiatria (Entrevistado 16).

Sem o suporte teórico fornecido por estratégias de educação permanente nos serviços, realizadas a partir da crítica e reflexão no processo ensino aprendizagem, a tendência dos novos serviços que trabalham no contexto da saúde mental é se direcionar para a utilização do aparato manicomial durante a assistência prestada, uma vez que mesmo no espaço da formação em saúde é necessário (re)direcionar os currículos e as práticas pedagógicas para a construção de competências voltadas à atenção psicossocial.

5.2.4 O diálogo visto como instrumento de persuasão ou intimidação do paciente