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2. A criança e seus direitos

2.4 Família

2.4.2 Necessidade na formação do cidadão

Quando a família conquistou uma valoração mais ampla, estando na posição de refúgio de cada pessoa, nota-se que esta passou a ser um pequeno Estado, onde as relações de poder se refletiam.

Neste período o chefe da família (pai) era como um pequeno monarca, que determinava a forma de organização, de distribuição de tarefas e de conduta, que deveriam ser adotadas por todos os membros, caracterizando, assim, a família patriarcal (ARIÈS, 1986, p. 225).

Iniciou-se aí a aceitação da nova função que seria exercida pela família: a de formação da sociedade em geral. A partir deste momento a família se estabelece como a célula inicial, a última instância de subdivisão da sociedade, exatamente como o menor átomo, que não pode ser dividido e do qual decorre a formação do objeto maior.

No Brasil, conforme leciona Sérgio Buarque de Holanda (1979, p.105-106), o Estado era uma extensão da família. As relações íntimas aí desenvolvidas se refletiam na esfera pública, impedindo um posicionamento mais profissional daqueles que governavam:

O Estado não é uma ampliação do círculo familiar e, ainda menos, uma integração de certos agrupamentos, de certas vontades particularistas, de que a família é o melhor exemplo. Não existe, entre o círculo familiar e o Estado, uma gradação, mas antes uma descontinuidade e até uma oposição (Holanda, 1979, p.101)

Para Sérgio Buarque, a família, tal qual estava estabelecida, no seu caráter patriarcal, configurava uma ameaça ao bom andamento do estado, causando situações de confusão, entre as esferas pública e privada.

Mesmo assim, cabia à família a tarefa de preparar seus membros, principalmente as crianças, para atuar na sociedade, para participar das atividades, para exercer profissões, entre outras coisas.

Com as mudanças nas organizações familiares, que passaram de patriarcal para nuclear e desta para a família pós-moderna ou pluralista (SIMIONATO, 2003, p. 60), deu início à chamada “crise da família”, o que poderia significar sua total extinção:

O que caracteriza esse processo a que se chama crise, não é propriamente o enfraquecimento da instituição família, mas o surgimento de novos modelos familiares, de novas relações entre os sexos, numa perspectiva igualitária, mediante maior controle da natalidade e a inserção massiva da mulher no mercado de trabalho, entre outros aspectos (SIMIONATO, 2003, p. 61)

Mesmo com tantas mudanças ocorrendo, a família não desapareceu e não deixou de ser importante. Ela continuará sendo insubstituível, continuará sendo importante para o desenvolvimento, a humanização e realização das pessoas em sociedade (FETTER, p. 08).

Quando se analisa a situação de uma criança em estado de abrigamento, ou mesmo de total abandono, reconhece-se que não há como falar em cidadania nestas

condições, pois “a convivência familiar é que vai servir de apoio à sua criatividade [da criança] e ao seu comportamento produtivo. O lar e a família correspondem ao atendimento das verdadeiras necessidades pessoais, sendo a influência mais poderosa para a sua formação” (MORAES, 1991, p.8).

Não se discute que é no seio da família que uma criança poderá receber alimentação adequada, atenção, carinho e todos os elementos necessários para que esta se desenvolva de forma plena. “Em família e em comunidade é possível conviver com pessoas em diferentes fases de desenvolvimento (criança, adolescente, idoso), de ambos os sexos, de diferentes culturas e com necessidades especiais” (OLIVEIRA, 2007, p.49).

A célula familiar, qualquer que seja sua composição, é de suma importância para que o ser humano se reconheça como tal, para que seja capaz de se relacionar bem consigo e com os outros. Em outras palavras, “a vivência em um ambiente familiar acolhedor e estimulador promove autonomia e proporciona motivação na criança ou adolescente para buscar novas experiências e novos desafios” (PRADA, 2002).

O abrigamento, em muitos casos, é melhor do que a manutenção na família biológica, mas deve ser sempre uma medida provisória, de caráter transicional, que encaminhará a criança para outra família, que a acolherá e se responsabilizará por fazer cumprir todos os direitos fundamentais relativos à infância.

A família promove a integração interna e a relação entre público e privado:

Acreditamos que a família desempenha papel fundamental não só na relação com seus membros enquanto “lócus” de afiliação e/ou de refiliação social dos mesmos, mas também na relação com o estado, na perspectiva de instituição social decisiva ao desenvolvimento do processo de integração/inclusão social de seus membros (SIMIONATO, 2003, p. 64)

O que se nota, é que a família deixou de ser a fonte de influência, como no modelo patriarcal, e passou a ser influenciável, não só pelas mudanças econômicas e sociais, mas por outros fatores igualmente importantes, sem, com isso, deixar de ocupar posição de grande importância, como esclarece Marco Antonio Fetter:

Hoje, cada vez mais do que filhos de nossos pais somos filhos de nosso tempo. De fato, a família não consegue mais viver fechada em si mesma. Ela vive com a mídia, com a propaganda, com a educação ou deseducação das crianças, com a globalização e com um mundo on-line. Vive no mundo do controle remoto (p. 01)

Ainda assim, é ela que contribui para que a sociedade tenha encontre alguma referência. Ela está inserida na sociedade, ainda que indiretamente, sendo parte de um todo: “falar sobre família significa admitir e acreditar na contribuição que ela pode oferecer á sociedade – soma de todas as famílias e das famílias todas – para que seja responsável e humana, com seus direitos e deveres” (FETTER, p. 02)

De mesmo modo, não será a forma de organização desta família que irá retirar- lhe o papel formador, pois o âmbito interno gera situações em que direitos e deveres são consolidados, auxiliando na educação de seus integrantes. Para Geraldo Romanelli:

A forma de organização da família é um elemento relevante no modo como ela conduz o processo de socialização dos imaturos, transmitindo-lhes valores, normas e modelos de conduta e orientando-os no sentido de tornarem-se sujeito de direitos e deveres no universo doméstico e no domínio público (in CARVALHO, M., 2003, p. 73).

Embora o cidadão seja um ente público, visto que é neste âmbito que ele exerce sua cidadania (votando e sendo votado, exercendo sua liberdade, etc.), ele está inserido num contexto, fazendo parte de uma esfera privada. Como afirma Miriam de Souza Silva, “é o indivíduo no coletivo, é a comunidade composta por cidadãos. É a importante necessidade de articular o subjetivo com o objetivo, o abstrato ao concreto, o eu com eles, para formar o nós” (2007, p. 04).

Apenas para enfatizar o entendimento acima explanado, vale examinar as palavras de Hanna Arendt:

O que chamamos de « sociedade » é o conjunto de família economicamente organizadas de modo a constituírem o fac-símile de uma única família sobre- humana, e sua forma política de organização é denominada « nação ». (1999, p. 38)

Embora o fim da família tenha sido apregoado, o que ocorreu foi sua ampliação. Ampliação de formas, de possibilidades e de funções. Portanto, é de extrema importância sua preservação e valorização, concedendo a ela um novo papel social :

Portanto, as iniciativas que se propõem a retomar e a revalorizar a estrutura familiar são sempre bem vindas, pois, apesar de seus detratores, apesar de seus problemas, é a única possibilidade de formação e manutenção da identidade humana e a matriz do desenvolvimento da personalidade (FIAMENGUI, 2002, p.29).