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1. O MARANHÃO NO CONTEXTO DO DESENVOLVIMENTO DEPENDENTE: implicações nas relações de trabalho no campo

1.3. A NEGAÇAO/AFIRMAÇAO DA AGRICULTURA CAMPONESA NA ECONOMIA MARANHENSE

Muitas famílias do assentamento Califórnia passaram em suas vidas por um processo de expropriação das condições e meios de trabalho. Muitos dos homens e mulheres que ali produzem e reproduzem suas vidas sociais trilharam caminhos outros antes de ali se instalarem. Trilhados de forma geral pelo campesinato maranhense, tais caminhos encontram-se atrelados aos contextos socioeconômicos do Maranhão. E, nos vários contextos, o estado foi reconfigurando as relações de trabalho, as quais tiveram sempre como base o papel que este assumiu na divisão nacional e internacional do trabalho.

Com uma economia fincada nas relações de dependência externa, o estado sempre esteve condicionado às oscilações da economia mundial, a exemplo da crise capitalista provocada pela instabilidade na política fiscal estadunidense que culminou em 2008 com uma intensa onda de demissões em vários setores produtivos e que perdura até hoje. A dinâmica produtiva no Maranhão vem sofrendo transformações importantes desde a crise da produção articulada com a Coroa Portuguesa. Na época, tanto a implantação da indústria têxtil quanto a produção agroexportadora, em suas tentativas de “ajustes regionais e locais” para superação da crise não impediram a decadência do modelo econômico instituído.

Uma das questões mais importantes foi que por ocasião da aprovação da Lei Áurea (13 de maio de 1888), o estado se viu desprovido de força de trabalho, faltando-lhe braços escravos para garantir a base econômica estadual. O fato era que os escravos, agora “libertos”, não mais se dispunham às relações de exploração e de castigo a que foram por longos anos submetidos, não mais se postavam servilmente à mercê da classe senhorial. A seu favor: uma “imensidão” de terra, um “mar” de possibilidades, e com elas os negros vislumbraram um “vir a ser” gente, com outro tipo e outra forma de organizar a produção sem senhor ou “sinhazinha” e, desta forma, para se dedicarem às atividades econômicas autônomas,

... abandonaram as fazendas e engenhos, embriagados com a liberdade adquirida. Embrenharam-se pelos cocais e pelas florestas, retirando facilmente das mesmas o seu sustento. Havia abundância de terras devolutas, desocupadas, de onde o índio já havia sido afastado, mas que o branco ainda não ocupara com as suas plantações, podendo viver numa economia fechada, amonetária, de subsistência (ANDRADE, 1998, p.211).

E assim, “os engenhos e as plantações ressentiram-se da falta de mão-de-obra e regrediram. Plantações e fábricas de açúcar desapareceram” (ANDRADE, 1998, p.211). Esse comportamento adotado pelo negro contribuiu para o Maranhão seguir outros rumos para seu desenvolvimento econômico, voltando-se aos centros regionais do país. Naquele momento de crise econômica, enquanto regiões como o Sudeste se dedicavam ao fornecimento de café para o mercado externo, investindo em tecnologias e políticas de incentivo, o Maranhão voltou-se para o desenvolvimento de atividades internas, atividades de produção de alimentos básicos, como o arroz, o milho, o feijão e a mandioca, além da criação de gado e animais de pequeno e médio porte. (FEITOSA, 1998, p.51)

Ainda que tenha desenvolvido sua indústria de óleo de babaçu, principalmente nos anos 1940, a tendência vivida pelo estado foi de manter-se no âmbito da produção primária, posto que se especializou no fornecimento externo da castanha de babaçu33. (ARCANGELI, 1987, p.102), sendo dela comercializado o óleo bruto e sua torta.

A luta pela sobrevivência neste intervalo produtivo (aos moldes capitalistas) provocado pela crise desencadeou uma intensa mobilidade espacial dos trabalhadores no estado. Entrevendo novas possibilidades com a posse da terra, colonos redesenham todo o estado, auxiliados pelos migrantes expulsos pela seca, pela cerca e pelas transformações que vivia a economia nordestina, com a liberação de grandes contingentes de trabalhadores das fazendas canavieiras. Assim, trilhas vão cortando o estado em todas as direções, formando mosaicos de gente, com cada grupo buscando uma região intencionalmente.

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O extrativismo do coco babaçu no Maranhão até hoje constitui prática extremamente árdua, sem o uso de tecnologias modernas e encontra-se articulada a três importantes dimensões: economicamente esta prática tem assumido importância na dinâmica estadual demarcadamente desde o ciclo de sua industrialização, apesar de sua rápida decadência; culturalmente, o coco encontra-se associado ao modo de vida de muitas comunidades camponesas, pois milhares de famílias até hoje dependem deste produto, usando-o inteiramente. Seu fruto é utilizado em todas as suas partes. As amêndoas, usadas na produção do leite; da entrecasca é retirado o polvilho mesocarpo, muito conhecido como suplemento alimentar; a casca serve como carvão na produção de alimentos. As folhas palmeiras cumprem a função de cobertura de casa; enquanto do caule é consumido o palmito. Em termos sociais, no que tange às relações de trabalho no campo, dois aspectos se apresentam com grande destaque: primeiro, o papel que as mulheres assumem nesta prática, sendo elas as responsáveis por praticamente todo o processo relacionado a esta prática produtiva; o outro diz respeito à comercialização do produto, o qual até à atualidade, as mulheres encontram-se submetidas, em sua grande maioria, a regras estabelecidas pelo comerciante. Com jornadas intensas e cansativas para a coleta do coco e extração da amêndoa, as mulheres, por falta de uma política de comercialização adequada, precisam vender seu produto a preços definidos pelos comerciantes locais. Muitas são as implicações deste processo para a vida camponesa e a mais danosa é exatamente o atrelamento do trabalho aos interesses não camponeses.

Muitos caminhos foram percorridos; trilhas se entrecruzam e se distanciam, demarcando espaços e atividades produtivas. Com intenções agrícolas, grupos de trabalhadores seguiam de Caxias rumo ao oeste do estado, no sentido Codó, Pedreiras, Bacabal e Santa Inês. Em Bacabal, tomavam dois caminhos, alguns seguem para Noroeste, chegando às regiões de Alto Turi e Gurupi; outros vão no sentido Sudoeste, alcançando Santa Luzia e Imperatriz, mas também seguem o curso dos rios Mearim, Grajaú e Pindaré. Os grupos com pretensões pecuárias rumam até alcançarem a região de Barra do Corda, Carolina e Imperatriz, todos saindo também de Caxias. Ainda para a prática pecuária, outro grupo, saindo de Floriano, no Piauí, segue para Pastos Bons, São Raimundo das Mangabeiras, Riachão, Carolina, Baixo Balsas e as Chapadas do Sul até Imperatriz. (ANDRADE, 1968, citado por ARCANGELI, 1987, p.110/1)

Somava-se a estes grupos o segmento camponês resistente ao modelo escravista de produção, e que desde antes deste período já tinha se fixado de forma clandestina em áreas muito remotas do estado. Eram famílias posseiras que viviam margeando o “caminho das boiadas”, e que viu a primeira onda migratória nordestina por conta do flagelo da seca de 1877, a qual foi dividida entre o grupo que comporia a colonização do Governo Provincial, e o grupo que se decidiu por desbravar a fronteira agrícola. (PEDROSA. s/d, p.15)

Como visto, a dinâmica migratória para o estado do Maranhão já possuía registro desde a segunda metade do século XIX, porém, sua intensificação acontece

... a partir da grande seca de 1958, quando as correntes migratórias se intensificaram, alcançando maior vulto e chegando a estimar-se, no período de 1950 a 1970, um número aproximado de 700 mil migrantes que neste Estado ingressaram, com procedência principalmente do Ceará e Piauí. (RAPOSO, 1985, citada por RAPOSO, 1999, p.29)

A dinâmica pela qual estes grupos migrantes se organizavam caracterizava as chamadas frentes de expansão. Famílias excluídas da dinâmica maior da economia em sua região, desprovidas e expropriadas de suas antigas condições de trabalho, buscam terras livres, terras devolutas, terras cruas, virgens, para recomeçarem suas vidas e garantirem sua sobrevivência. Eram nordestinos, que expulsos pela crise do descenso das produções agroexportadoras brasileiras, pela crescente concentração da terra, pelo surgimento da cerca e consequente dificuldades para conseguir trabalho; mas também eram maranhenses, migrantes internos que pelos mesmos motivos procuravam terras férteis e sem riscos de serem expulsos das novas áreas.

As famílias migrantes, colonas, ao chegarem à área livre, de imediato construíam sua moradia, barracos, em geral feito de pau a pique, e tratavam de lavrar a terra, que tinha e ainda tem como prática a limpeza da parte destinada à roça, feito com o corte da mata e da floresta, a queima e o encoivaramento, que é a limpeza da área queimada, com a retirada de galhos e troncos não eliminados no processo de queima. Tudo isso para delimitar a área para o cultivo, o plantio e a colheita da produção. As produções se limitavam à lavoura temporária, principalmente arroz, milho, feijão e mandioca, que eram destinadas a atender as necessidades básicas das famílias. Esse era o objetivo das frentes de expansão: a autorreprodução da família camponesa que estava se formando.

Seguindo os rastros das frentes de expansão, contrariamente, estavam as frentes pioneiras, que são fronteiras econômicas de cunho mercadológico. Em tais frentes, diferentemente das frentes de expansão, já se encontrava “generalizada a produção de mercadorias, já estão consolidados os aparelhos jurídicos, comerciais e financeiros da sociedade capitalista e já está definitivamente implantado o regime de propriedade privada da terra”. (ARCANGELI, 1987, p.107)

A respeito das terminologias utilizadas para explicar a dinâmica das frentes expansionistas, Arcangeli (1987), analisando a colonização da pré-Amazônia, e tomando por base Moreira (s/d) classifica as frentes em três grupos: a frente pioneira, a frente de expansão e a frente monopolista, porém, Osório (s/d) apresenta uma pequena diferença em sua classificação das frentes. Para este, o avanço das fronteiras é devido à frente camponesa e à frente capitalista, sendo a última, por sua vez, dividida em duas frentes: a competitiva e a monopolista. Na essência, a diferença entre os autores está na demarcação feita por Osório quanto ao caráter e natureza capitalista das duas últimas frentes; enquanto Arcangeli as mantém separadas, dando uma leve impressão de que as duas não compõem a mesma lógica. Registra-se que a terminologia “frente de expansão” utilizada por Arcangeli é por Osório denominada “frente camponesa”.

Assim, de acordo com os autores em pauta, a maior caracterização da frente camponesa ou frente de expansão são três aspectos que dizem respeito à produção. Primeiro, a terra, cujo valor é de uso e não de troca, posto esta não ser comercializável. Depois sua relação com o mercado, que se dá através do excedente produzido: o camponês vende uma produção não consumida por si e por sua família, porém não produz mercadoria, no sentido de que não produz primeiramente para vender. E por último, o aspecto imprescindível da questão: a realização desta produção excedente

como mercadoria é necessária, fundamental mesmo para que seja possibilitada a aquisição de produtos que a produção camponesa não alcança.

Com a lógica completamente adversa à frente camponesa, a frente capitalista possui como característica fundamental a propriedade privada da terra, e sua produção é essencialmente de mercadorias, estando articulada, integrada ao mercado.

Na tipologia de Osório (s/d), na frente competitiva que compõe a capitalista, a pequena propriedade e os projetos de colonização lhes dão a consistência empírica. E, em discordância com o termo “frente pioneira”, o autor da frente competitiva argumenta que o camponês não tem condições de decisão sobre o processo de migração, pois os fluxos, segundo o mesmo, são “processos determinados pelos movimentos do capital.” (OSÓRIO, s/d, p.05)

Comum aos dois autores é a denominação da frente monopolista, cujo principal aspecto é a grande propriedade. Os dois autores trazem a importância da participação do Estado na expansão monopolista, pois a mesma se dá “pelo caráter especulativo da propriedade e pelas facilidades de obtenção de subsídios e/ou incentivos fiscais e creditícios oferecidos pelo Governo” (OSÓRIO, s/d, p.04). Moreira (1979, citado por ARCANGELI, 1987, p.108/9) é mais incisivo quanto ao papel do Estado na formação de tais frentes monopolistas. Para ele,

Esta nova frente é responsável pela ocupação dos “espaços vazios” amazônicos acionados como política governamental de integração nacional, sobretudo a partir do II PND. Caracteriza-se pela distribuição generosa de grandes extensões de terra a grandes empresas rurais, além de subvencionar a instalação destas empresas voltadas para a produção pecuária, qual novo sistema de capitanias hereditárias.

A produção nas frentes de expansão foi organizada a partir de três categorias de produtores, cuja caracterização se dá a partir de seu assentamento na terra. Nas frentes, a produção se dava preponderantemente, conforme tipologia utilizada por Arcangeli (1987, p.113/4), pelos pequenos proprietários, os arrendatários e os posseiros. Apesar de diferenças importantes entre cada grupo produtor, existem aspectos fundamentais entre eles que os unificam enquanto categoria produtiva camponesa, pois apesar das particularidades existentes, fatores centrais na relação de produção se aproximam, principalmente, no tocante à relação com a terra e com o mercado.

Isto posto, os pequenos produtores proprietários apresentam-se como legalmente donos da terra, enquanto os arrendatários são os produtores que precisam pagar a

outrem pelo uso da terra e diferentemente dos dois primeiros, os posseiros não possuem o título da terra como o primeiro, mas se negam ao pagamento de renda imposta ao segundo. De forma muito particular, estes últimos ocupam terras devolutas, ou terras livres, como também são chamadas, o que lhes exige, dentre outras coisas, uma grande mobilidade espacial, devido aos muitos e graves confrontos que se estabelecem entre estes e os interesses da frente monopolista, representada por grandes grupos empresariais que se instalaram no estado e em toda região Amazônica a partir do contexto socioeconômico em debate.

Em se tratando do caso especifico dos pequenos produtores posseiros, estes merecem a observação de que a condição destes não se restringe à ocupação de terras devolutas e livres como sugere o autor, mas também são posseiros no sentido de que têm o uso da terra, passado este de geração a geração, mas que não dispõem de documentação da mesma. Esta condição tem desencadeado uma série de ações caracterizadas pela violência, praticadas por fazendeiros e pelo próprio Estado no processo de expropriação destas terras, e que muito tem contribuído para os conflitos agrários do estado.

Conflitos estes que têm permeado todos os períodos históricos do Maranhão e que na atualidade assumem particularidades importantes por se encontrarem diretamente associados também a grandes empreendimentos econômicos, que, para garantir a ampliação de seus lucros têm investido na prática expropriatória de terras camponesas, gerando conflitos acirrados e intensos. Muitas têm sido as denúncias das organizações e movimentos sociais sobre os impactos e violências impostos a comunidades rurais, por exemplo, de projetos como a duplicação da Ferrovia Carajás. Também têm sido públicas as atribuições ao grande capital a assassinatos de lideranças camponesas, negras e indígenas34 no estado.

O longo e intenso processo de expropriação das terras dos posseiros acabou por engrossar o contingente de outro grupo que é o de trabalhadores rurais sem terra, grupo que não mais possui terra, mas que continua sendo do campo. Caso diverso, por não constituir-se o grupo de posseiros, mas tão emblemático quanto, é o caso recentemente

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Conforme consta em matéria-denúncia intitulada “Rastro de destruição até em reserva indígena”, feita pelo jornal O Globo, em 3 de maio de 2012, no Maranhão, “nove caciques estão jurados de morte por denunciarem a derrubada de mata nativa e a ação dos traficantes, que amedrontam ou aliciam indígena. Dois líderes indígenas já foram assassinados este ano.” As lideranças assassinadas foram Francisco Guajajara, em março, e Maria Amália Guajajara, em abril. A matéria em referência encontra-se disponível em http://oglobo.globo.com/rio20/rastro-de-destruicao-ate-em-reserva-indigena-4888822 e foi acessada em 13 de junho de 2012.

mostrado nos meios de comunicação estaduais, de indígenas guajajaras que se encontram em condição de extrema miséria fora de sua reserva, sobrevivendo do lixão da cidade de Grajaú. Tal caso explicita muito bem a situação em que se encontram os indígenas no Maranhão: expropriados de suas terras, grupos indígenas são transformados em indigentes em periferias urbanas.

E esta condição é a condição que mais caracteriza as famílias que ocuparam a fazenda Califórnia. Famílias, em sua maioria, expropriadas das condições de trabalho na terra, empurradas, expurgadas da dinâmica da produção camponesa pelas mais diversas práticas de interesses dos fazendeiros, foram transformadas em famílias sem terra, e que em algum momento de suas vidas, se encontram e se organizaram em torno da causa comum da luta pela terra.

E tal condição advém do caráter da relação que o camponês posseiro historicamente estabeleceu com a terra, pois, considerando

... a terra como um instrumento de produção, com valor de uso, os camponeses não tiveram preocupação com as questões relacionadas à regularização jurídica das áreas por eles ocupadas. É provável que tampouco essas preocupações tivessem mudado o rumo de suas histórias de vida. O acesso aos trâmites legais para esse tipo de regularização, por um simples cidadão comum “era” intransponível à medida que tornava necessário, entre outros fatores, o conhecimento da legislação vigente sobre o assunto, tempo e recursos financeiros disponíveis e o tão legitimado trafico de influências. (RAPOSO, 1999, p.31)

As diferenças, no que se refere ao assentamento na terra destes grupos, não os diferenciam no tocante à sua relação com a terra, posto que é comum a todos o caráter desta relação, sendo a terra meio fundamental de produção de alimentos, de produtos com uso de valor, não havendo entre eles a produção de mercadorias, apesar destes grupos também se caracterizarem por uma relação estabelecida com o mercado. Fato este que se manifesta na segunda característica principal deste segmento produtivo.

Os camponeses se relacionam com o mercado, mas o fazem a partir da sua produção excedente. Eles vendem o que lhes sobra da produção, para que esta lhes possibilite a aquisição de outros produtos não produzidos por eles. Em suma, eles não produzem valor de troca, mas sim valor de uso que se realiza enquanto mercadoria, mas apenas em um segundo plano produtivo, e na perspectiva de reprodução da unidade familiar e não de lucro.

Mas, a comercialização da produção excedente não acontece de “forma tranquila e harmoniosa”, conforme rege a cartilha do mercado. Muitas vezes, longe da lei da oferta e da procura características do livre comércio, este segmento produtivo, e especialmente os produtores arrendatários, se viam na obrigação “moral e física” de vender seus produtos ao proprietário da terra. Via de regra, as relações comerciais se concretizavam no famoso “barracão” existente em todas as grandes fazendas. Lá, os arrendatários entregavam seus produtos, com o importante detalhe de que seu preço era fixado pelo proprietário da terra, além de que ali mesmo compravam os produtos que não produziam.

E, as famílias camponesas assentadas no assentamento Califórnia não foram eximidas deste processo, pois a base das relações anteriormente por elas vivenciadas compunha o quadro geral das relações do campo no Maranhão. Em regra, as famílias são coagidas a venderem seus produtos para o “patrão” fazendeiro e a comprar dele pelo menos grande parte dos produtos que não dispõem.

Assim, o feijão, o arroz, o milho, a mandioca e o babaçu se transformavam em produtos como o açúcar, café, tecidos, instrumentos de trabalho, insumos e tudo mais que “precisassem”, claro, estes ao preço estabelecido pelo proprietário da terra, longe das regras gerais do mercado. Tal prática é ainda hoje ponto de grandes conflitos entre estas classes antagônicas do campo, pois além da obrigatoriedade desta relação, muitos são os registros de violência contra quem se atreve a desobedecer tal “lei” instituída pelos fazendeiros, sendo muito comum que trabalhadores ainda hoje permaneçam na condição de devedores junto ao fazendeiro por conta destas relações a eles impostas.

Como detalhe a destacar é que como os preços, tanto da compra quanto da venda feita em nome do fazendeiro, são estipulados por este, invariavelmente as famílias camponesas figuram como devedoras, pois o que estas vendem são sempre compradas com preço muito baixo, enquanto que os produtos a elas vendidos são repassados em valores exorbitantes. Tal prática encontra-se de forma tão arraigada no cotidiano das famílias trabalhadoras do campo, que mesmo dentro da organização produtiva dos assentamentos pode ser encontrada, sendo estabelecida, em regra, com o comerciante da região, que pode ser um fazendeiro ou não. No entanto, o que fica claro é que, obviamente, este contexto resulta da fragilidade da política agrária instituída no país, a qual encontra-se permeada de contradições, limites e complexidades. E, o atrelamento de práticas produtivas de assentamentos de reforma agrária a estas relações de

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