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Negociação coletiva e mercado de trabalho – as linhas dinâmicas de uma

No documento Carlos Eduardo Oliveira Dias (páginas 138-179)

as linhas dinâmicas de uma relação complexa

“No princípio...era o Verbo. Estávamos ainda por fazer. Simples possibilidades de vida, todos nós – homens, estrelas, samambaias e formigas – nos comprimíamos num minúsculo ponto de energia,

muitíssimas vezes menor do que a cabeça de um alfinete. De repente, o Verbo se fez carne: não se sabe

como nem por quê, o pequeno núcleo se expandiu e explodiu, dando luz ao Universo.

“Essa nossa origem – comum e explosiva – talvez tenha algo de simbólico. Ela parece indicar que a Natureza é harmonia, mas também conflito; mais propriamente, é harmonia que nasce do conflito...”

a. Negociação e conflito: marcos diretivos das relações de trabalho

Desde que concebido, sob o ponto de vista doutrinário, o Estado é tratado como sendo instrumento de satisfação do Bem- Comum de seu povo, em definição uníssona da melhor doutrina (Dallari, 1986 p. 15). A propósito, com esse enfoque, seria atividade própria do Estado a "gestão" das relações interpessoais, do que decorrem as regras legais de conduta à qual devem se submeter os cidadãos. Consoante já descrito neste trabalho, o incremento do liberalismo individualista como norte político e econômico das democracias centrais do século XVIII minimizou a relevância do papel do Estado nas relações privadas, para as quais restou marcado o primado do contratualismo, reservando-se apenas os matizes constitucionais

elementares.180

Mas a superação da hegemonia do individualismo liberal, com a construção de um novo modelo de relações institucionais, inclusive promovendo a participação do Estado nas relações trabalhistas, trouxe outra dimensão para o problema: a própria origem das estruturas normativas do Direito do Trabalho está relacionada com um processo imanente de negociação, como conseqüência direta da organização política promovida pelos trabalhadores. Assim, de forma cíclica, os mesmos movimentos que historicamente motivaram a interferência do Estado nessas espécies de relações privadas, em outro momento histórico suscitam a necessidade de maior amplitude no poder negocial com os empregadores, como a mais autêntica e dinâmica forma de solucionar os conflitos de trabalho. “Pode-se

180 “O liberalismo clássico, ou liberalismo em sua forma histórica original, pode ser toscanamente

caracterizado como um corpo de formulações teóricas que defendem um Estado constitucional (ou seja, uma autoridade nacional central com poderes bem definidos e limitados e um bom grau de controle pelos governantes) e ampla margem de liberdade civil (...)”. (Merquior, 1991 pp. 35-36)

dizer, sem medo de errar que, se o Direito do Trabalho surgiu do movimento coletivo e espontâneo dos trabalhadores (e obrigou a intervenção estatal ‘com a finalidade de recompor a eqüidade’ e ‘intervém contra a natural depredação do estoque de mão-de-obra’) o Direito Coletivo do Trabalho é uma nova qualidade deste movimento, que se tornou organizado e juridicamente reconhecido” (Genro, 1988 p. 16). A partir dessa nova conformação é que

identificamos a estrutura substancial do Direito Coletivo do Trabalho, no ventre do qual exsurgem os chamados modelos de composição de conflitos trabalhistas, como figuras nucleares desse ramo justrabalhista, já que a função primordial do Direito Coletivo é regular e gerir meios de solução dos conflitos

coletivos de trabalho, com vistas à melhoria da condição social da classe trabalhadora.181

Dessa maneira, temos que as relações de trabalho foram formadas e estruturadas tendo como pressuposto a contraposição entre dois elementos fundamentais: o conflito e a negociação. Desde o estabelecimento das classes sociais consolidada a partir da Revolução Industrial, o conflito de interesses é um dado inerente às relações laborativas, como decorrência, de um lado, da busca por maior acumulação de capital, e de outro, da luta pela melhoria das condições sociais e de trabalho. Embora seja comum a negação da natureza conflituosa das relações de trabalho, a investigação socioeconômica dos fenômenos que delas decorrem nos levam a conclusões distintas. Já no século XIX, Marx registrava a presença do argumento de que os interesses de classes são comuns entre o operário e o capitalista:

“Quando se diz que os interesses do capital e os interesses dos operários são os mesmos, isso significa apenas que capital e trabalho assalariado são dois aspectos de uma mesma relação. Um condiciona o outro como o usurário e o perdulário se condicionam reciprocamente.

181 Delgado aponta que as funções do Direito Coletivo do Trabalho associam as funções gerais do Direito

do Trabalho (“melhoria das condições de pactuação da força de trabalho na ordem socioeconômica”) com uma específica função de “pacificação de controvérsias reais de caráter comunitário, afastando a res dubia existente, através da efetiva transação coletiva, em que se concedem, reciprocamente, vantagens às partes coletivamente representadas”. (2001, p. 24)

“Enquanto o operário assalariado for operário assalariado, a sua sorte dependerá do capital. Essa a tão enaltecida comunhão de interesses entre o operário e o capitalista”. (2006 p. 51)

Mas, com toda a autoridade de seus estudos econômicos sobre o incipiente capitalismo refutava, tais postulados, com assertivas que ainda hoje se mostram absolutamente pertinentes:

“Afirmar que o operário tem interesse no rápido crescimento do capital significa apenas afirmar que quanto mais depressa o operário aumentar a riqueza alheia, tanto mais gordas serão as migalhas que sobram para ele; quanto mais operários possam ser empregados e se reproduzir, tanto mais se multiplica a massa dos escravos dependentes do capital.

“Vimos, portanto, que, mesmo a situação mais favorável para a classe operária, o crescimento mais rápido possível do capital, por muito que melhore a vida material do operário, não suprime a oposição entre os seus interesses e os interesses burgueses, os interesses do capitalista. Lucro e salário permanecem, tal como antes, na razão inversa um do outro.

“Quando o capital cresce rapidamente, o salário pode subir, mas o lucro do capital cresce incomparavelmente mais depressa. A situação do operário melhorou, mas às custas da sua situação social. O abismo social que o separa do capitalista ampliou-se”. (Marx, 2006 p. 58)

Se o foco marxista a respeito do conflito tem como

pressuposto a luta de classes182, também dentre os defensores do pensamento

liberal há o reconhecimento de que qualquer grupo ou sistema social são marcados por conflitos visto que a desarmonia e o desequilíbrio constituem a regra nas relações sociais, porque “através dos Conflitos surgem as mudanças

e se realizam os melhoramentos.” (Bobbio, et al., 2007 p. 226).

182 O que, a rigor, pode parecer uma contradição: uma vez que o objetivo do proletariado é assumir os

meios de produção e eliminar a divisão de classes (Marx, et al., 1986), o fim do conflito seria uma decorrência natural disso. No entanto, para Marx & Engels, a luta entre burguesia e proletariado é a grande alavanca da mudança social, representando o “Conflito para acabar com todos os Conflitos” (Bobbio, et al., 2007 p. 226), verbete Conflito

Embora respeitáveis, as teses que negam ou que relativizam o caráter conflituoso das relações de trabalho padecem de um vício insuperável: não consideram que o conflito é da essência das relações humanas, marcadas que são pela dualidade identificada no escrito de Márcio Túlio Viana. Citando Boff, ele assinala que “a Natureza nem sempre é dócil,

suave e boa: é mistura de beleza e dor, união e rupturas, desacertos e reajustes. (...) ‘Nela, há vida e morte em profusão.’ A busca do equilíbrio é eterna – não importa o preço” (Viana, 2000 p. 116). Ao lado disso, como já

traçado por Marx, as relações de trabalho constituem a espécie mais fértil para florescimento do conflito, sobretudo porque, desde sua formação original traz consigo uma contradição: a consagração do trabalho livre em substituição ao

trabalho escravo não conferiu ao trabalhador o atributo da liberdade, pois a

nova ordem produtiva permitiu-lhe trabalhar em troca de uma remuneração, mas relegou-lhe a condição permanente de subordinado aos interesses do capital. Assim, o trabalho livre moldado pelo regime capitalista não concede o direito de escolha em face do trabalho, porque o trabalhador, além de se

subordinar às diretrizes do mercado de trabalho para obter uma colocação183,

ao ser empregado, passa a atuar na exclusiva dependência do empregador.184

Isso sem contar nas situações em que, por absoluta falta de opção, vê-se o trabalhador obrigado a trabalhar de maneira precária ou atípica, com relações “paracontratuais”, apesar de, conceitualmente, estar inserido na condição de

empregado.185 É também o que pensa Viana, quando diz que “como os sabiás

183 Essa é uma realidade da qual não conseguimos nos afastar, nem mesmo em um momento histórico em

que são amplamente valorizados os direitos fundamentais e a preservação da dignidade humana. Um dos exemplos dessa subserviência pré-contratual se revela pelo fato de muitos trabalhadores, especialmente aqueles que exercem atividades especializadas ou gozam de qualificação profissional, não ingressarem com reclamações trabalhistas contra seus empregadores, mesmo tendo sido lesionados em seus direitos trabalhistas, com o (fundado) receio de serem segregados no mercado de trabalho.

184 Dependência essa que, além de econômica, devido ao caráter de subsistência do salário do empregado,

também se espalha por outras dimensões, como o alheamento às técnicas produtivas, que resultam em uma atividade cada vez mais segmentada por parte do trabalhador, não permitindo que ele acompanhe a dinâmica completa dos meios produtivos de seu empregador. Com isso, ampliam-se as suas dificuldades de atuação em outros setores da empresa ou mesmo em concorrentes de seu empregador, fatores que resultam na sua imobilidade profissional, tornando-se dependente do empregador, na verdadeira “subsunção do trabalho ao capital”, que já abordamos no capítulo 1.

185 Estamos nos referindo, aqui, a contratações de trabalhadores como autônomos, ou “autônomo-

dependentes”, ou ainda com falsos cooperados, estagiários e outras modalidades comumente utilizadas como tentativas de afastamento da proteção própria do direito do trabalho. Nesse sentido, há interessante estudo (Vasapollo, 2005), no qual o autor apresenta um panorama das distintas formas de precarização do trabalho, com ampliação do que ele chama de “trabalho-atípico” em diversos países de capitalismo

e as flores do campo, o homem ‘é um ser para a liberdade.’ Mas tal como as formigas-amazonas, é também um ser que oprime. O sistema capitalista mostra muito bem essa contradição ao inventar o trabalho livre e ao mesmo tempo subordinado” (2000 p. 117).

Dentro dessa complexa relação, é impossível não se encontrar a imanência do conflito. As concertações possíveis entre as classes econômicas e sociais não harmonizam em definitivo essas relações; apenas representam a superação de uma fase, que será sucedida por outro conflito, sucedido por nova superação e por outro conflito, de forma infinita. Isso faz com que, “no campo do trabalho, os conflitos não sejam patológicos (...), mas

naturais. Estão no próprio coração do sistema” (Viana, 2000 p. 118). O

resultante é um paradoxal problema: a ocorrência do conflito é fator de instabilidade das relações, mas constituem um pressuposto da sua re- estabilização. Logo, qualquer quadro de mudança social só ocorre a partir do reconhecimento do conflito e das formas de sua superação e, mais do que em qualquer outro tipo de relação social, vemos com clareza que, em relações de

trabalho, o “conflito é vitalidade”. 186

Com isso, assumirmos que o conflito está na essência das relações de trabalho é um postulado fundamental para o reconhecimento do seu próprio desenvolvimento. A eliminação desse conflito, ao contrário do que defendem os precursores do “consenso social”, não é fator de aperfeiçoamento das relações sociais. É, sim, um artificial instrumento de alienação da classe trabalhadora, resultando na inevitável interdição dos seus

propósitos revolucionários.187

central, sobretudo na Itália. No contexto desse levantamento, ele também demonstra como isso vem contribuindo para a ampliação da pobreza típica: “Muitos estudos recentes, na Europa e nos Estados Unidos, têm evidenciado como nas últimas décadas o problema das novas formas de pobreza e é atribuído não tanto e não apenas a quem não possui uma renda ou um trabalho regular e regulamentado, mas, sobretudo àqueles que, mesmo trabalhando, não conseguem ter certezas de seus direitos e de alcançar um patamar médio de renda que possa garantir-lhes um nível de vida adequado”.

186 Novamente é Viana quem melhor explicita essas idéias. Nesse sentido, ele cita uma frase de R.

Dahrendorf, que afirma serem os conflitos “indispensáveis como fator do processo universal de mudança social.” A expressão final é de Gianfranco Pasquino, na obra já citada.

187 Aqui, não se fala em revolução no seu sentido mais comum, tratado por Arendt (1988 p. 38), que a

Não por acaso que uma das práticas organizacionais mais comumente observadas desde o fim do século XX tem sido a tentativa de “desqualificação” do conflito nas relações individuais de trabalho. Sob o pretexto da integração do trabalhador à instituição empresarial, as novas formas de gestão de recursos humanos recomendam o uso de expressões como “colaborador”, “agregado”, “associado” ou “integrante”, em substituição à clássica referência a “empregado”, adotada inclusive pela CLT. O que se vê é a transformação das empresas em verdadeiros centros produtores de ideologia, usando-se expressão citada por Viana: “Por meio de vários mecanismos de

recompensa real ou simbólica (medalhas, afagos, prêmios, promoções) cativa seus corações e mentes” (2005 p. 387).

O que isso revela é um processo de alienação do

trabalhador ao inerente conflito de sua relação com o empregador.188 Ao

oferecer-lhe novos substantivos, o empregador, na realidade, está adjetivando o trabalhador, fazendo com que ele se veja como seu “parceiro” ou “cúmplice”, quando não o é. Continua ele subordinando sua força de trabalho e todos os seus demais atributos à exclusiva vontade empresarial. A “parceria” assim desenhada desaparece ao primeiro movimento tendente a alterar a rotina de acumulação capitalista. Demais disso, inserem o trabalhador em um conceito que não lhe pertence, mas que ele assimila, derruindo qualquer sentimento de

chamado status quo, cuja manutenção só interessa àqueles que estão se beneficiando permanentemente dele. Aos demais, do contrário, resta a insurgência, a revolta, a irresignação, sem o que não é possível haver qualquer evolução. Isso é a essência do “direito de resistência”, tão bem descrito por Viana, em obra que leva esse nome. Nesse sentido, em que pese a força do vocábulo “revolução”, talvez fosse mais apropriado o uso de revolta; no entanto, essa expressão também é equívoca e poderia dar um sentido diverso do ora empregado. A propósito, o assunto também foi bem desenvolvido por Albert Camus (O homem revoltado).

188 A alienação, aqui, é entendida como “o processo pela qual alguém ou alguma coisa é obrigado a se

tornar outra coisa diferente daquilo que existe propriamente no seu ser”, conforme definição de P. Chiodi, citado por Pianciola (Bobbio et alii, 2007), verbete Alienação. Pianciola ainda registra que a alienação designa, frequentemente, “uma situação psicossociológica de perda da própria identidade individual ou coletiva, relacionada com uma situação negativa de dependência e de falta de autonomia” e, particularmente, no tocante aos trabalhadores, representa a sua integração à estrutura técnico- hierárquica da empresa individual, “através de tarefas puramente executivas e despersonalizadas”. (idem, p. 22). A situação que descrevemos é uma “evolução” da perspectiva consolidada sobretudo a partir de meados do século XX, quando se estabeleceram as bases contemporâneas do fenômeno alienação- reificação no mundo do trabalho, especialmente depois do incremento do taylorismo-fordismo. A idéia consubstanciada por Marcuse na década de 50 adquiriu novas dimensões a partir do globalismo do fim do século, marcado pela necessidade de ampliação da competitividade e da produtividade nas empresas. A esse respeito, v. Mészáros, A teoria da alienação em Marx, publicado no Brasil pela Editora Boitempo.

solidariedade de classe que ele pudesse trazer consigo: na realidade, ele enxerga o seu colega de trabalho como um “concorrente que deve ser

vencido”. O que se vê, a partir desse foco, é que a solidariedade do trabalhador

alienado é canalizada para os interesses da empresa e se torna evidente “não

só quando outra quer destruí-la – mas também quando outros, iguais a ele, ameaçam greves ou sabotagens” (Viana, 2005 p. 389).189 Logo, são apenas concertações verbais, de efeito psicanalítico, que causam um “envolvimento manipulatório”, destinado a ocultar do trabalhador a verdadeira condição de subordinação que carrega; a fragmentar a organização operária, introjetando um sentimento de concorrência entre os trabalhadores, em prejuízo da

solidariedade de classe190 e a minimizar a importância do conflito que, como

dissemos, é o motor da evolução do próprio direito.191

De outra parte, desde o princípio de sua organização celular, a sobrevivência da classe trabalhadora sempre dependeu da sua capacidade de mobilização e de reivindicação, especialmente nos períodos de

ausência regulatória por parte do Estado.192 Isso faz com que as relações de

trabalho, quando enxergadas em seu formato supra-individual, tragam consigo outro atributo genético, aquilo que hoje nominamos negociação coletiva, entendida como um dos processos utilizados para a solução dos conflitos de

189 O cineasta Costa-Gavras descreveu de forma muito interessante esse embate concorrencial que o

capitalismo contemporâneo instaura nos trabalhadores, destruindo qualquer perspectiva de solidarismo. Em seu filme “O Corte” (Le Couperet) narra a história de Bruno Davert que, depois de quinze anos como executivo de uma empresa é demitido, por razões de “reestruturação antes da recolocação” e, após três anos desempregado, considera como única alternativa viável para obtenção de um novo emprego o assassinato de seus principais concorrentes desempregados e empregados, para deles obter o posto de trabalho.

190 Genro já observava essa particularidade do modo de produção capitalista muito antes da revisitação

liberal verificada a partir dos anos 80. Em texto do final da década de 1970, assinalou as proposições que sintetizariam a disciplina do trabalho, em seu modo de ver, dentre as quais: “os trabalhadores se autopoliciam através de um mecanismo de transferência de mais-valia, imposto pelo capitalista, que busca, com sua política de remuneração, estimular a não-identidade entre os membros das classes trabalhadoras” (Genro, 1979 p. 65)

191 A expressão é de Antunes (2007 p. 43), que relaciona essa prática à forma de produção flexibilizada,

que busca a adesão pelos trabalhadores que devem aceitar integralmente o projeto do capital: “Procura-se uma forma daquilo que chamei, em Adeus ao Trabalho?, de envolvimento manipulatório levado ao limite, onde o capital busca o consentimento e a adesão dos trabalhadores, no interior das empresas, para viabilizar um projeto que é aquele desenhado e concebido segundo os fundamentos exclusivos do capital”.

192 Essa questão já foi desenvolvida no Capítulo 1 deste trabalho, em que ressaltamos as motivações

políticas de surgimento do Direito do Trabalho, mais particularmente a descoberta, pela classe operária, da chamada ação coletiva, em detrimento da até então presente ação individual, como mecanismo de normatização autônoma, na inexistência da regulação estatal.

trabalho. Afinal, quando esses conflitos são de natureza coletiva, eles não decorrem da necessidade de aplicação do direito, mas sim da necessidade de

construção ou reconstrução de um direito, em termos que a legislação

heterônoma ainda não alcançou.

Sendo assim, instaurado um conflito coletivo de trabalho, e não sendo de interesse específico ou geral da comunidade envolvida que ele se eternize ou permaneça sem solução, o caminho natural para sua conformação é a instauração de um processo de negociação que possa estabelecer as bases consonantes com os interesses envolvidos. Portanto, conflito e negociação são duas estruturas fundamentais nas relações de trabalho que, de um lado, não podem ser vislumbradas senão como fatores a elas inerentes e, de outro, também são fenômenos que não podem ser enxergados de maneira isolada ou desconexa. Mais uma vez nos socorremos por meio da referência poética produzida por Viana que, de maneira singular e delicada, mas absolutamente precisa, pontifica: “do mesmo modo que a

crisálida traz em seu corpo o DNA da borboleta, o conflito também carrega nas entranhas os elementos formadores do novo Direito: quando tudo corre bem, ele próprio – o conflito – se transforma em convenção” (Viana, 2000 p. 118).

Portanto, não há nenhuma heresia na afirmação de que a negociação incidente sobre os interesses dos sujeitos coletivos das relações de trabalho é um marco diretivo dessas relações, ao lado do também inerente conflito de interesses antes já descrito. Essa inerência revela um certo

estado natural do que poderíamos chamar de direito à negociação, que não

surgiu dos fenômenos regulatórios ulteriormente verificados, mas é algo que está presente nas relações de trabalho como contraponto natural e necessário ao conflito. Dizendo-se de outro modo, não se pode compreender as relações de trabalho nem os fenômenos que delas decorrem sem admitirmos que em sua essência estão os conflitos de interesses entre o capital e o trabalho, que

No documento Carlos Eduardo Oliveira Dias (páginas 138-179)

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