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CAPÍTULO 4 CRIMINALIZAÇÃO E CASTIGO SOBRE A PRÁTICA CULTURAL AFRO-BRASILEIRA

4.1. O negro no Rio de Janeiro

O ano de 1565 foi o marco oficial para a fundação da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, em meio a duras batalhas envolvendo franceses e lusitanos pelo domínio territorial. No entanto, a região nordestina permaneceria desempenhando a função de destaque no cenário colonial em razão da produção canavieira, atividade esta que levou os comerciantes escravistas a preferirem ofertar suas mercadorias nas áreas localizadas na parte mais ao norte da colônia, em detrimento do sudeste.

Foi por conta da irregular oferta de escravos africanos, associado à ausência de capital de giro nas mãos de muitos colonos que viviam na

capitania em questão, que a mão-de-obra indígena foi usada predominantemente no sudeste fins do século XVII.

Em 30 de junho de 1609, Felipe III da Espanha promulga a lei que declara livres todos os gentios do Brasil, mantendo sobre eles a jurisdição dos jesuítas, a quem confia sua catequese e civilização. Começa uma disputa legal que vai se estender até o século XVIII. Esta lei provoca graves conflitos na capitania do Rio de Janeiro, onde a mão-de-obra indígena é indispensável. Não apenas no trabalho agrícola (nos engenhos e plantações), mas também na cidade do Rio de Janeiro, os índios prestam inestimáveis serviços na distribuição de água nas casas e no trabalho em obras públicas, como na construção do aqueduto da Carioca (SOARES, 2000, p. 65).

E completa:

A cidade do Rio de Janeiro tem, no início do século XVII, por volta de 3.850 habitantes, então contados como “almas”: em torno de 750 portugueses, cerca de 100 africanos e os 3.000 restantes distribuídos entre índios e mestiços (SOARES, 2000, p. 65).

Retomando o que foi apresentado no capítulo anterior, o Rio de Janeiro obteve ao longo dos séculos uma gradativa importância econômica e política no cenário brasileiro, sobretudo no século XVIII, período de grande importância para extração aurífera na região das minas gerais.

A importância da cidade não se fez presente apenas em função do alargamento das relações econômicas que nela se realizavam, tão pouco através do crescimento demográfico e urbano, mas sim através do aumento do número de escravos ao longo do século citado no parágrafo anterior, o que por sua vez causou a substituição da mão-de-obra indígena pela africana. A presença daquele grupo étnico em terras cariocas foi responsável por significativas alterações de ordem sócio-cultural.

Muito embora a produção açucareira permanecesse como o maior e mais rentável produto da balança comercial brasileira, a extração aurífera despertara o anseio pela obtenção de riquezas em um curto prazo. E para levar a efeito tal empreendimento foi necessário aumentar a quantidade de mão-de- obra na região extratora.

Como resultante dessa situação o Rio se tornaria o maior importador de escravos no século XVIII, superando as regiões nordestinas o que, por sua vez, proporcionou rendimentos não só aos envolvidos diretos no tráfico, mas em toda a rede que circundava esta atividade.

Foi naquele mesmo centenário que o Rio se tornou sede da administração colonial tornando-se ponto de convergência político-econômica da colônia à medida que a região sudeste suplantara as demais ao passo que

a extração aurífera foi praticada efetivamente, conseqüentemente permitindo a proliferação do número de casas comerciais. Esse ritmo crescente foi incessante ao longo dos séculos posteriores, sendo potencializado com a vinda da família imperial portuguesa e posteriormente com o advento do regime imperial brasileiro. O Rio tornou-se então o pólo econômico do Brasil.

Segundo Alencastro:

Para se ter uma idéia da densidade de atividades concentradas na cidade do Rio de Janeiro, considera-se que sua renda tributária municipal – referente aos impostos e taxas recolhidos pela Câmara – superavam, em 1858, a renda municipal do conjunto de cidades de qualquer uma das vinte províncias do Império. No plano externo, convém lembrar que o porto fluminense – numa época em que o comércio internacional fazia-se apenas por via marítima – apresentava-se como escala quase que obrigatória dos navios que singrassem do Atlântico Norte para os portos americanos do Pacífico e vice-versa. No plano inter-regional, o Rio de Janeiro constituía o ponto de encontro e de redistribuição da economia nacional. Metade do comércio exterior brasileiro passa pelos cais cariocas durante o século XIX. (ALENCASTRO, 1998, p. 24).

Com base nestas informações nota-se a razão pela qual o Rio de Janeiro se torna um pólo centrípeto de indivíduos que partiam das mais diversas regiões de dentro e de fora do país.

Foi também em razão desse significativo volume comercial que houve o desenvolvimento da classe burguesa em meio àquela sociedade, o que fora determinante para o afloramento de uma nova concepção de sociedade e que acarretaria em mudanças para todos aqueles que habitavam a cidade. E é justamente com esta perspectiva que objetivamos fazer nossa análise.

A capital do Brasil se configurou em um local efervescente com pessoas provenientes de variadas localidades, através de navios vindos de regiões distantes e que ao aportar em nossos portos despejavam, e embarcavam, inúmeros produtos capazes de incrementar o comércio. A entrada e a saída de indivíduos e artigos comerciais proporcionaram o aumento da arrecadação para os cofres públicos. No plano metafísico, a cidade tornara-se um mosaico cultural, visto que tornou-se morada, ou pelo menos estada, para diferentes grupos étnicos e seus hábitos.

E sendo assim, Rio de Janeiro que possuía de grande destaque tornou- se concomitantemente aquele onde se encontrava em suas vias urbanas a larga presença das tradições populares (muitas delas com tradições genuinamente africanas), rechaçadas pela elite.

Mariza Soares fez estudo de grande fôlego sobre a presença de negros mina na capital colonial durante o século XVIII. O citado trabalho apresentou a existência de irmandades religiosas, manifestações onde se observa a miscigenação entre a cultura cristã (européia) e africana.

Na primeira metade do século XVIII existem, no Rio de Janeiro, pelo menos quatro devoções de pretos-minas: duas na Igreja de Nossa Senhora do Rosário (Santo Antônio da Mouraria e Lampadosa) e outras duas na Igreja de São Domingos (Santo Elesbão e Santa Efigênia e Menino Jesus) (SOARES, 2000, p. 90).

A contribuição cultual dos negros para a formação da cultura carioca foi sobremaneira importante. Pelas ruas da cidade encontravam os escravos domésticos a serviços de seus senhores, os de ganho produzindo sua féria diária e os pretos livres desempenhando funções diversas.

A partir do último quartel do século XIX começaram debates mais aprofundados sobre a legalidade ou não da escravidão. Muitos juristas da época se debruçavam sobre o assunto, travando verdadeiras batalhas acadêmicas entre os catedráticos. No entanto nos debates não se discutia profundamente as questões morais da escravidão, mas sim sua condição jurídica.

4.2. As teorias do branqueamento: pensamento europeu na nação de