• Nenhum resultado encontrado

Assim como em São Paulo e no Rio de Janeiro a modernidade e a industrialização, do final do século XIX, começaram a despontar na sociedade paranaense, neste período foram construídos os edifícios mais representativos do patrimônio histórico pertencente ao Paraná.

Curitiba, a capital da Província, passou pelo processo de modernização, edifícios foram construídos com toda a imponência que a época exigia, as ruas foram alargadas e pavimentadas. “[...] A cidade deixava seu ar provinciano e adornava-se com sobrados mais leves e elegantes. Por toda a urbe e até fora de seu quadro, valorizavam-se os terrenos e surgiam novas construções” (TRINDADE; ANDREAZZA, 2001, p.65). Os lucros com a exportação da erva-mate propiciaram a instalação da rede elétrica e o desenvolvimento do comércio urbano.

FIGURA 20 - Cidade de Curitiba em 1905

Fonte: Acervo da Fundação Cultural de Curitiba

A erva-mate fomentou a criação de novas indústrias e dinamizou o comércio (PROSSER, 2004). Comparando-se o arrecadamento de impostos, originados com a produção d erva-mate no Paraná, pode-se notar a grande evolução do produto durante os anos iniciais da instauração da republica no País.

Em 1892-1893 o mate contribuía com 30% do total de imposto sobre exportações na receita estadual enquanto que em 1902 com 47% do total imposto sobre exportações. Em 1902 a extração do mate contribuía com 98% do total das exportações, era responsável por mais de 40% do total da arrecadação do estado (PADIS, 1981, p. 57).

Na capital paranaense ocorreram grandes modificações, configurou-se um momento de ascensão da burguesia e do desenvolvimento do capitalismo. No desenho urbano o desenvolvimento foi representado pelas grandes mansões que foram construídas pelos ervateiros, uma vez que, “[...] a erva-mate se constituía na atividade condutora de todo o conjunto da economia paranaense assumiu uma importância extremamente considerável” (PADIS, 1981, p.54). Além da erva-mate, a madeira foi outro produto que constituiu a economia paranaense, nas primeiras décadas do século XX. A implantação de indústrias madeireiras possibilitou o beneficiamento do pinho e a inserção do Paraná na economia capitalista em desenvolvimento no País.

Uma das primeiras indústrias implantadas pertencia aos irmãos Rebouças. Também o Barão do Serro Azul iniciara atividades com o beneficiamento de madeira. A economia madeireira atraíra inclusive capital estrangeiro. Entre esses capitais, principalmente ingleses, estavam a Brazil Railway. A subsidiária desta empresa Inglesa, a Southern Brazil Lumber Colonization, controlava cerca de 3.000.000 hectares de terras, passando a exportar madeira (SZESZ, 1997, p.75).

Além do comércio exportador, o setor madeiro desenvolveu também a economia local com a instalação de serrarias movidas a vapor, com o beneficiamento das madeiras, produção de cabos para vassouras, palitos de fósforos, entre outros produtos, gerando o acúmulo de riquezas no Estado. Os grandes palacetes construídos pela classe dominante, econômica e politicamente, representaram a prosperidade adquirida por meio do lucro com o comercio da erva mate e da madeira. Na área interna era possível perceber “[...] madeira, dourados, veludo e cristais. [...] os sobrados que se erguiam abrigavam, por sua vez, os representantes das novas camadas médias que se disseminavam: pequenos industriais, comerciantes ou profissionais liberais” (TRINDADE; ANDREAZZA, 2001, p.69).

Entretanto, paralelamente ao desenvolvimento econômico, assim como em outras regiões do Brasil, o Paraná apresentova um panorama de pobreza, uma massa de trabalhadores pobres que se aglutinaram no espaço urbano. As moradias que eles ocupavam eram precárias, em sua maioria feitas de madeira, nas quais o conforto e condições higiênicas mínimas eram inexistentes. E mesmo na Capital existia o contraste entre aqueles que tinham recursos financeiros e os que nada possuíam.

Sem nenhuma alternativa no mercado de trabalho, ex-escravos e seus familiares viviam desempregados ou agregados a famílias com condições financeiras onde trabalhavam sem nenhuma regulamentação em trabalhos domésticos não remunerados (PATTO, 1999). A população negra ficou à margem da sociedade, [...] “Viveram dentro da cidade, mas não progrediram com ela e através dela” (IANNI, 1972, p.28). A abolição foi uma falácia, utilizou-se do discurso baseado na igualdade, fraternidade e liberdade, entretanto, não passou de um engano. O negro paranaense passou a ser estereotipado como vadio e desordeiro, aquele que mendigava e se prostituía nas ruas das cidades.

[...] as massas negras foram abandonadas nas mais pobres e impossíveis condições de vida, do que resultou a altíssima taxa de mortalidade. Resultado: uma população progressivamente mais branca, sobretudo nas áreas urbanas ao sul do país. Contudo, a imensa maioria da população brasileira, confinada nas áreas rurais e nas favelas, cortiços, alagados, mocambos e conjuntos residenciais urbanos, continua negra; uma persistente, irritante maioria que insiste em sobreviver apesar do explicito desejo contrário das classes dirigentes (NASCIMENTO, 1982, p.28).

Para além da modernização por meio do embelezamento dos espaços urbanos e da adoção de medidas sanitárias, o ideário republicano visou também à civilização da sociedade por meio da coerção, para tanto ocorreu a modernização dos aparelhos de repressão. Para que a ordem fosse mantida, por meio do Código Penal de 189087, foram instituídos formas de controle da sociedade, “[...] a entrada do ‘duplo ilícito’, ou seja, do crime e da contravenção no Código Penal de 1890, pode ser vista como a contrapartida da elite republicana à liberdade adquirida pelos escravos no período imediatamente anterior” (SANTOS, 2009, p. 105). A partir do Código Penal, foi preciso alterar as formas e a estrutura física dos espaços repressivos já existentes. Para tanto, o Estado republicano suscitou a necessidade de se construírem novos prédios, adaptados ao novo conjunto de princípios e normas, para receber os “desordeiros” existentes na sociedade.

Se, no Império, o negro foi citado diversas vezes nos jornais paranaenses da época como: o escravo dotado de qualidades para ser vendido, o escravo disponível para ser alugado para exercer diversos trabalhos, entre outros; na República, ele passou a ser mencionado nos jornais como: o desordeiro, o mendigo, o vagabundo, a prostituta, aquele que deveria ser reprimido para “aprender” a viver em sociedade.

87

Código Penal de 1890 – disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824- 1899/decreto-847-11-outubro-1890-503086-publicacaooriginal-1-pe.html - acesso 10/02/2015.

Fato este registrado nos Relatórios de Governo: “Foram detidos durante o ano próximo passado, neste Commissariado, 87 pessôas, a saber: Homens 81; mulheres 6. Destes, somente 59 passaram pelo Gabinete de Indentificação, sendo 54 por embriaguez e desordem e o restante por gatunagem” (PARANÁ, 1910, p.33).

No ideário republicano, a consolidação da modernização e do progresso do País, esteve vinculada ao trabalho, desta forma, foi preciso inculcar nas pessoas a importância da dedicação ao trabalho para a aquisição dos benefícios individuais e coletivos e a necessidade de se reprimir aqueles que, segundo a classe dominante, infestavam e praticavam a desordem nas cidades brasileiras.

Figura 21 – Cadeia Pública em Palmeira/PR 1900

Fonte: Museu Histórico Astrogildo de Freitas – Palmeira/PR

As discussões sobre a construção de prédios públicos, no Paraná, para servirem de penitenciarias, esteve presente nos discursos presidenciais da época, pois, era preciso “[...] dotar o Estado com uma prisão penitenciaria destinada ao cumprimento das penas estabelecidas pelo Código Penal da República, a qual condissesse com o grão de desenvolvimento material, moral e intelectual” (PARANÁ, 1910, p. 23). Nesses espaços os negros aprisionados “[...] viviam na mais completa e desoladora promiscuidade, em cubículos, cumprindo a pena que lhes fôra imposta em comum, o delinquente, o passional, o assassino, o estreiante e o reincidente” (PARANÁ, 1910, p. 24). Do ponto de vista da classe dominante, os negros não transgrediram as leis por terem sido abandonados e viverem na miséria, mas sim, porque faziam parte de uma raça inferior, e como tal, predisposta a doenças físicas e mentais.

Com base na ideologia da raça inferior88, no Brasil Colonial e Imperial, foi transmitida a ideia de que “[...] pouco se poderia esperar de uma nação composta por ‘raças pouco desenvolvidas como a negra e a indígena’, isso sem falar dos mestiços, maioria absoluta em nossa população” (SCHWARCZ, 1994, p.213). Essa ideologia pôde ser comprovada nos discursos abolicionistas, nos quais era preciso preparar o negro escravo para a sua integração como homem livre na sociedade brasileira. Ao defenderem a abolição gradual, os abolicionistas, tiveram como objetivo a inculcação da moral e dos bons costumes do homem branco e superior para que o negro tivesse condições de se tornar livre sem que houvesse prejuízos para a sociedade.

Tanto a ideologia abolicionista, quanto o “não quero” dos escravos foram contidos ou manipulados estrategicamente em função dos interesses e dos valores econômicos, sociais e políticos dos grandes proprietários que possuíam fazendas nas regiões prósperas e concentravam em suas mãos as complicadas ramificações mercantis, bancárias e especulativas da exportação do café (FERNANDES, 2008, p.55 - grifos do autor).

Os abolicionistas não tiveram por objetivo extinguir as desigualdades sociais entre os homens. Para eles, era necessário propiciar a liberdade gradual para os escravos para que não houvesse prejuízos ao País. O movimento abolicionista foi uma falácia, organizado “[...] principalmente por brancos, ou por negros cooptados pela elite branca. A abolição libertou os brancos do fardo da escravidão e abandonou os negros à sua própria sorte” (PATTO, 1999, p. 171). Defensores do liberalismo os abolicionistas propagaram a necessidade de a propriedade privada ser adquirida pelo fruto do trabalho de cada pessoa, e como tal, por meio do seu trabalho adquiri-la. O período inicial da disseminação das ideias liberais no Brasil serviu para conciliar a relação entre o governo imperial e a oligarquia escravocrata, mas, “[...] o verdadeiro liberalismo representado pelos abolicionistas, cuja vitória final, em 1888, criou finalmente no Brasil condições para a expansão do capitalismo industrial” (SINGER, 1987, p. 20). Desta forma, o fim do trabalho escravo negro no Brasil significou a instauração dos princípios liberais de livre mercado, que seguiam a ordem do regime capitalista europeu.

88

O conceito de raça foi elaborado pelas elites burguesas europeias em finais do século XVIII e XIX, com objetivo de legitimar filosoficamente a dominação e sujeição política e econômica entre classes sociais, cientistas buscaram comprovar por meio da ciência que devido às diferenças físico-biológicas os negros eram inferiores aos brancos, fato esse que justificou a colonização europeia visando “civilizar” os negros e índios.

Cabe aqui ressaltar que o conceito de classe inferior e de Raça, utilizado no Brasil no final do século XIX, não foi biologicamente determinado, mas sim, construído ideologicamente por uma sociedade que ansiava pelo poder e pela dominação, uma vez que, “as relações raciais e os conflitos raciais são necessariamente estruturados pelos fatores econômicos e políticos de caráter mais geral” (BOTTOMORE, 2012, p.460). Na sociedade Republicana esse discurso tomou uma nova roupagem, baseados nas ideias liberais de igualdade, a classe dominante da época, por meio de seus intelectuais, propagou sutilmente o instrumento de dominação racial denominado de “Democracia Racial”89

, no qual se afirmou, ideologicamente, a inexistência da superioridade das raças na nova sociedade que se instaurava no Brasil. Desta forma, os negros, “cidadãos republicanos”, “[...] não foram legalmente discriminados, mas foram “naturalmente” e informalmente segregados” (COSTA, 1999, p.228), legalmente o negro foi considerado cidadão, entretanto, o preconceito e a discriminação de toda uma sociedade escravocrata permaneceu.