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Neocapital Humano: o discurso do Estado Brasileiro

No documento Joana D arc Ferreira da Silva (páginas 63-68)

CAPÍTULO II. Formação de Professores e Competência: um discurso do capital

2.2. Neocapital Humano: o discurso do Estado Brasileiro

O capital, neste momento histórico, coloca importantes desafios para a humanidade perante a ideologia neoliberal, e em tempos de globalização, no que se refere ao trabalho, por viver mais uma de suas crises estruturais. Segundo Frigotto, o capitalismo enfrenta, hoje, “...

sua crise estrutural mais profunda e sua perversa recomposição vêm se materializando nas inúmeras formas de violência, exclusão e barbárie”. (op. cit: 15). O desemprego estrutural e

o subemprego atingem, tanto os países subdesenvolvidos, como os “donos da civilização”, trazendo sérias conseqüências para os primeiros por conta da dependência que se estabeleceu ao longo das décadas, exemplificado pelo que aconteceu ao Estado Brasileiro, através dos empréstimos, parcerias e projetos financiados pelo capital, através dos organismos internacionais. Essa crise resulta da estruturação de um novo modelo de acumulação capitalista, que gera para os trabalhadores, novas exigências, mediante o discurso de que o trabalho qualificado terá espaço no mercado de trabalho: gera-se o discurso da formação como “garantia” para a empregabilidade.

A formação é posta, como “... uma espécie de ‘galinha dos ovos de ouro’ para a

reinserção no mundo do trabalho ou para a ‘empregabilidade’ e reconversão profissional que transformou-se num ardil ou numa armadilha” (FRIGOTTO, 2004). Desta forma, o

discurso posto para a educação pela classe dirigente é que o processo educacional, seja ele escolar ou não, deve ser

...reduzido à função de produzir um conjunto de habilidades intelectuais, desenvolvimento de determinadas atitudes, transmissão de um determinado volume de conhecimentos que funcionam como geradores de capacidade de trabalho e,

conseqüentemente, de produção. De acordo com a especificidade e complexidade da ocupação, a natureza e o volume dessas habilidades deverão variar. A educação passa, então, a constituir-se num dos fatores fundamentais para explicar economicamente as diferenças de capacidade de trabalho e, conseqüentemente, as diferenças de produtividade e renda. (p.40-41)

A educação é usada, em nível de discurso, como elemento garantidor de um posto no mercado de trabalho aos indivíduos que possuem um determinado nível de conhecimento. Vale ressaltar que a chamada “sociedade do conhecimento” largamente proclamada pelas transformações trazidas pela revolução técnico-científica, é usada pelo próprio capital para submeter os (as) trabalhadores (as) ao seu domínio: mesmo que o indivíduo detenha conhecimentos, estes são usados neste processo intenso de acumulação para submetê-los cada vez mais aos ditames do capital, e não para a emancipação humana. Portanto, dentro do espaço produtivo, segundo Antunes, “o saber intelectual que foi relativamente desprezado

pelo taylorismo-fordismo tornou-se, para o capital de nossos dias, uma mercadoria muito valiosa” (2002:114).

A concepção tecnicista de educação que alcançou grande vigor no pensamento educacional da década de 1970, criticada e rebatida na década de 1980, retorna sob nova roupagem, no quadro das reformas educativas em curso, anunciando que “globalização econômica confronta o Brasil com os problemas da competitividade para a qual a existência de recursos humanos qualificados é condição indispensável”. (MELO, 1999)

A teoria do capital humano ressurge entre os anos 80 e 90 com novos conceitos e categorias, que são apenas uma mudança aparente, pois o capital tem os mesmos objetivos, mascara as relações sociais que estão subjacentes a todo o processo de acumulação, implantando conceitos como competência, qualidade total, policognição, etc. É importante lembrar que o discurso da garantia da ocupação do mercado de trabalho pela apropriação do conhecimento é refutado pelo simples fato de que o próprio capital está em crise, não garantindo desta forma, nem ao trabalhador qualificado, o espaço no mercado de trabalho9. Gentili (2000:30) alerta que, a intensificação da crise do desemprego, enfatiza cada vez mais a incapacidade da escolarização assegurar a entrada e a permanência das pessoas no mercado de trabalho; que a garantia do emprego, como direito social, desmanchou-se diante da nova promessa que se estabelece, pelo capital, de empregabilidade como capacidade individual

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Segundo dados referentes aos EUA, no período entre 1993-1994, os chamados colarinhos-brancos perderam 62,4% de seus postos de trabalho, percentual que está bem acima do percentual que lhes corresponde como força de trabalho, ou seja, 40%. (LARANJEIRA, 1999:30).

para disputar as limitadas possibilidades de inserção que o mercado oferece (GENTILI, op. cit: 89), cujo foco centra-se na capacitação.

É importante ressaltar que a política educacional do Estado Brasileiro nas últimas décadas do século XX, andou justamente na direção da garantia ao sistema capitalista de que a educação seria um conjunto de processos educativos escolares destinados ao imediatismo da formação técnico – profissional de forma restrita. Souza (2004) destaca que é a partir dos anos 70, que as orientações definidas pelo BIRD no âmbito da educação, tornam-se cada vez mais diretivas ou explícitas. Assim, além do monitoramento “econômico”, os rumos da educação das nações também passaram a ter um “espaço privilegiado” de controle nas ações do Banco Mundial, dirigidas aos países membros. Oliveira (2001)ressalta que, uma das recomendações do Banco Mundial é o desenvolvimento de:

...ações que conjuguem esforços de vários setores da sociedade no processo de qualificação profissional. Deve haver uma participação do poder público e da iniciativa privada no desenvolvimento de melhores estratégias que garantam aos trabalhadores maior aptidão para acompanharem as mudanças atuais.

No Brasil, é principalmente com a promulgação da nova LDB na década de 90, que se implanta o discurso da formação, da qualidade, como ferramentas fundamentais no acesso ao mercado de trabalho. Gerou-se uma grande quantidade de cursos e formações in loco para os trabalhadores, voltados para o desenvolvimento das diversas habilidades e competências do indivíduo. No entanto, mesmo diante do investimento nessas capacitações e cursos, o mercado de trabalho só tem diminuído, elevando-se os níveis de desemprego, segmentação, exclusão. E por que isto acontece? Porque mesmo investindo na formação de profissionais “competentes” no que fazem, polivalentes, flexíveis, estes estão submetidos à lógica do capital que diz como (forma) deve se dar a produção, e de quanta força de trabalho necessita para fabricar determinados produtos.

O discurso da qualificação, alimentado pelos Estados Nacionais, como resposta ao capital, aponta para uma perspectiva individualista, pois afasta os indivíduos, separa-os da condição de classe, e lhes impõe a busca de uma qualidade no trabalho, de uma competência que faz retroalimentar o próprio sistema capitalista. Portanto, qualificação e competência são ambos sinônimos, na lógica do capital, de investimento na expansão e consolidação desse sistema. E esse discurso vai se refletir no sistema educacional, quando pelas exigências do

próprio capital internacional, através dos organismos internacionais, impõem reformas educacionais que “... se realizam como elemento do projeto neoliberal de sociedade, num

processo histórico de mundialização do capital.” (MELO, 2003: 117).

Segundo Melo (2003), é nos países da América Latina e Caribe que esse discurso se impõe, visto a dependência perversa que se estabeleceu ao longo das décadas, nos projetos e ajuda financeira (empréstimos), que visavam do ponto de vista destes organismos internacionais, a redução da pobreza. Esses projetos e empréstimos traduzem, paulatinamente, um nível de dependência tanto do país como das ações que ele desenvolve nas diversas áreas, particularmente na educação, quando consegue impor um discurso, que é o da dominação do capital que estas agências representam. Tanto é, que o discurso do capital humano se consolida na fala desses organismos, e coloca para a educação a responsabilidade de diminuir as desigualdades sociais e elevar o nível social dos indivíduos pelo aporte de conhecimentos. Nos anos 90,

Do ponto de vista das propostas econômicas, políticas e sociais do BM e do FMI, a educação surge como eixo das ações de redução da pobreza, pelo incremento individual de capital humano, ou seja, ao tentar sua qualificação ou requalificação para o trabalho - por meio da aquisição de competências, habilidades – cada pobre ‘pode estar aumentando’ suas possibilidades de emprego remunerado e produtivo, além de garantir uma melhor qualidade de vida, a partir de conhecimentos adquiridos sobre higiene e planejamento familiar, o que contribuiria, assim, para o desenvolvimento e crescimento de seu país. (MELO, op. cit: 118).

A “preocupação” dos organismos internacionais para com os países em desenvolvimento, reside em desenvolver a economia, potencializar suas forças de desenvolvimento moderado, reformar o Estado para se adequar às premissas do capital internacional numa economia neoliberal, com crescimento e alívio da pobreza. Neste sentido, a educação passa a desempenhar papel fundamental na garantia da qualidade do trabalhador – por isso, maior investimento em projetos educacionais de qualificação – para que este possa garantir a qualidade da produção do capital.

Com a difusão da educação como motor para a qualidade do trabalho, e da qualificação como propulsora do desenvolvimento (capital humano), o neoliberalismo tem conseguido infundir e difundir na sociedade seu ideário da busca individual pela qualificação, de forma que passam a estimular, ao mesmo tempo, um determinado individualismo e um consenso acerca de seus programas de ajustes, de modo que a própria sociedade passa a

defender como seu estes projetos, aqui implantados pelas IFM (Instituições Financeiras Multilaterais), enquanto intelectuais orgânicos do capital nacional e internacional.

Com relação a este individualismo, Hayek (1990) já colocava que toda forma de intervenção estatal se constituía em sério risco para o sucesso dos indivíduos; o mercado possibilita a competição, e o indivíduo deve aceitar as possibilidades modernizadoras que este lhe oferece sem a interferência estatal; competindo individualmente, o homem terá condições de mostrar o seu potencial e se sobrepor àqueles que, por diversas razões, não apresentarem as condições exigidas pelo mercado, o deus-regulador da economia. Ainda para Hayek, a possibilidade de afirmar a individualidade no mercado, faz transparecer não somente as habilidades de que é portador, mas os desejos individuais, a inesgotável capacidade de livre escolha, enfim, a subjetividade apresentada como premissa fundamental acima dos ‘outros’, aqueles embaixo do guarda-chuva do Estado. Nesta premissa, a lei do mais forte “... fica

reforçada por uma cultura individualista, narcísica, encoberta pela idéia de competência e de produtividade”. (FRIGOTTO, 1996: 86/87).

Os neoliberais afirmam em sua retórica a ineficiência estrutural do Estado para articular e gerenciar as políticas públicas ofertadas aos indivíduos, bem como questionam a noção de direito e de igualdade, que são a base das sociedades democráticas, e que fundamentam o conceito de cidadania. Direito e igualdade, para os neoliberais, são faces de uma moeda que está em jogo no mercado, necessitando que os indivíduos busquem através de suas aptidões individuais o sucesso que lhe é devido pela sua busca pessoal. Os mecanismos e critérios que promovem a progressiva igualdade entre os indivíduos, que se concretizam numa série de direitos sociais materializados por diversas instituições públicas num estado democrático, são colocados como obstáculos ao surgimento dos verdadeiros vencedores, os que buscam individualmente o sucesso no mercado de trabalho. O homem, nesta perspectiva, deve se capitalizar de conhecimentos para obter sucesso em relação aos outros indivíduos. Na atualidade, é esta a busca que tem se efetivado na sociedade e, tal perspectiva, passa a ser defendida por grande parte da sociedade, como a solução para a crise do mercado de trabalho.

Gentili (1996: 12) reforça esse aspecto, quando expressa que os neoliberais conseguem, através do seu discurso, impor as suas verdades como aquelas que devem ser defendidas por uma pessoa sensata e responsável; as respostas são aceitas pela sociedade, quer seja através de reformas educacionais, econômicas, sociais, como aquelas já esperadas

para resolver antigos problemas estruturais. Neste momento, entram em ação os intelectuais orgânicos do neoliberalismo (FMI, BM, etc.) para não só transformar a realidade política, econômica, cultural, social, mas também, fazer com que a sociedade veja nas saídas colocadas por estes intelectuais, como a única possível para a crise.

Desta forma, a linguagem do mercado passa a fundamentar as transformações que se operam não só em nível econômico e político, mas principalmente cultural e educacional. No plano educacional, o grande mentor das transformações será o Banco Mundial, definidor da filosofia, dos valores, das políticas educacionais para o conjunto de nações que devem se ajustar ao processo de globalização. Isso demanda uma série de transformações em nível da prática pedagógica, dos sistemas de ensino, da gestão da educação, da formação dos profissionais, mas principalmente, da percepção do que é educação, sua importância e sua configuração na sociedade atual. Diante desta compreensão, vemos que o consenso que se estabelece em torno das idéias proclamadas pelo neoliberalismo serve a um claro propósito: garantir o êxito na construção de uma ordem social regulada pelos princípios do livre mercado e sem a intervenção danosa do Estado. As agências internacionais, que propõem soluções “mágicas” para as crises dos Estados Nacionais, é o meio pelo qual se estabelece a lógica do livre mercado.

No documento Joana D arc Ferreira da Silva (páginas 63-68)