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2.1 – Neoliberalismo: origens e definições

Neste capítulo, temos como objetivo apresentar como o neoliberalismo se fortaleceu enquanto modelo político econômico e se tornou dominante nos países ocidentais a partir dos anos 1980. Posteriormente, abordaremos sua chegada ao Brasil com a eleição de Fernando Collor à presidência da República, a predominância desse modelo na década de 1990, os focos de resistência a essa política, e como sua crise levou à ascensão dos governos neodesenvolvimentistas. Para isso, iniciaremos esta seção com uma introdução a partir de duas abordagens: em primeiro lugar, faremos uma breve reconstituição de sua trajetória histórica; em seguida discutiremos o conceito de neoliberalismo sob uma perspectiva marxista, a fim de compreender a relação entre política neoliberal e classes sociais.

A primeira dificuldade para analisar o neoliberalismo se dá em sua definição, já que o termo compreende diversos significados e é definido de muitas maneiras diferentes (Novelli, 2011, p. 1). Este autor sistematiza o debate apresentando o neoliberalismo como um conjunto de “ideias econômicas que fornecem uma ‘visão de mundo’ e uma ‘visão científica’ do funcionamento da economia, mas que também fornece as ferramentas para operar a economia, isto é, um conjunto (saudável) de políticas e instituições (Novelli, 2011, p. 1)”. Essas ideias e ferramentas para operar a economia podem ser resumidas em um grupo principal de políticas, qual seja, “a abertura comercial e financeira, a política de privatização, a redução dos direitos sociais e a desregulamentação do mercado de trabalho” que, ao mesmo tempo, expressa e interfere sobre a composição, o poder e os interesses de classe e de frações de classe (Boito Jr., 2002, 12). Desse modo, o neoliberalismo não se caracteriza apenas pela adoção das políticas citadas, mas por sua relação com as classes sociais e a conjuntura, levando em conta, portanto, a historicidade desse processo, que é marcado pelo “desmonte das políticas de incentivo à independência econômica nacional, de promoção do bem-estar social, de instauração do pleno emprego e de mediação dos conflitos socioeconômicos (Saes, 2001, 82)”.

A partir desta definição, podemos dizer, em linhas gerais, que a essência do discurso político neoliberal se baseia em uma crítica à ineficiência do Estado e na defesa do mercado como o lócus, por excelência, da atividade econômica. Essa crítica ao Estado e a

exaltação dos agentes privados, posicionados como polos opostos um do outro – e nesse ponto já marcando uma diferença fundamental com as análises marxistas –, levou à formulação da tese do Estado mínimo, que pode ser resumida pela ideia de que o aparelho de Estado deve ser reduzido ao máximo, ao ponto que todas as suas antigas funções econômicas e sociais – típicas do Estado de bem-estar social – sejam delegadas ao mercado. Discutiremos essa caracterização com mais profundidade mais à frente, já que nosso objetivo, em um primeiro momento, é resgatar suas origens históricas. Desse modo, é possível perceber que o neoliberalismo não se trata de um conjunto de ideias soltas e dispersas, criadas no vazio por intelectuais como um “modelo ideal” de política econômica, mas surge, na realidade, dentro de um contexto histórico. Vejamos essa questão com mais detalhes.

Como já mencionamos, o neoliberalismo ganhou força no Brasil, enquanto discurso ideológico e programa político, apenas no final da década de 1980. Antes disso, contudo, já possuía uma história de quase uma década em países desenvolvidos, notadamente Estados Unidos e Inglaterra, e se espalhava também em outras regiões do mundo. As raízes teóricas do neoliberalismo podem ser encontradas no grupo que ficou conhecido como Sociedade de Mont Pèlerin. Tendo como principal organizador o economista austríaco Friederich Hayek, um grupo de economistas, filósofos e estudiosos de diferentes vertentes teóricas, mas identificados com perspectivas liberais, se reuniu pela primeira vez em 1947, na região de Mont Pèlerin, na Suíça, com o intuito de formular uma alternativa econômica às políticas de inspiração keynesiana e à social-democracia, identificadas com um papel ativo do Estado como indutor do crescimento econômico e com alguma preocupação com a questão social, que ganhavam força nos países desenvolvidos no contexto do pós-guerra. O texto fundamental que estruturou o pensamento neoliberal, “O caminho da servidão”, fora publicado por Hayek em 1944, e consistia em uma crítica direcionada às propostas social- democratas que se tornavam dominantes na Europa, e principalmente ao Partido Trabalhista inglês (Anderson, 1995, p. 9).

Durante as décadas seguintes, essas ideias permaneceram quase totalmente restritas a círculos acadêmicos e em polêmicas entre intelectuais, e pouco influenciaram governos ao redor do mundo capitalista. No período do pós-guerra, os países capitalistas desenvolvidos viveram, por quase 30 anos, sua “época de ouro”. Caracterizada por altas taxas de crescimento e desemprego relativamente baixo, as crises sociais foram razoavelmente controladas por mecanismos institucionais que garantiam ganhos às classes trabalhadoras. Os países desenvolvidos, em especial no norte de Europa, criaram modelos de bem-estar social

que garantiam condições de vida até então inéditas à maioria dos trabalhadores, tomando como referência a história do capitalismo. Para a sustentação desse modelo econômico e social, foi necessária a manutenção de sindicatos fortes e com poder de negociação, como parte de um conjunto de concessões feitas pelas burguesias locais para evitar o avanço do comunismo na Europa. Os países subdesenvolvidos, caso do Brasil, não lograram estabelecer modelos semelhantes, mas durante o mesmo período aplicaram políticas que admitiam um elevado grau de intervenção econômica do Estado para induzir o desenvolvimento e promover a industrialização, conferindo às classes trabalhadoras urbanas o acesso a alguns direitos (Galvão, 2008, p. 151).

Ainda que não seja possível classificar uniformemente essas experiências, as principais economias capitalistas passaram por um período de relativo crescimento econômico, sob consenso keynesiano, mantendo, como mencionamos, as propostas neoliberais isoladas e com alcance limitado. Essa situação permaneceu relativamente estável até 1973, quando teve início a primeira crise do petróleo. A crise afetou as economias capitalistas, modificando a correlação de forças vigente durante os “anos dourados” (Anderson, 1995, pp. 9-10). A ofensiva neoliberal, contudo, não foi imediata. Diversos governos adotaram medidas keynesianas para recuperar a atividade econômica. Mas as consequências econômicas da crise, reforçadas pelo segundo choque do petróleo em 1979, permitiram um crescimento de forças políticas próximas ao neoliberalismo, abrindo espaço para a ascensão de propostas alternativas baseadas nos postulados neoliberais (Anderson, 1995, p. 11).

No mesmo ano, Margaret Thatcher se tornou primeira-ministra do Reino Unido, com um programa que tinha como bases o controle da emissão monetária, elevação dos juros, redução de impostos sobre rendimentos elevados, liberalização de fluxos financeiros e corte de gastos sociais (Anderson, 1995, p. 11). As ações do governo Thatcher, adaptadas à conjuntura em que a “dama de ferro” assumiu o governo, estavam de acordo com os pilares econômicos e filosóficos defendidos em Mont Pèlerin14. A economia deveria ser comandada

pelos agentes privados, e para isso era necessário que o governo reduzisse gastos e liberalizasse os fluxos comerciais e financeiros, o que garantiria maior credibilidade perante o

14 Décio Saes destaca que as políticas neoliberais adotadas pelos diferentes governos não coincidem integralmente com a doutrina econômica liberal que as inspira, uma vez que não são implementadas num “espaço social vazio, destituído de qualquer historicidade”, mas em sociedades capitalistas históricas, cujas políticas estatais repercutem influências de outros princípios econômicos (2001, pp. 80-81). Acrescentamos que as diferentes conjunturas e correlações de forças também impactam no processo de implementação dessas políticas.

mercado, induzindo o retorno dos investimentos. Para controlar a inflação que havia atingido as economias europeias nos anos 70, além do corte de gastos, um nível maior de desemprego era não apenas necessário, mas desejável. Thatcher, ao lado de Ronald Reagan, presidente americano eleito em 1980, foram as duas faces mais conhecidas em defesa do neoliberalismo, e principais propagadores dessa política nos anos 80. A propaganda não se limitou apenas à aplicação dessas medidas em seus governos, mas resultou na construção de uma rede de difusão, largamente utilizada, de apologia ao neoliberalismo e crítica tanto da social- democracia, quanto do comunismo que, vale lembrar, eram os principais opositores das “ideias de mercado”.

Antes de falarmos sobre a expansão do neoliberalismo, cabe fazer uma ressalva. Ainda que as experiências inglesa e americana sejam consideradas pioneiras, o neoliberalismo teve sua primeira aplicação prática na ditadura chilena comandada pelo general Augusto Pinochet. Ainda que só se expandisse pela América Latina, conquistando governos pela via eleitoral, a partir de meados da década de 1980, a experiência no Chile foi de fato a primeira a receber a classificação de neoliberal (Anderson, 1995, pp. 17-18). O militar ascendeu ao poder em 1973, após um golpe militar que destituiu e foi responsável pela morte do presidente socialista Salvador Allende. Durante os quase 20 anos em que esteve no poder, Pinochet encontrou poucas resistências para colocar em prática medidas econômicas que o distanciavam, inclusive, das demais ditaduras da América do Sul, ainda que a afinidade política permanecesse. De inspiração mais americana do que austríaca – Pinochet foi assessorado por economistas da Escola de Chicago, importante centro de formulação de políticas neoliberais – a experiência do neoliberalismo no Chile foi pioneira em implementar as chamadas reformas para o mercado, como, por exemplo, a substituição da previdência pública por um sistema privado.

O regime chileno também é representativo para abordar uma questão relativa às características democráticas da doutrina neoliberal. Embora o discurso ideológico que acompanha o neoliberalismo frequentemente apresente que a liberdade dos indivíduos decorre de sua liberdade econômica, o governo de Pinochet demonstrou que a relação não é, necessariamente, verdadeira. Como aponta Anderson (1995, pp. 17-18), o próprio Hayek admitia a possibilidade de que a liberdade aos agentes econômicos pudesse se tornar incompatível com o regime democrático, e que a primeira, como valor em si mesma, deveria ser resguardada de eventuais ameaças provocadas pelo segundo.

Essa perspectiva revela uma tendência observada em diversos governos neoliberais: o enfraquecimento das instâncias democráticas e participativas. Além da mercantilização do acesso a serviços que antes eram considerados direitos, as demandas populares passam a ser entendidas como fonte de ingovernabilidade e desestabilização (Galvão, 2008, 155-156). Exemplo disso são as sucessivas pressões de instituições financeiras e agentes econômicos para que os bancos centrais se tornem independentes de poderes eleitos pelo voto popular. Ao defender o caráter exclusivamente técnico da política econômica, e submetendo a soberania popular ao conhecimento do que seria mais indicado pelos agentes de mercado, o neoliberalismo remodela o Estado e, em vez de reduzir sua atuação, o transforma e torna o Estado menos aberto a demandas populares. Cumpre destacar que a defesa da autonomia do Banco Central faz parte da pauta de diversas entidades da burguesia no Brasil, inclusive a CNI15.

O neoliberalismo, contudo, se expandiu para muito além dos países anglo- saxônicos e do Chile. Na Europa, entre as décadas de 1980 e 1990, partidos defendendo programas neoliberais venceram eleições na Alemanha, Dinamarca, Itália, Espanha, Suécia, entre outros (Anderson, 1995, pp. 11; 15). Posteriormente, a crise do comunismo, que resultou na queda dos regimes do leste europeu, foi seguida por uma ofensiva das forças neoliberais, que conquistaram governos, ou impuseram medidas liberalizantes, aos antigos países do bloco socialista. É possível compreender esse movimento sob a lógica da Guerra Fria: Reagan e Thatcher não apenas fizeram da União Soviética e do comunismo seu alvo preferencial em discursos e ações diplomáticas, como tomaram medidas – em especial o presidente americano, muitas delas contra postulados neoliberais – para acelerar a queda da superpotência rival e dos regimes a ela aliados.

Em relação a essa questão, há dois pontos que merecem destaque e nos ajudam a compreender o avanço do neoliberalismo no cenário internacional. Em primeiro lugar, o peso relativo dos Estados Unidos na economia mundial, além de seu poder diplomático e militar, permite que esse país, mesmo defendendo a adoção de políticas neoliberais, tome medidas contrárias ao próprio discurso, como em relação à expansão de gastos governamentais que sustentou a corrida armamentista dos anos 80. A mesma “margem de manobra” não é observada em países periféricos, com economias dependentes, como é o caso do Brasil. Dessa

15 A reivindicação por maior independência, ou até pela autonomia formal, do Banco Central foi justificada como necessária para resguardar a instituição – um “órgão técnico” – de ingerências políticas. Segundo esse argumento, questões técnicas deveriam ser decididas por grupos restritos de especialistas, isolados de pressões populares, como se as decisões tomadas não tivessem uma natureza política e não exprimissem interesses (Novelli, 2011).

forma, vemos que o próprio caráter de dependência dessas economias tende a ser reforçado com a adoção de tais políticas – voltaremos a essa questão na próxima sessão, ao analisar as consequências da política neoliberal no Brasil da década de 1990. Em segundo lugar, como aponta Anderson (1995, p. 16), a queda do comunismo no leste europeu reduziu as resistências e permitiu ao neoliberalismo um grau de hegemonia inédito na história do capitalismo, que as forças social-democratas, sindicais e populares dos países centrais não foram capazes de combater.

Ao contrário, as forças neoliberais, ligadas ao capital financeiro internacional, não apenas viram seus interesses defendidos por partidos conservadores, mas também “assediaram” os próprios social-democratas, ou, a partir da década de 80, forças políticas do eurocomunismo. Casos como o governo de Felipe González, na Espanha, e François Miterrand, na França, guardadas suas diferenças, são representativos (Anderson, 1995, pp. 12- 13). Partidos antes associados a políticas intervencionistas, próximos de sindicatos, ou, ainda, de inspiração socialista, se viram pressionados, por forças internas e externas, a aplicar programas francamente neoliberais. Posteriormente, movimentos de “terceira via”, surgiram dentro dos próprios partidos à esquerda, cujo caso emblemático é o do ex-primeiro ministro britânico Tony Blair, do Partido Trabalhista. A negação genérica às antigas disputas entre neoliberais e social-democratas era revertida em uma nova rodada de políticas neoliberais, apresentadas sob um novo discurso. Com efeito, a hegemonia conquistada pelo neoliberalismo se caracterizou pela ideia de que não havia alternativa às políticas neoliberais16.

Nesse sentido, é possível verificar que o neoliberalismo, nos diferentes locais em que foi aplicado, ganhou força em períodos de crise ou, como aponta Novelli (2011), de “conjunturas críticas”. Medidas restritivas e impopulares, muitas vezes impostas por outros países ou organismos multilaterais como condicionantes para pacotes de apoio, são apresentadas como imperativas para a superação da crise. Quando não resultam na recuperação econômica, em geral os agentes do neoliberalismo alegam que as medidas tomadas não foram suficientes, e uma nova rodada de corte de despesas, aumento dos juros, privatizações e redução de direitos trabalhistas, entre outras, é apresentada como inevitável.

16 O slogan TINA, acrônimo da expressão em inglês “there is no alternative” (não há alternativa), é atribuído à Margaret Thatcher como expressão dessa ideia. Embora, ao que se saiba, a primeira-ministra britânica não tenha formulado a expressão com essa intenção, seu uso recorrente fez com que se tornasse um símbolo da defesa de medidas neoliberais e antipopulares. Ver “news.bbc.co.uk/2/hi/uk_news/politics/1888444.stm”, (Acesso em 20/10/2018).

Retomaremos esta questão ao tratar do caso brasileiro, mas antes disso cabe identificar como essas medidas neoliberais se relacionam com a dinâmica dos conflitos de classe.

2.2 – Neoliberalismo e classes sociais

A partir desta breve contextualização histórica, nosso objetivo seguinte é analisar o impacto do neoliberalismo nas relações de classe. Para tanto, encontramos nosso referencial teórico em estudos marxistas que procuram identificar qual a natureza de classe da política neoliberal, e como essa política, ao mesmo tempo, expressa e altera a correlação de forças entre classes e frações de classes (Boito Jr., 2002, p. 13). Nesse sentido, estabelecemos uma diferenciação entre a análise que pretendemos desenvolver e as análises que identificam a política neoliberal como mera aplicação prática de ideias e teorias formuladas por economistas de maneira independente de forças sociais. Na perspectiva que utilizamos, procuraremos demonstrar a relação dessas ideias com interesses de classes e frações de classe. Galvão (2008, p. 150) aponta que também entre os autores que utilizam categorias marxistas o neoliberalismo foi abordado de maneira distinta, mas as abordagens convergem em três ordens de questões: 1) a relação entre neoliberalismo e classes sociais; 2) a relação entre política e economia, e a natureza de classe do Estado; 3) a relação entre o plano internacional e o plano nacional (Duménil e Levy, 2006, apud Galvão, 2008, p. 150). Olhando para cada um desses pontos com mais cuidado, podemos traçar as linhas que delimitam o neoliberalismo sob uma perspectiva que coloque em primeiro plano as categorias de análise marxistas, ao enfatizar a relação entre as políticas adotadas e as classes sociais. Abordaremos cada uma dessas questões individualmente a seguir.

Em relação ao primeiro ponto, o neoliberalismo alterou as relações de classes de maneira vertical, entre a burguesia e as classes trabalhadoras, e horizontal, no interior da própria burguesia. Essas mudanças decorrem principalmente dos processos econômicos e sociais produzidos pela política neoliberal, mas também por aspectos políticos e ideológicos (Boito Jr., 2002, pp. 13-14). Galvão aponta que, para vários autores, o neoliberalismo pode ser definido como a restauração do poder e recuperação da renda das classes dominantes, que beneficiou especialmente o capital financeiro (2008, p. 151). Esse processo tem dimensões políticas, econômicas e ideológicas e, como mencionamos na seção anterior, pode ser

entendido como uma ruptura, ou resposta, ao consenso keynesiano que vigorou durante as três primeiras décadas do pós-guerra nos países desenvolvidos. Para que isso fosse possível,

foi necessário promover a construção de um consenso em torno dos princípios neoliberais. Diversos mecanismos produziram esse consenso, com destaque para o papel dos intelectuais e da mídia. No caso específico da América Latina, a pressão econômica e ideológica das agências multilaterais, associada à crise da dívida, forjou um novo consenso das elites latino- americanas em torno do neoliberalismo (Galvão, 2008, p. 152).

Embora as análises tendam a articular cada um desses aspectos – econômico, político e ideológico – para viabilizar um novo modelo de dominação burguesa, é comum que a burguesia seja compreendida como um bloco único, ou profundamente homogêneo, sem que se ressalvem as diferenças e conflitos internos da classe dominante. Nesse sentido, Boito Jr. apresenta uma perspectiva diferente ao defender que as medidas neoliberais não beneficiam por igual o conjunto da burguesia.

Segundo o autor, embora, no caso brasileiro, o neoliberalismo tenha promovido uma unificação política da burguesia, ele não eliminou diferenças entre as frações burguesas, tampouco beneficiou igualmente cada uma delas. As análises que sustentam essa visão em geral possuem como fundamento a ideia de que, com a globalização, as antigas burguesias locais teriam se convertido em um bloco homogêneo, tanto em relação ao tipo de capital (industrial, bancário, etc.), como em tamanho (grande, médio e pequeno). Além disso, no âmbito internacional, estaria em curso um processo avançado de eliminação das burguesias locais, e sua absorção pelo capital transnacional (Boito Jr., 2002, p. 17). Ainda que, em parte, esse processo seja verdadeiro, não há evidências de que as diferenças internas entre a classe burguesa tenham sido eliminadas, e que estaria em estágio avançado de formação uma “burguesia global”. Boito Jr. aponta que, durante o processo de implantação do neoliberalismo no Brasil, os partidos burgueses não apresentaram uma ação homogênea. Diante disso, segue o autor, as análises que tendem a homogeneizar a composição da burguesia concebem tais conflitos como divergências entre correntes de opinião, ou até motivados por questões pessoais. Por sua vez, Boito Jr. aponta que esses conflitos foram causados, em grande medida, por disputas entre diferentes frações da burguesia. Além disso, a própria divisão da burguesia em associações corporativas distintas, que permanece até hoje, manifestando, em muitos casos, posições diferentes acerca da política econômica, também é uma evidência do fracionamento da burguesia (Boito Jr. 2002, pp. 17-18). Ressalte-se que

isso não equivale a dizer que as diferentes frações da burguesia não possam construir unidade política em determinadas conjunturas, mas que essa unidade não é permanente, tampouco estrutural.

Para representar a maneira com o neoliberalismo afeta as diferentes frações da burguesia, o autor recorre a uma metáfora que apresenta a política neoliberal a partir de três círculos concêntricos:

a) o círculo externo e maior representando a política de desregulamentação do mercado de trabalho e de redução dos direitos sociais; b) o círculo

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