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184 Nesse ponto, a aplicação da lei, garantindo-se o direito do imigrante à educação, faz

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4 EDUCAÇÃO PARA A CIDADANIA GLOBAL: DIRETRIZES À PARTICIPAÇÃO DO IMIGRANTE

184 Nesse ponto, a aplicação da lei, garantindo-se o direito do imigrante à educação, faz

do reexame de nossos discursos oficiais, repleto de preconceitos e ignorância em relação a outros grupos marginalizados, uma necessidade prática imediata; faz do estranhamento an- tropológico uma vivência cotidiana. Ademais, promove-se a dimensão comportamental, com a atuação efetiva e responsá- vel na compreensão e busca de solução aos problemas que, ainda que apenas local, podem já ser vistos em uma perspectiva intercultural.

Contribui, assim, com uma educação para a práxis da cidadania global, por exigir a vi- vência da diferença no dia a dia, envolvendo outras culturas para a solução dos problemas identificados e efetivação de mudanças pretendidas. Exige, por fim, a reflexão e busca de inte- resses e valores comuns, apesar das diferenças.

Em suma, é uma educação para a cidadania global na medida em que, num processo gradual e continuado, a pratica, estimulando “as pessoas a se abrir para diferentes culturas, bem como a pensar, agir e conectar-se de forma mais ampla e de diferentes maneiras” (UNES- CO, 2015, p. 18).

A ECG, nesta perspectiva, pode efetivar, em termos de legislação nacional, o preparo para a cidadania, constitucionalmente previsto e revigorado no cenário de globalização. Nes- se sentido, a EDH, isto é, a formação transformadora, na prática cotidiana dos direitos huma- nos (e da democracia), para sua afirmação como forma de vida e de organização social, deve estar em todos os níveis de convivência, do local ao global.

5 CONCLUSÃO

Tem, sim, ares de idealismo ingênuo debater a cidadania global num país em que a ine- xperiência da democracia e a cultura de desrespeito aos direitos humanos é, ainda, fator que inibe a percepção e vivência mínima da cidadania “tradicional”. Um país no qual os direitos em geral, sem força de institucionalização, confundem-se com privilégio, valendo-se como “reflexo direto e imediato dos interesses ou da força daqueles que se empenham em sua apli- cação” (WEFFORT, 1984, p. 42).

Se, no Brasil, o reconhecimento, como ser humano, na plenitude de sua dignidade, do negro, da mulher, do homossexual, já é um desafio histórico-cultural, o que dizer do estran- geiro, o boliviano, o haitiano, o venezuelano, que tenta, aqui, uma vida minimamente digna, desacreditada em seu lugar.

A ECG aparece, todavia, apesar de tudo, como uma alternativa dentro das precárias possibilidades de nosso tempo. Vivemos num mundo em que não se mostra mais cabível – salvo em uma dogmática jurídica que, se manter intacta, tem de virar as costas à realidade – a defesa de uma cidadania consolidada à sombra do Estado soberano em detrimento dos outros, não nacionais, inimigos.

Revisar, reconstruir os conteúdos, numa perspectiva global da cidadania ainda em cons- trução, positivada em nosso direito, pode ser vista, também, como uma grande oportunidade.

Não se nega, absolutamente, o poder das instituições sociais de que a escola é mais um fator a serviço da manutenção do status quo. Vale, entre nós, a constatação de que “com frequência escolas e salas de aula são resolutamente não democráticas. Professores frequen- temente não estão muito conscientes de seus pressupostos e, dessa forma, perpetuam com- portamentos ou crenças não transformadoras” (UNESCO, 2015, p. 20).

Por outro lado, não devemos, como afirmou Adorno, “sabotar” as possibilidades de transformação social (ADORNO, 2004, p. 132), ainda que por demais precárias. Não se pode negar os espaços e sentidos disponíveis, mesmo que restritos, amparados na legislação na- cional e internacional para a prática da educação para a cidadania, ampliada e preenchida de significação, com as contribuições da interpretação enriquecida proposta pela Unesco de educação para a cidadania global.

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