• Nenhum resultado encontrado

No trajeto de escolha e delimitação do corpus, partiu-se inicialmente de um desejo de estudar o jornal Nexo, pelo reconhecimento que o veículo vem tendo em termos de design dentro do cenário jornalístico. Com menos de cinco anos de vida no mercado edi- torial jornalístico, o jornal vem acumulando reconhecimentos como a premiação de “Ge- neral Excellence In Online Journalism”, na categoria Small Newsroom, do Online Journalism Awards de 201721, que premia desde 2000 as melhores iniciativas de ciberjor-

nalismo em todo o mundo, sendo o Nexo o primeiro ganhador brasileiro; uma medalha de bronze na categoria Best Portfolio, na edição de 2018 do Malofiej22, o maior e mais

importante prêmio de infografia e visualização de informação no contexto jornalístico; além do título de Melhor publicação digital do Premio ÑH, nas edições de 201623 e

201724. Desde o seu lançamento, em novembro de 2015, o veículo atua no segmento jor-

nalístico com a proposta de oferecer um jornalismo mais contextualizado, que democra- tize o acesso a dados e estatísticas relevantes para o público de modo que o debate público se qualifique e se torne mais plural (NEXO, 2018). Autointitulado jornal, o Nexo se cons- titui a partir de uma equipe pequena, de 30 pessoas, que aposta na integração entre pro- fissionais de áreas de formação e atuação diferentes, como jornalismo, ciências sociais,

21 Disponível em: <https://awards.journalists.org/winners/2017/>. Acesso: 17 de dezembro de 2018. 22 Disponível em: <https://bit.ly/2JDHfP7>. Acesso: 17 de dezembro de 2018.

23 Disponível em: <https://bit.ly/2g0CvDs>. Acesso: 17 de dezembro de 2018. 24 Disponível em: <https://bit.ly/2hFuIS3>. Acesso: 17 de dezembro de 2018.

estatística, tecnologia, negócios, ciência de dados e design, e que se dedicam a explorar as possibilidades do meio digital numa tentativa de propor uma “abordagem única, usando uma diversidade de formatos como infográficos, materiais interativos, vídeos e podcasts, colocando a experiência do usuário no centro da produção” (NEXO, 2018, on- line). Dessa maneira, a retórica institucional do Nexo apresenta aspectos contrastantes com o que foi observado em estudos sobre veículos nativos digitais anteriormente por Salaverría et al. (2018), porque o perfil de gestão se mostra híbrido, com profissionais de diferentes contextos de formação – Engenharia, Ciências Sociais, Jornalismo –, e também como em função da existência de adequação ao cenário de marketing e negócios, por exemplo, através da inserção de profissionais especializados destas áreas dentro do qua- dro de funcionários da empresa, evidenciado pelo discurso que ilustra a proposta de po- sicionamento do veículo.

Segundo uma de suas fundadoras, Paula Miraglia, a tradução deste novo modelo editorial de funcionamento proposto pelo Nexo se faz presente em aspectos que abran- gem, por exemplo, o processo de concepção das pautas, em que não existe o fluxo tradi- cional de redação de uma matéria para posterior avaliação de como o design ou a tecnologia podem desenvolver ou adaptar a informação concebida para atrair a atenção dos leitores; assim como a concepção das reportagens que parte de uma atividade con- junta dos profissionais, o que tende a influenciar de maneira significativa o produto final (DONINI, 2017).

Atualmente, o Nexo funciona com base em um modelo de paywall, em que os leitores não-assinantes têm direito a ler até cinco reportagens por mês. Além disso, já inclui também um braço educacional, a Escola N25, que se constitui como plataforma que

oferece cursos ao público em geral e também conteúdos especialmente pensados para professores, que podem ter acesso livre a uma parcela dos materiais da plataforma para utilizar como recurso educacional em sala de aula. Parte dos instrutores dos cursos são também integrantes da redação do Nexo, utilizando-se de um modelo híbrido de aprovei- tamento dos profissionais para incrementar o fluxo de receita da organização. Tanto a estratégia de integração de áreas diferentes em um mesmo modelo de trabalho, mais com- pacto e sincronizado, assim como as múltiplas fontes de investimento que a empresa re- cebe, principalmente pelo fato de se declarar independente, o que já restringe algumas das possibilidades de apoio financeiro, refletem algumas das características gerais dos

nativos digitais discutidos anteriormente. Ao mesmo tempo, no entanto, o Nexo se dife- rencia pela adesão ao modelo de paywall, que é característico de veículos legados de comunicação, e pela recusa ao uso da publicidade também, apesar de contabilizar uma média de visitas acima de 3 milhões no último semestre, de acordo com dados da Similar Web26, o que já o caracterizaria como potencial meio de publicidade para anunciantes

interessados no perfil de público que o jornal consegue reter.

Como indicado na introdução do trabalho, complementarmente ao Nexo, optou-se também por buscar outros veículos que pudessem contribuir para a reflexão sobre o uso de visualizações pelo jornalismo de maneira mais abrangente, apontando potenciais por meio de similitudes e distanciamentos entre posturas adotadas por veículos diferentes, e não só características que descrevem uma organização individualmente. Recorreu-se, en- tão, ao Malofiej como critério de seleção e filtragem, por ser uma premiação internacional que contribui com a categorização e sistematização da atuação de veículos jornalísticos no que diz respeito à utilização de visualizações. O Nexo foi reconhecido na edição de 2018 do Malofiej dentro da categoria de Best Portfolio, sendo o único brasileiro nos últi- mos cinco anos a ser premiado nesta categoria, em que são destacados veículos jornalís- ticos que não necessariamente tiveram grandes projetos de visualização ou infografias que merecem destaque isoladamente, mas sim, aqueles que publicaram conjuntos de re- portagens baseadas em visualizações de alta qualidade.

A maioria dos veículos premiados na categoria de Best Portfolio são americanos, tendo sido já reconhecidos pelo conjunto da obra desde alguns grandes jornais tradicio- nais como The New York Times e Washington Post até veículos criados mais recentemente e exclusivamente digitais, como o FiveThirtyEight e o Quartz. Por isso, para ser possível fazer uma comparação envolvendo o Brasil e outro país com destaque dentro deste mesmo perfil de publicação e atuação jornalística, optou-se por selecionar um jornal que estivesse no mesmo espectro que o Nexo ocupa no mercado brasileiro: um veículo nativo digital. Além disso, como mais de um veículo nativo digital americano apareceu no recorte dos últimos cinco anos de premiação, foi escolhida a empresa que apareceu com maior fre- quência dentro desta mesma categoria, o que reforça a importância e qualidade do seu trabalho no campo da visualização. O resultado foi a seleção do FiveThirtyEight, que

26 Disponível em: <https://www.similarweb.com/website/nexojornal.com.br#overview>. Acesso: 17 d dezembro de 2018.

recebeu medalhas em todas as premiações por melhor portfólio no período entre 2013 e 2018.

O FiveThirtyEight nasceu como blog em 2008, escrito por Nate Silver, um esta- tístico americano que publicava análises e comentários estatísticos sobre a política do país na plataforma Daily Kos sob o pseudônimo Poblano27. Após a publicação de predições

que chegaram surpreendentemente próximas dos resultados obtidos nas votações primá- rias do Partido Democrata entre Barack Obama e Hilary Clinton, em fevereiro de 2008, Silvern começou a despertar a atenção e ganhar seguidores, destacando-se diante dos olhos de jornalistas de veículos como o The New York Times28. Em março do mesmo ano,

Silver criou o blog FiveThirtyEight, migrando para a nova plataforma, agora proprietária, com suas análises sobre política. Com o ganho de relevância entre os blogs, o Fi- veThirtyEight foi adquirido pelo The New York Times em junho de 2010. Três anos mais tarde, em julho de 2013, anunciava-se que o blog acabara de ser comprado pela ESPN. A partir desta última migração, que se completou em março de 2014 quando o domínio oficial do site foi publicado, divulgou-se também um manifesto escrito por Nate Silver29,

que passou a editor-executivo do FiveThirtyEight. Nesta declaração, Silver explicou os fatores envolvidos no reposicionamento do antigo blog para um site com contornos mais plurais, que tinha no jornalismo de dados seu modo de operação. O site passou a contar com uma estrutura mais ampla e diversificada, aumentando o número de jornalistas e se consolidando como organização jornalística devidamente.

Nós expandimos nosso time de dois jornalistas dedicados integralmente para 20. Poucos deles vão focar exclusivamente na cobertura política; ao invés disso, nossa cobertura vai contemplar cinco grandes áreas – política, economia, ciência, vida e esportes. Nosso time também conta com um amplo espectro de habilidades e experiência em métodos que são a marca do jornalismo de dados. Isso inclui análises estatísticas, mas também visualização de dados, programa- ção e reportagens baseadas em dados. Então, além das estórias por escrito, te- remos gráficos interativos e outros recursos (SILVER, 2014, online).30

Hoje, o veículo faz parte do portfólio da ABC News, uma organização jornalística da The Walt Disney Company, mesmo grupo a que pertence a ESPN31. Dessa maneira, as

27 Disponível em: <https://www.dailykos.com/user/Poblano>. Acesso: 31 de maio de 2018.

28 William Kristol, colunista e comentarista de política, cita uma das análises de Silver, sob o nome de Poblano, em artigo publicado em 11 de fevereiro de 2008. Disponível em <https://nyti.ms/2sokkA2>. Acesso: 31 de maio de 2018. 29 Disponível em <https://53eig.ht/2osLQfi>. Acesso: 06 de março de 2018.

30 “We’ve expanded our staff from two full-time journalists to 20 and counting. Few of them will focus on politics exclusively; instead, our coverage will span five major subject areas — politics, economics, science, life and sports. Our team also has a broad set of skills and experience in methods that fall under the rubric of data journalism. These include statistical analysis, but also data visualization, computer programming and data-literate reporting. So in addition to written stories, we’ll have interactive graphics and features.” Todas as traduções foram feitas pelo autor. Disponível em: <https://53eig.ht/2osLQfi> Acesso: 06 de março de 2018.

produções do FiveThirtyEight passam a ser transmitidas majoritariamente nos canais ge- renciados pela ABC News, e eventualmente também em colaboração com a ESPN, dada a relevância do trabalho esportivo realizado pelo veículo. Sendo assim, em virtude da transformação ocorrida durante a trajetória do FiveThirtyEight é que se estabelece o inte- resse sobre o veículo, em especial, a partir dos anos de 2013 e 2014, quando ele se posi- cionou como veículo jornalístico que tinha nas bases de dados e fontes estatísticas suas principais fontes de informação, articulando uma multiplicidade de produtos e temáticas que o descaracterizaram unicamente como blog de política. Além disso, é diante dessa nova postura e articulação de novos métodos de apresentação da informação – aqui in- clusa a visualização de informação, conforme declaração de Silver – que o conteúdo pro- posto pelo site interessa à presente pesquisa.

O veículo americano, que atualmente conta com uma média de 23 milhões de acessos mensais, de acordo com dados da SimilarWeb32, é considerado uma importante

figura do cenário do jornalismo guiado por dados, causando controvérsia nas discussões a respeito do uso de modelos estatísticos e previsões como fonte de informação jornalís- tica, principalmente levando em consideração o histórico de erros e acertos que a redação vem tendo no que diz respeito às previsões das eleições jornalísticas (GRAY, BOUNE- GRU, 2018). Em contraste com o cenário dos nativos digitais, o FiveThirtyEight conta com o suporte de grupos comunicacionais por trás de sua estrutura, diferenciando-se, por- tanto, do modelo independente que é predominante entre os veículos que nascem direta- mente no digital. No entanto, a proximidade do seu modelo editorial com as propostas do jornalismo guiado por dados, com o compartilhamento do conhecimento, a articulação e disponibilização de parte dos seus recursos na rede, além da maneira integrada que a re- dação trabalha, contando com profissionais de diferentes cenários de atuação (desenvol- vimento, jornalismo, design e estatística), o coloca em acordo com parte das características delineadas como comuns também entre os nativos digitais.

3 JORNALISMO E VISUALIZAÇÃO DE INFORMAÇÃO

Assim como a inserção definitiva nas redações e a popularização comercial do computador pessoal nos anos 1980 (COX, 2000; FIDLER, 1997) trouxe impactos aos âmbitos tecnológicos, editoriais e profissionais do jornalismo, refletindo de maneira mais significativa o que viria, mais tarde, a ser conceituado como processo de convergência midiática, o computador começou a ganhar destaque como ferramenta dentro das reda- ções. Crescia, portanto, o interesse pelas potencialidades de sua apropriação, que mais tarde se consolidaria em forma de prática chamada Reportagem Assistida por Computa- dor, que é uma das bases para entender o jornalismo guiado por dados (TRÄSEL, 2014). Com a disseminação das práticas geradas a partir da articulação de grandes conjuntos de dados, se consolidou também a visualização de informação como parte importante do processo de comunicação das informações apuradas por meio das técnicas do jornalismo baseado em análises de dados. Da mesma maneira que a digitalização das redações ace- lerou o processo de produção e edição das informações visuais de jornais e revistas na época, a articulação digital e em rede, que viria mais tarde, possibilitou a popularização e o aperfeiçoamento das técnicas de visualização no ecossistema jornalístico contempo- râneo.