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Com a informação e resultados que foram sendo recolhidos e que foram apresentados neste capítulo, conclui-se que o fenómeno do descascamento do coating está relacionado com uma acumulação de tensões na interface vidro-coating. Essas tensões levam a que o coating sofra forças residuais compressivas, que ao ultrapassarem o valor de tensão crítica promovem a formação de bolhas (buckles) ao nível do coating. O coating descasca ou fratura caso essas bolhas estejam presentes e haja uma ação mecânica sobre elas, como por exemplo, a ação de limpeza da lente com um pano após a deposição. Conclui-se que o descascamento não é mais do que uma manifestação visível a olho nu da existência de bolhas no coating, resultantes das tensões acumuladas na interface, que partem por ação mecânica posterior.

Assim sendo, a primeira hipótese sobre a origem do descascamento que defendia que este fenómeno resultava de uma degradação da superfície polida da lente consequência de problemas de oxidação ou corrosão deixa de fazer sentido neste momento. Os estudos de caracterização realizados vieram comprovar a segunda hipótese, que sustentava a ideia de que o descascamento acontece por um problema de formação de estruturas em relevo no coating por má adesão ao substrato de vidro, fruto de um acumular de tensão no próprio coating.

A imagem da gura 18 esquematiza num diagrama o modelo explicativo do fenómeno de descascamento de coatings em lentes de vidro sensível.

4 Desenho de uma Experiência de Otimização

No capítulo anterior foram apresentados os resultados obtidos na caracterização do problema do descascamento e degradação de coatings em lentes de vidro sensível. Ficou demonstrado que o problema tem origem numa acumulação de tensões na interface entre o vidro e o coating. Essas tensões resultam da diferença de valores para o coeciente de expansão térmica (σ) entre o vidro sensível que constitui as lentes e os materiais que integram a estrutura do coating multicamada. Devido à diferença de σv existente, pela variação das temperaturas que ocorrem ao longo do processo de produção, nomeadamente na etapa do revestimento, existe uma acumulação de tensão no coating.

A revisão da literatura feita sobre delaminação e descascamento de coatings, apresentada na subsecção 2.6 evidenciou que existem na literatura modelos que permitem medir as tensões residuais que se acumulam na interface de um substrato e do respetivo coating. Para chegar aos valores da tensão é necessário analisar e medir alguns parâmetros estruturais dos padõres de relevo que se formam no coating.

Neste capítulo apresenta-se uma experiência de otimização experimental com base em mé- todos de Taguchi que foi concebida para determinar quais as variáveis inerentes ao processo de produção de lentes esféricas constituídas por vidros sensíveis que mais poderiam inuenciar a produção de uma lente em bom estado, ou seja, uma lente em que não ocorra descascamento do coating. Essa experiência baseou-se num método para medir tensões residuais no coating que foi usado num artigo publicado por Cordill et al.[45]- o modelo straight-sided buckle.

4.1 Determinação da tensão residual num coating

Uma experiência de otimização experimental usando métodos de Taguchi permite estudar um determinado problema, percebendo de entre um conjunto vasto de parâmetros quais deles mais contribuem para a variação do resultado nal. Além disso, os métodos de Taguchi são também muito usados em problemas relacionados com Engenharia de Produto/Qualidade, uma vez que permitem reduzir de forma signicativa o número de combinações a estudar[47]. Existem na literatura vários estudos deste tipo que utilizaram estes métodos na procura de uma solução[48, 21]. Nesse sentido é necessário haver uma seleção prévia não só dos parâmetros que se considere que possam ser relevantes para o problema, mas também de uma variável de saída que permita quanticar o resultado e avaliar a solução.

Com base no conhecimento do processo produtivo e do fenómeno do descascamento, os pa- râmetros que se pretendia estudar eram vários, no entanto não havia inicialmente uma variável de saída que permitisse obter um resultado quanticado. No problema do descascamento de um coating, uma variável de saída binário do tipo coating descasca/não descasca revelava-se insuciente. No entanto, a descoberta na literatura de modelos capazes de quanticar a tensão residual que se acumula num coating permitiu chegar a uma grandeza contínua que viria a servir como variável de saída - a tensão residual no coating[30, 45]. Quanto maior a tensão

Figura 19: Imagens observadas ao microscópio ótico das duas lentes utilizadas na aplicação do modelo que calcula as tensões residuais no coating. Lente 1 (esquerda), lente 2 (direita).

num coating, maior a tendência para formar bolhas de delaminação e consequentemente maior o seu estado de degradação, numa relação descrita na equação 16, da subsecção 2.6[45].

O modelo utilizado atribui duas expressões para as tensões residual e crítica, respetiva- mente, que na subsecção 2.6 estão descritas através das equações 15 e 16. O modelo considera que caso a tensão residual que se acumula num coating seja superior à sua tensão crítica, então o coating delamina deixando de aderir bem ao substrato, formando estruturas em relevo no coating. Essas estruturas podem variar desde pequenos pontos (point buckles), passando por estruturas em linha retilínea (straight-sided buckles), até estruturas onduladas (telephone- cord buckles). A formação de cada tipo de estrutura depende do coeciente entre a tensão residual e a tensão crítica[30].

Na gura 19 estão representadas duas imagens que foram registadas durante a observação ao microscópio ótico de duas lentes. Ambas as lentes eram sistemas de lentes A, exatamente idênticas à lente que foi apresentada na subsecção 3.1 e que foi alvo de estudo durante o projeto. O coating multicamada aplicado tinha uma estrutura igual à que foi apresentada na secção 3.2. Aquilo que se observa nesta gura é que a imagem da Lente 1 (à esquerda na gura 19) revela uma lente com maior densidade de defeitos no coating comparativamente com a Lente 2 (à direita na gura 19). Além disso, na imagem da Lente 1 identicam-se essencialmente bolhas com estruturas onduladas, designadas na literatura por telephone-cord buckles, ao passo que na imagem da Lente 2 prevalecem estruturas pontuais, designadas por point-buckles. Com base no modelo de Cordill et al. e tendo em conta estes dados tudo apontava para que a Lente 1, da esquerda, apresentasse uma tensão residual maior que a Lente 2, da direita.

Para conrmar estas armações passou-se à medição das tensões residuais de ambas as lentes. As expressões do modelo utilizado para as tensões crítica e residual foram:

σc= π2 12 E (1 − ν2) h b 2

Figura 20: a) Imagem observada ao microscópio ótico de uma estrutura "telephone-cord buc- kle". As linhas retas a preto representam os percursos da ponta de medida do perlómetro em algumas das medições efetuadas. b) Gráco do perl transversal de uma "telephone-cord buckle", correspondente ao percurso 1.1 assinalado na imagem a).

σr = 3 4σb δ2 h2 + 1 !

, com uma dependência nos seguintes parâmetros: ˆ E, módulo de Young do coating multicamada; ˆ ν, coeciente de Poisson do coating multicamada; ˆ h, altura do coating multicamada;

ˆ δ, altura máxima da bolha;

ˆ 2b, espessura transversal da bolha.

Considerando que o coating multicamada depositado sobre as lentes estudadas foi sempre o mesmo, então os parâmetros E, ν e h são tomados como valores constantes. O valor de h, altura do coating, é um valor conhecido, controlado durante a etapa de revestimento, aquando da sua deposição. Os valores E e ν não são conhecidos, sabendo-se porém que são valores constantes. A determinação dos outros dois parâmetros, δ e 2b, é conseguida recorrendo a técnicas de perlometria. Desta forma, os valores das tensões σb e σrpodem car determinados

em unidades do sistema internacional, o Pascal (Pa), porém a menos de uma constante que é dada por E

(1−ν2) = K = const.

Na gura 20 é possível observar na imagem (a) uma zona ampliada de uma das estruturas do tipo telephone-cord buckle presente no coating da Lente 1 da gura e respetivas medi- ções efetuadas com o perlómetro, disponível no MNTEC, onde as linhas a preto representam

Tabela 3: Tensão crítica e tensão residual para as várias medições efetuadas para as lentes 1 e 2 apresentadas na gura 19.

linhas de medida. A imagem b) diz respeito ao perl transversal de uma das medições efetu- adas, assinalada na imagem a) como a medida 1.1. Nessa imagem representam-se ambos os parâmetros que são determinados com esta técnica, são eles a altura máxima da bolha, δ, e a dimensão transversal da bolha, 2b. Para ambas as lentes representadas na gura19 trabalhou- se segundo o procedimento apresentado anteriormente, esclarecido pela gura 20. Para cada uma delas efetuaram-se quatro medições. Os resultados são apresentados na tabela 3.

Pela análise dos resultados da tabela 3. há dois pontos que merecem ser discutidos. O primeiro tem que ver com o facto das tensões residuais serem maiores para a Lente 1 do que para a Lente 2. Pelas observações ao microscópio ótico (gura 19) tudo apontava para que tal se vericasse. A Lente 1 além de apresentar uma maior densidade de defeitos, isto é, um estado de degradação do coating maior do que o da Lente 2, tem também bolhas cuja estrutura é do tipo telephone-cord buckles em contraste com as point-buckles que prevalecem na Lente 2. Estes dois indicadores, como já foi referido, potenciam em termos quantitativos o valor da tensão residual. Relativamente aos dois parâmetros medidos com o perlómetro, a maior diferença verica-se no parâmetro δ , tendo as bolhas da lente 2 aproximadamente metade da altura das bolhas da lente 1. As dimensões transversais são semelhantes para ambas as lentes. O valor médio para a tensão residual da lente 1 é de σr1 = 31, 2989K × 10−4P a, enquanto

para a lente 2 é de σr2 = 12, 3560K × 10−4P a.

O segundo ponto diz respeito à tensão crítica medida para cada uma das lentes. Para a lente 1 o valor médio foi σc1 = 2, 2175K × 10−4P a e para a lente 2 foi σc2 = 2, 6831K ×

10−4P a. São valores muito aproximados, levando a crer que o valor da tensão crítica pudesse ser um valor aproximadamente constante de lente para lente, sendo variável apenas o valor da tensão residual de cada lente. Neste caso, se se registarem tensões residuais maiores que a tensão crítica numa dada lente, então será de esperar o aparecimento de relevo no coating. Conseguindo reduzir as tensões residuais por forma a serem menores que a tensão crítica, será possível produzir lentes de vidro sensível em que se verique uma boa adesão do coating à lente.

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