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Capítulo I – Enquadramento Teórico

1.3. Noção de Competência

Muito se tem falado sobre os percursos e experiências pessoais, sociais e profissionais dos sujeitos ao longo da vida e como estes contribuem para o desenvolvimento de capacidades e saberes úteis ao crescimento individual e da

sociedade. Neste sentido, importa clarificar alguns aspectos relativamente ao conceito de competência.

Muitos autores defendem que as competências resultam das aprendizagens que se fazem ao longo da vida, mas outros consideram que estas estão em permanente construção. Segundo Oliveira (1995, citado por Simões, 2008), as competências são um “fenómeno dinâmico, multidimensional e complexo, incorporado pelos indivíduos a

partir dos sistemas sociais em que estão inseridos e que articulam, de modo coerente, as esferas do ensino, formação e produção com o sistema de relações profissionais” (p. 10).

Neste sentido, o desenvolvimento de competências e o processo de reconhecimento e certificação das competências são alvo de muitas reflexões, pois são as competências que permitem uma interacção eficaz entre os sujeitos e o mundo e levam ao desenvolvimento de novas aprendizagens, realçando as potencialidades de cada um enquanto agentes activos. Na perspectiva de Perrenoud (2000), competência não significa mais do que “a faculdade de mobilizar um conjunto de recursos cognitivos

(saberes, capacidades, informações, etc) para solucionar com pertinência e eficácia uma série de situações”.

No campo educacional, a noção de competência tem sido explorada e tornou-se a ferramenta em torno da qual a formação de adultos se tem organizado.

A educação e formação de adultos centra-se nos sujeitos e nas aprendizagens adquiridas ao longo da vida, focando as competências como aptidões que estes desenvolvem “numa perspectiva de valorização do individuo em toda a sua amplitude

no âmbito de um conjunto de saberes utilizados em situações concretas, considerando os campos informais pelo qual o sujeito passa” (Januário, 2006, p. 67).

À medida que os adultos reciclam os seus conhecimentos e vivem novas experiências, tornam-se capazes e desenvolvem aptidões que servem como um instrumento que lhes permite enfrentar uma situação problema, mobilizar conhecimentos e superar os problemas que vão surgindo transformando, dessa forma, as suas competências. Ou seja, é a prática dos indivíduos num determinado contexto (seja ele de natureza formal ou informal) que se constitui como uma característica essencial da competência. Como afirma Januário, (2006), “fortemente empregnada de uma noção

de saber fazer, a competência não se esgota na acção, no entanto é inegável que é aí que ela surge e pode ser avaliada/julgada” (p. 35).

A competência constrói-se, sobretudo, no indivíduo através dos diferentes contextos pessoais, sociais e profissionais, articulando as aprendizagens desenvolvidas em cenários de educação formal, não formal ou, até mesmo, informal. Neste sentido, e tal como afirma Simões (2008), é importante ser estimulada nos sujeitos a vontade de aprender a aprender e a autonomia da aprendizagem, tornando-os capazes de adquirir novos conhecimentos, saberes e atitudes em qualquer contexto.

Apesar da competência ser apreciada na acção de uma determinada situação e num determinado contexto, segundo Ávila (2008), é importante ter presente que o conceito de competência “não é redutível a um mero conjunto de comportamentos ou

práticas” (p. 93). De acordo com algumas perspectivas teóricas, e segundo a autora, “a

competência remete sobretudo para a dimensão “interna” e não apenas, como por vezes parece ser sugerido, para a externa” (p. 93)

Contrariando a ideia reducionista do que significa ser competente, não chega observar o desempenho dos sujeitos na resolução de tarefas e analisar os resultados obtidos. Tal como afirma Januário (2006), “a ênfase no produto final, minimiza a

consideração do conceito nas suas dimensões cognitiva, relacional e sócio-afectiva, igualmente importantes para a sua compreensão” (p. 32).

Segundo Le Boterf (1998), “cada pessoa constrói um esquema operatório que

lhe é próprio, que lhe permite realizar com competência uma família de actividades”(p. 23). Nesta perspectiva, podemos concluir que não existe uma forma única para se resolver um problema e que dois sujeitos podem ser igualmente competentes na sua resolução.

Tendo em conta que os indivíduos são seres sócio – históricos integrados numa determinada cultura, estes possuem “um conjunto de valores e significados, de modelos

socialmente partilhados que o orientam na sua acção” (Boterf, 1998, citado por Simões, 2008, p. 24). É neste sentido que, historicamente, se define a competência como sendo um “saber em acção”. Estes saberes são constituídos por um conjunto de conhecimentos e recursos que se combinam e transferem, no sentido de dar resposta às necessidades de uma determinada situação num determinado momento. Nesta perspectiva, Chomsky (1969, citado por Ávila, 2008), distingue competência de desempenho:

“a primeira corresponde a um conjunto de regras, não observáveis, nem acessíveis à consciência do sujeito, nas quais reside a possibilidade de desenvolvimento da linguagem; o segundo remete explicitamente para os comportamentos, ou seja, para o uso e expressão da linguagem” (.pp. 93-94).

As mudanças sociais e os avanços tecnológicos exigem uma permanente adaptação dos sujeitos ao mundo nas suas mais variadas vertentes. Cada vez mais, exige-se aos cidadãos que actualizem e reciclem os saberes e as capacidades para, rapidamente, darem resposta aos desafios e problemas com que se deparam. Assim, os sujeitos agindo e reflectindo sobre as suas atitudes, não só se envolvem na acção como também testam os seus conhecimentos.

A articulação das novas experiências com as anteriores são, segundo Simões (2008), uma forma de “construir uma formação organizada, estruturada e coerente” (p. 11). Assim, “numa reflexão retrospectiva sobre a acção, o sujeito formaliza as

competências implícitas produzidas na acção e transforma-as em saberes de acção numa lógica de reflexão sobre acção” (Januário, 2006, p. 52). Contudo, trata-se de um processo complexo que exige uma grande disponibilidade cognitiva por parte dos sujeitos mas que lhes permite desenvolver capacidades mais complexas e reunir um conjunto de saberes prontos a ser utilizados.

Hoje, o conceito mantém-se e Pires (2002) define competência como sendo “uma capacidade de pôr em prática numa determinada situação...um conjunto de

conhecimentos, de comportamentos, de capacidades e de atitudes que podem ser decomponíveis em saberes (saber), saber fazer e saberes ser ou estar” (p. 263). Esta abordagem salienta claramente o facto de que a capacidade para identificar a natureza dos problemas é fundamental, assim como o apelo aos conhecimentos previamente adquiridos quer na escola, quer numa outra situação de vida, experienciada pelo sujeito.

Remetendo novamente à educação e formação de adultos e, tendo em conta que esta apela às aprendizagens desenvolvidas ao longo da vida e centra-se no individuo enquanto agente em interacção com os outros e com o mundo, as competências surgem, segundo Stroobants (1998, citado por Ávila, 2008), “como um potencial, enquanto

recursos individuais escondidos, susceptíveis de serem desenvolvidos através da formação ou serem transferidos de uma situação para outra” (p. 94).

Na formação de adultos, ao procurar integrar o sujeito com as suas experiências de vida e a capacidade deste em produzir o desenvolvimento de si próprio, é fundamental ter em conta que, “as competências podem, e devem, ser entendidas

enquanto “disposição para a acção” e não meramente como um conjunto de comportamentos atomizados; são habitus, ou “esquemas de acção”” (Ávila, 2008, p. 94).

São os factores intrínsecos aos sujeitos, tais como a intencionalidade e a motivação dos indivíduos face a diferentes situações, que contribuem, segundo Le Boterf (1995), para o desenvolvimento de competências. Esta noção salienta o facto de que, sendo a competência uma característica que cresce na pessoa e com a pessoa em vários momentos, é necessário procurar e criar circunstâncias propícias para a sua manifestação, através de actos e/ou comportamentos. Segundo Ávila (2008), tal requer que as competências “sejam avaliadas a partir do exterior, tornando-se objecto de

formalização, sob a forma de listas, cartas, potefolios ou referenciais, onde são retraduzidas em capacidades de acção gerais ou particulares” (p. 94).

Esta nova orientação curricular, implementada em vários países, vem valorizar não apenas a transmissão de conhecimentos e saberes, mas também a sua utilização, ou mobilização. Os saberes adquiridos/desenvolvidos em contextos de educação/formação formal, embora tenham um papel importante na construção das competências, tornaram- se insuficientes e limitadores sem o recurso às experiências de vida dos sujeitos. Tal como afirma Perrenoud (2003),

“os currículos orientados apenas para os saberes tenderão a não questionar, nem arriscar reflectir sobre o modo de articulação e mobilização dos conhecimentos, ou sobre a forma como os saberes “se constroem, se conservam, se articulam, se transferem, se generalizam, se esquecem ou se enriquecem” (pp. 10-11, citado in Ávila, 2008, p. 96).

A articulação entre os seus adquiridos, as suas experiências de vida, o seu sistema de valores, o meio e a cultura são indispensáveis e determinantes na construção da imagem que os sujeitos têm de si próprios e do mundo. É nesta perspectiva da combinação sócio – histórica dos sujeitos com a mobilização de saberes, que se apresenta o resultado final e se tem noção da forma como este desenvolve as suas actividades. Segundo Perrenoud (2003), “uma abordagem por competências não

pretende mais do que permitir a cada um aprender a utilizar os seus saberes para actuar” (p. 17, citado por Ávila, 2008, p. 99).

A forma como os adultos se apropriam, transformam e operacionalizam a informação e os conhecimentos que adquiriram/desenvolveram em diferentes momentos e em diferentes contextos, vão permitir que, em tempo útil, evidenciem as suas competências e a gestão que fazem no sentido de se tornarem cada vez melhores e mais capazes em diversas áreas. Tal como afirma Almeida (2003, citado por Januário, 2006),

“transferir recursos é gerir competências” e estas serão tão mais transferíveis quanto mais abrangente for a sua aplicabilidade.