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Noções de Direito Administrativo

No documento GILBERTO JOSÉ SCHNEIDER (páginas 48-51)

Certamente é finalidade do Estado a promoção do interesse público e, nesse sentido, o interesse público é o próprio interesse do Estado (interesse primário do Estado), mas não se pode confundir o interesse público com o interesse da administração ou do Estado como pessoa jurídica (interesse secundário do Estado). O interesse público, entendido como o interesse do todo social, dá uma dimensão pública aos interesses individuais dos membros da sociedade, portanto, embora eventualmente o interesse público possa se contrapor a um dado interesse individual, não se concebe um interesse público discordante do interesse de cada um dos membros da sociedade. Assim, Celso Antônio Bandeira de Mello conceitua o interesse público como: “o interesse resultante do conjunto de interesses que os indivíduos pessoalmente têm quando considerados em sua qualidade de membros da sociedade e pelo simples fato de o serem”108.

Nesse sentido cumpre observar que, embora seja função precípua do Estado promover o interesse público e seja princípio básico do direito administrativo a supremacia do interesse público sobre o interesse particular, os interesses públicos constituem direitos subjetivos que podem ser titularizados individualmente pelos particulares, inclusive em sua defesa contra o próprio Estado quando este se desvia de sua finalidade ou da legalidade109.

A individualização dos diferentes interesses qualificáveis como “interesses públicos” deve ser encontrada no direito positivo, isto é, quem o faz é a Constituição e, a partir desta, o Estado através dos órgãos legislativos e administrativos, nos limites da discricionariedade que a lei lhes tenha atribuído110. Embora a liberdade do legislador seja muito mais ampla que a limitada discricionariedade concedida ao administrador, esta não é absoluta, submetendo-se aos ditames da Constituição, evidenciando-se entre os princípios que

108

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 14ª. Ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 71.

109

Idem, p. 73.

110

a conformam a razoabilidade. Razoabilidade engloba não apenas retidão de fins, mas também, proporcionalidade axiológica, podendo a irrazoabilidade manifestar-se pelo desvio de finalidade, pela desproporção entre a norma e o fim visado, ou, ainda, na relação entre os fatos que determinam o ato e seu objeto, como ocorre no caso em que a punição é excessiva em relação à gravidade da infração cometida111.

O princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado é pressuposto lógico do convívio social, condição de existência da própria sociedade, dispensando qualquer dispositivo constitucional que o ratifique. Dele decorrem a exigibilidade e, nos casos de previsão legal e/ou urgência da medida, a auto-executoriedade dos atos administrativos. Também o princípio da autotutela, que permite à administração revogar, dentro de certos limites, os próprios atos quando inconvenientes ou inoportunos (campo da discricionariedade) e a obriga a anular os atos inválidos, é daí decorrente. A incorreta utilização de tais prerrogativas tem, entretanto, nos institutos do habeas corpus e do mandado de segurança os remédios judiciais adequados à sua correção112.

Tais prerrogativas da Administração não são por esta manejáveis a seu bel-prazer, pois se trata de deveres-poderes atrelados ao cumprimento de suas finalidades (interesse público) cujo escopo é imposto pela Constituição e/ou pela lei, excluindo a autodeterminação e a autonomia da vontade do administrador. Assim, no caso concreto, os poderes da administração não podem ir alem da medida necessária ao atendimento da finalidade em que se fundam. Nesse sentido as palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello:

os poderes administrativos – na realidade, deveres-poderes – só existirão – e, portanto, só poderão ser validamente exercidos – na extensão e intensidade proporcionais ao que seja irrecusavelmente requerido para o atendimento do escopo legal a que estão vinculados. Todo excesso, em qualquer sentido, é extravasamento de sua configuração jurídica. É, a final, extralimitação da competência. É abuso, ou seja, uso alem do permitido, e, como tal,

111

 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade Administrativa na Constituição de 1988. 3ª. Ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 201. 

112 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 14ª. Ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 79. 

comportamento inválido que o judiciário deve fulminar a requerimento do interessado113.

Esse entendimento é complementado pelo principio da indisponibilidade dos interesses públicos, uma vez que, próprios da coletividade, são inapropriáveis, cabendo apenas à administração o dever de dar cumprimento às finalidades que lhes servem de parâmetro, na estrita conformidade do que dispuser a lei.

O princípio da razoabilidade, fundamentado nos artigos 5°, II; 37 e 84 da Constituição Federal, indica que a administração, ao atuar no exercício do poder discricionário que a lei lhe conceder, deverá obedecer a critérios aceitáveis do ponto de vista racional, em sintonia com o senso normal de pessoas equilibradas. Serão jurisdicionalmente inválidas por ilegítimas condutas que não se adéqüem a esses critérios de prudência, sensatez e acatamento às finalidades da lei.

A discrição administrativa visa permitir que o administrador adote a providência ótima para o caso concreto, isto é, aquela que melhor atenda à finalidade da lei, não lhe permitindo, no entanto, agir ao sabor dos próprios interesses, humores ou paixões. Providências desarrazoadas violam o princípio da finalidade e, sendo a finalidade integrante da própria lei, serão ilegítimas, portanto anuláveis pelo Poder Judiciário114.

Nas palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello, o princípio da proporcionalidade é portador do mandamento de que “as competências administrativas só podem ser validamente exercidas na extensão e intensidade proporcionais ao que seja realmente demandado para cumprimento da finalidade de interesse público a que estão atreladas”. Condutas que ultrapassem tais limites, especialmente em atos que restringem situações jurídicas dos administrados, restam eivadas de ilegalidade, uma vez que ninguém é obrigado a suportar constrições em sua liberdade ou propriedade que não sejam indispensáveis à realização do interesse público. A inadequação à finalidade da lei é inadequação á própria lei, portanto, atos desproporcionais são ilegais, devendo, quando

113

 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 14ª. Ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 82. 

impossível anular somente o excesso detectado, ser invalidados pelo judiciário, se chamado a fazê-lo115.

No documento GILBERTO JOSÉ SCHNEIDER (páginas 48-51)