• Nenhum resultado encontrado

abordagens clássica e formal

2.2. Noções iniciais das categorias pronominais

Nas gramáticas de língua portuguesa, os quadros pronominais apresentados, normalmente, baseiam-se na forma dos pronomes quanto à função gramatical que eles expressam, isto é, a função sujeito, representada pelas formas pronominais do caso reto e as funções completivas direta e indireta, representadas pelos chamados átonos e tônicos preposicionados ou oblíquos. Uma curiosidade observada pelas gramáticas de língua portuguesa é o fato de os pronomes conservarem em suas formas o resquício da morfologia de caso que existia no latim, a exemplo as formas eu, me, mim relativamente ao sujeito (caso nominativo) e aos objetos direto e indireto (casos acusativo e dativo) – mantida também nas línguas românicas como um todo – mas com forte variação nas variedades brasileiras de português, pois, como é sabido, o quadro pronominal descrito nas gramáticas apresenta uma relação assimétrica com o uso que os brasileiros fazem dos pronomes. A título de exemplo, vejamos o quadro abaixo, retirado de Bechara (2009).

Quadro 1 – as formas pronominais da NGB37

PRONOMES PESSOAIS RETOS PRONOMES PESSOAIS OBLÍQUOS

Átonos Tônicos 1ª.p. Singular 2ª. p. 3ª.p. 1ª. p. Plural 2ª. p. 3ª. p. eu tu ele, ela nós vós eles, elas me te lhe, o, a, se nos vos

lhes, os, as, se

mim ti ele, ela, si nós vós eles, elas, si

Quadro extraído de Bechara (2009, p. 164)

37 A NGB – Nomenclatura Gramatical Brasileira –, foi implementada em 1959, por meio de portaria

ministerial. O conceito da NGB liga-se ao conjunto dos vocábulos estabelecidos para uso na gramática cujo objetivo é padronizar a nomenclatura gramatical em uso nas escolas e na literatura didática.

Por outro lado, há estudos mais recentes que seguem a tendência de abordagem dos aspectos gramaticais do português brasileiro na perspectiva da oralidade e que, mesmo

compreendido como expressão da ‘norma culta’ dos brasileiros, a expressão pronominal

também é assimétrica em relação ao português dito standard, apresentado no quadro acima. Um bom exemplo disto, é o quadro dos pronomes em Perini (2010):38

Quadro 2 – as formas pronominais do PB

Quadro extraído de Perini (2010, p. 116)

É significativa a assimetria resultante da forma e função entre os pronominais do primeiro quadro (Bechara, 2009) e os do quadro do português brasileiro (culto) de Perini (2010): com a ausência dos clíticos de terceira pessoa (o, a, lhe e flexões) na coluna ‘Forma

Oblíqua’, assim como a inserção de ‘lhe’ como pronome de segunda pessoa. Desse modo,

Perini assume as formas retas como as únicas disponíveis para preencherem as funções gramaticais acusativa e dativa de terceira pessoa.

As assimetrias observadas nos quadros acima refletem o uso que os brasileiros fazem dos itens pronominais, bem distante dos pronomes elencados pela Norma Gramatical Brasileira. Tais assimetrias ocorrem não apenas com os pronomes do caso sujeito relativamente à 2ª. pessoa do singular e do plural, mas, principalmente, em relação aos pronomes pessoais oblíquos. Nas variedades populares de português brasileiro, ou em

38 Há também outras gramáticas atuais que enfocam o português brasileiro, a exemplo a Gramática Pedagógica

do Português Brasileiro (Bagno, 2011), a Gramática do Português Brasileiro (Castilho, 2010) e a Pequena Gramática do Português Brasileiro (Castilho & Elias, 2012).

comunidades como as quilombolas, somente os pronomes referentes à 1ª. e 2ª. pessoas do singular (e com variações) serão semelhantes ao quadro 1 (BECHARA, 2009).

Muitas hipóteses já foram levantadas na busca da compreensão dos fenômenos que estão por trás da redução do quadro pronominal do português brasileiro. Ao iniciar este capítulo, em que apresento os quadros que refletem essas diferenças, não tenciono discuti-las ou refutá-las, mas evidenciá-las. Inicio uma apresentação do item pronominal, buscando o seu conceito desde a sua classificação tradicional, ou clássica, chegando às mais recentes.

A categoria pronominal tem sido classificada tradicionalmente por traços binários e se dentro do paradigma da tradição normativa esses traços assumem valores binariamente opostos, quer sintaticamente com formas pronominais retas vs formas oblíquas e as suas respectivas funções sujeito vs. complemento; quer fonologicamente, com formas tônicas vs. formas átonas; dentro do quadro teórico formal, a categoria pronominal (composta por traços

φ

– pessoa, gênero e número – e também regida por Caso) institui outros critérios de

oposições também binários, como positivo vs. negativo. Diversos estudos, no entanto, têm mostrado que essa oposição binária não permite uma descrição acurada de todos os fenômenos da categoria pronominal nas línguas. Logo, surgem outras propostas como a tripartição pronominal (Cardinaletti & Starke, 1999), a geometria de traços39 (Harley & Ritter, 2002), entre outras; porém nenhuma delas é definitiva, dadas as especificidades da categoria em pauta.

A emergência da classificação desses fenômenos ligados à categoria pronominal é, pois, um dos fatores de grande relevância no estudo das línguas. Tais discussões serão retomadas adiante; na sequência, passo a uma breve introdução da categoria pronominal relativamente ao português.

Não parece ser exagerado dizer que qualquer estudo sobre o quadro pronominal do português brasileiro abordará, ainda que indiretamente, o estudo clássico dos vocábulos proposto por Câmara Jr. (1996[1970], p. 69,70). Os estudos de Câmara Jr. incluem às formas

livres e presas descritas por Bloomfield (1933), as formas dependentes. Câmara Jr. (op. cit.)

inclui a essa nova categoria de formas – dependentes – aquelas que não são livres como os

vocábulos nem presas como os afixos; mas apenas se adjungem a outro vocábulo como o

artigo, certas preposições e certos pronomes que, por serem de natureza clítica, são

39 A geometria de traços também apresenta parâmetros binários, porém para um conjunto diversificado de

integrados a um vocábulo maior e subordinado ao acento que dá individualidade fonética a esse vocábulo.

Naquela classificação de Câmara Jr, os pronomes pessoais em língua portuguesa foram distribuídos ‘binariamente’ em formas livres: os pronomes tônicos; e formas dependentes: os clíticos ou átonos, na preferência das gramáticas.

Câmara Jr. (1996[1970]), sobre a classificação dos vocábulos formais, afirma que:

Há, em princípio, três critérios para classificar os vocábulos formais de uma língua. Um é o que eles, de maneira geral, significam do ponto de vista do universo biossocial que se incorporam na língua; é o critério semântico. Outro, de natureza formal ou mórfica, se baseia em propriedades de forma gramatical que podem apresentar. Um terceiro critério, que teve muita acolhida na gramática descritiva norte-americana, orientada pela linguística sincrônica de Bloomfield, é o funcional, ou seja, a função ou papel que cabe ao vocábulo na sentença.

(CÂMARA JR., 1996, p. 77)

Quanto aos critérios a que se refere Câmara Jr (1996), eles são também captados pela noção tradicional corrente nas gramáticas de língua portuguesa para os pronomes pessoais. São classificados, por exemplo, a partir de critérios sintáticos, como: (i) distribuição

e função sintática equivalente a dos elementos nominais: “os pronomes desempenham na oração as funções equivalentes às exercidas pelos elementos nominais” (Cunha & Cintra,

1985 p. 268); (ii) pela sua forma, por serem retos ou oblíquos (Cf. Cunha & Cintra, 1985, p. 269) e (iii) e semanticamente, por denotarem as três pessoas gramaticais (op. cit. p. 269).

Câmara Jr. (1996) informa, também, que o que distingue os pronomes de maneira geral, são três noções gramaticais que se encontram neles, mas não nos nomes, a saber: (i) a noção de pessoa gramatical, (ii) noção gramatical própria dos pronomes, existente em vários deles, de um gênero neutro em função substantiva, quando a referência é a coisas inanimadas: isto, isso, aquilo e formas específicas para seres humanos: alguém, ninguém e

outrem, e (iii) a categoria de casos – noção gramatical privativa dos pronomes. Câmara Jr

(op. cit. p. 85) explica, ainda, que essas três noções gramaticais características dos pronomes não entram no mecanismo flexional da língua portuguesa e são expressas lexicalmente por mudança de vocábulo.40

40 Sobre esse aspecto, as noções formais da categoria pronominal divergem da de Câmara Jr. no sentido de as ‘noções gramaticais’ dos pronomes serem expressas lexicalmente. No quadro teórico formal, essas noções não

são universalmente lexicais mas definidas por traços phi. Não sendo os pronomes compreendidos como

primitivos lexicais, mas elementos ‘valorados’ durante a numeração de uma dada frase. A noção formal das

É interessante observar que são as formas dependentes propostas por Câmara Jr. motivo de muita investigação dentro do modelo teórico formal, resultando numa quantidade robusta de trabalhos nos últimos anos. Tais trabalhos analisam desde o comportamento dessas formas nas línguas românicas, o qual não é idêntico, ao seu comportamento, em geral, nas línguas do mundo (e varia bastante, também, dentro das línguas românicas). Somente para citar alguns desses trabalhos: Kayne (1975, 1991), Uriagereka (1995), Everett (1994), Cardinaletti & Starke (1999), Auger (1994); assim como trabalhos mais recentes, Duarte & Matos (2000), Galves (2001), Galves & Abaurre (2002), Brito, Duarte & Matos (2003), Harley & Ritter (2002), Déchaine & Wiltschko (2002), De Cat (2004), Raposo (1999, 2000), Carvalho (2008), entre muitos outros. No geral, esses trabalhos têm em comum o fato de estarem de acordo com a noção outrora captada por Câmara Jr. de item/forma dependente e discutirem o estatuto destas formas ou pro-formas41 a partir dos traços que os compõem. Everett (1996) e Auger (1994) por exemplo, seguindo uma abordagem ‘mais morfológica’,

tratam essas formas como ‘categorias afixais’ ou ‘marcadores de concordância’ em adjunção

ao núcleo funcional responsável pela concordância da frase. Uma série de trabalhos também

analisou o uso dessas ‘formas dependentes’ nos dialetos do norte da Itália, no francês antigo

e contemporâneo, bem como nas línguas românicas de modo geral. Na seção 2.4.3, retorno às análises propostas por alguns desses trabalhos.

Voltando às noções linguísticas, mencionadas anteriormente, de Câmara Jr., elas serão revistas pelos estudos em teoria sintática ao ampliarem sistemática e tipologicamente a tradicional classificação pronominal. Alguns estudos propuseram a tripartição pronominal (Cardinaletti & Starke, 1999); afixos de concordância em lugar de pronomes clíticos (Everett, 1994; Auger, 1994); propostas de geometria de traços (Carvalho, 2008); a teoria de traços minimalista (Cf. Chomsky, 1999), para citar alguns deles.