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Os moradores da Cidade de Deus criticam o filme não por ele mostrar a situação de quem vive em favelas dominadas pelo tráfico, mas por ter dado nome e endereço aos bois.

[...] o filme "desmoralizou a comunidade e marginalizou seus moradores ao mostrar uma situação que não corresponde à realidade atual da CDD". "O autor do livro e o diretor do filme se deram bem, mas a comunidade ficou na pior”.

[...] "A gente quer melhorar a imagem da Cidade de Deus e trabalha 24 horas por dia para isso. E, quando a gente está começando a conseguir um resultado, vem um filme desses, contando várias mentiras, e coloca um trabalho de anos abaixo”.

[...] "Eles exploraram a história da comunidade, não fizeram o filme aqui e não deram nenhum benefício para a gente”.

[...] Marília (nome fictício), 12, achou o filme "legal", mas pouco representativo do lugar onde mora. "Agora, meus colegas da escola acham que aqui é barra-pesada, que todo mundo rouba, que isso, que aquilo. Tudo por causa das coisas que aparecem no filme. E disso eu não gostei, não”.

Esse trecho final materializa as contradições e dificuldades de delimitar os sentidos que se espalham sobre Cidade de Deus. Vemos os moradores relatarem formulações discursivas com significações contraditórias como dizer que o filme “desmoralizou a comunidade e marginalizou seus moradores”, mas a imagem de Cidade de Deus já precisava ser melhorada: “a gente quer melhorar” e “trabalha 24 horas por isso”. Cidade de Deus já era marginalizada, mas quanto dessa marginalização é agravada pelo imaginário constituído a partir do filme/livro não é possível dizer, apenas compreender que os sentidos vieram somar-se aos anteriores estabilizando um imaginário negativo que já existia ao redor dessa nomeação. Há também um ressentimento em relação ao autor e diretor do filme que “se deram bem” enquanto “a comunidade ficou na pior” sem “nenhum benefício”. A expectativa de uma recompensa pelo uso da “história da comunidade” é frustrada, ainda mais porque ao ser colocada em circulação essa história fez com que ficasse muito mais difícil desconstruir essa imagem que já necessitava de uma desmarginalização.

Nesse discurso, o filme incomoda por colocar em circulação sentidos pré- existentes e contribuir para a consolidação de um imaginário de preconceito e violência ao divulgar este espaço como um bairro de sentido único onde “todo mundo rouba” apagando sentidos que pudessem fugir à essa regra como os de

brincadeira, paz, cultura, carnaval, solidariedade, que vimos no discurso literário e sofreram uma redução ou foram sobredeterminados no discurso fílmico. É justamente o fato de estarem conectados à realidade de Cidade de Deus que faz esses sentidos serem tão incômodos ao circularem e tornarem-se de amplo conhecimento. Esse incômodo fica materializado na primeira frase pois os moradores criticam o filme por “ter dado nome e endereço aos bois”, ou seja, se o discurso fílmico denunciasse a situação das favelas sem atribuir uma nomeação a ele, talvez fosse visto como benéfico por alertar a sociedade e os governantes para o problema do tráfico. Mas não é o que acontece quando a narrativa é diretamente associada a Cidade de Deus reduzindo a questão a um bolsão de violência, um lugar pré-determinado e com endereço certo, isolando o problema do restante da sociedade e colocando isso como uma questão pontual e local. No texto 2 (TJ2), “Cidade de Deus questiona produção nacional”26, temos um discurso que ressoa os sentidos colocados em circulação pelo filme. Vejamos:

Texto 2 – TJ2: "Cidade de Deus" é um filme-marco não apenas pela

discussão que suscita em torno de seus temas (favela, violência, juventude, drogas), mas por colocar em debate –e de certo modo em crise– o próprio cinema brasileiro.

Muitas das críticas que a fita de Fernando Meirelles e Katia Lund vem recebendo são legítimas.

Do ponto de vista político, por exemplo, pode-se questionar a apresentação da favela como um espaço de violência fechado em si mesmo, como se a droga fosse produzida e consumida toda lá dentro e o resto da sociedade não tivesse nada a ver com o tráfico.

Invertendo o dito popular, o filme parece dizer: "Eles são pretos, eles que se desentendam".

Do ponto de vista sociológico, pode-se condenar –como a antropóloga Alba Zaluar– a proporção falsa entre negros e brancos na favela. Do ponto de vista moral, a exposição de crianças a situações de extrema brutalidade.

Cidade de Deus aqui ganha um novo sentido, além de bairro, livro, filme, atribui-se a essa nomeação o sentido de marco, de algo que inaugura um antes e um depois no cinema brasileiro. Ao explicitar as questões que fazem desse filme um divisor, a “discussão que suscita em torno de seus temas (favela, violência, juventude, drogas)” é minimizada pelo uso do advérbio apenas antecedido pelo não. O “não apenas” expande o sentido indicando que há muito mais do que isso por trás da importância desse filme, mais do que tratar de favela, violência, juventude e

26

“CIDADE DE DEUS” questiona produção nacional. Disponível em:

drogas. No entanto os motivos que vão sendo dados como “críticas legítimas” deslizam para esses de mesmos sentidos de certa forma negados como “questionar a apresentação da favela como um espaço de violência em si mesmo”; “a exposição de crianças a situações de extrema brutalidade”. Nas formulações temos esses sentidos pois, ao identificar Cidade de Deus como espaço de violência, ainda que seja para dizer que é algo a ser questionado, há uma reprodução do sentido mesmo, uma repetição. O mesmo sobre as situações de brutalidade, ao questionar a exibição da violência reafirma-se a sua existência como se não fosse possível outra leitura. Na busca pela negação de que Cidade de Deus é um filme importante porque só trata dos sentidos já estabilizados, o sujeito-jornalista vai deixando marcas no seu discurso que o contradizem, os sentidos deslizam para o mesmo e não conseguem irromper para o diferente.

Essa reafirmação dos sentidos fica ainda mais clara quando ele usa um ditado popular (Eles são brancos, eles que se entendam) adaptado para confirmar o seu raciocínio: “Eles são pretos, eles que se desentendam”. Há uma inversão das duas sentenças tradicionais trocando “brancos” por “pretos” e “entendam” por “desentendam”. O ditado original poderia ter sido mantido, já que produz um sentido de que se há um problema entre semelhantes, eles podem resolvê-lo entre si. Mas ao trocar brancos por pretos, vemos funcionar pela memória o sentido de Cidade de Deus como lugar onde só há negros e desentendimentos, e de que negros não são capazes de se organizar como sociedade. Há nessa formulação um atravessamento de discursos do racismo, de pobreza, marginalidade e até da escravidão. Outra paráfrase para o ditado seria “Eles são pretos, eles que se entendam”, porém fica o efeito de sentido de que aos pretos não é reservado o sentido de entendimento. O ditado parece direcionar todos os sentidos da nomeação Cidade de Deus a seus moradores: são pretos, pobres, marginais, violentos, não podem se entender. Nessa formação discursiva, usar o ditado como conhecido não produziria os mesmos efeitos.

Outro sentido que aparece no discurso jornalístico é o sentido estético pois o filme é muito elogiado pelos críticos por suas fórmulas narrativas e a linguagem cinematográfica de Cidade de Deus é associada a uma denominação específica: “cosmética da fome”.

Texto 2 – TJ2: O que não se pode, porém, é dizer que se trata de um

filme ruim, e muito menos rejeitá-lo em bloco sob o argumento de que estetiza a miséria, configurando uma "cosmética da fome".

Esse rótulo foi um achado da pesquisadora Ivana Bentes para caracterizar uma leva de filmes edulcorados e publicitários que passeiam como turistas pelas mazelas sociais do país. Mas hoje a expressão tende mais a esconder do que a revelar os traços da produção cinematográfica recente.

Na sequência o enunciador vai descrevendo os motivos que fazem de Cidade de Deus um grande filme para no fim retomar a crítica ao argumento de que sua narrativa “estetiza a miséria” e configura uma “cosmética da fome”. Mas quais sentidos produzem essa formulação associada ao imaginário que envolve essa nomeação? O sentido da palavra estetizar remete ao discurso da arte, tornar belo, embelezar, e cosmética além de embelezar evoca ainda os sentidos de maquiar, tornar mais apreciável o que não necessariamente é belo, melhorar a aparência. Ambas palavras não estão associadas à formação discursiva do bairro Cidade de Deus, porém, nessas condições de produção remetem à FD reformulada pelo cinema onde há um funcionamento da estética.

O sentido é de que o filme não mostra Cidade de Deus como realmente é, mas sim uma Cidade de Deus estetizada pela interpretação do discurso fílmico. A cosmética maquia a violência da realidade para que seja possível a formação de um imaginário ficcional e a colocação em circulação desses sentidos de brutalidade. Sem a cosmética da fome Cidade de Deus é como outro bairro pobre e desinteressante, que ninguém deseja ver ou tomar conhecimento. Ao ser estetizada seus sentidos tornam-se atrativos e assimiláveis como entretenimento. Ainda assim, a união desses sentidos do estético ao seu interdiscurso (violência, pobreza, bairro, traficantes, etc.) causa um estranhamento, um descolamento que impossibilita o estabelecimento de uma relação entre os sentidos. Como é possível uma cosmética da fome ou uma estética da miséria? Por que embelezar o que não tem possibilidade de derivar em beleza? A qual discurso se filiam esses sentidos? São questionamentos que não têm uma resposta única e no máximo fazemos um esforço no sentido de compreender um pouco mais o funcionamento de seus efeitos de sentido. A Cidade de Deus bairro é sobredeterminada pela Cidade de Deus ficcional, a favela ganha uma estética, uma linguagem e um imaginário de como deve ser e como funciona, e à medida que parece mais ficcional torna-se mais distante da realidade. A violência excessiva é assimilável e torna-se aceitável porque é útil à

narrativa do entretenimento e o sentido do ficcional traz alívio pois justifica que é tudo mentira, não está acontecendo na vida real. Já no texto 3 (TJ3), com o título “Nasce um bairro: Cidade de Deus”27 identificamos um equívoco, o verbo nascer produz o sentido de que Cidade de Deus não era um bairro até então, ano de 2011:

Texto 3 – TJ3: Livre há dois anos do domínio de traficantes, a Cidade de Deus começa a se transformar numa área normal, onde é possível ir e vir livremente.

Cidade de Deus, zona oeste carioca: chegada da UPP tranquilizou moradores e abriu espaço para negócio .

Em fevereiro de 2009, a operadora de TV por assinatura Sky inaugurou um estande de vendas no coração da Cidade de Deus, uma das maiores favelas do Rio de Janeiro, na zona oeste da cidade. Enquanto a Sky fechava as primeiras vendas, uma farmácia, na principal praça da comunidade, ganhava novo letreiro, indicando a presença de um caixa eletrônico da rede 24 Horas, o primeiro do lugar. Poucos meses depois, agentes da Light, principal distribuidora de energia do estado, iniciavam o cadastramento de moradores que usavam eletricidade por ligações ilegais, os famosos “gatos”.

Os técnicos da concessionária também mapearam os locais onde a rede de distribuição precisaria de reparos. Numa ação quase simultânea, a varejista Ponto Frio, instalada há quatro anos na Cidade de Deus, promovia uma mudança em sua loja: finalmente colocava eletrodomésticos e eletrônicos em prateleiras — antes, esse tipo de produto ficava escondido em caixas por medida de segurança. Atualmente, o Banco do Brasil está adaptando um prédio já alugado na comunidade, onde vai inaugurar uma agência até dezembro. “Não estamos fazendo caridade. Queremos estar lá porque há uma classe média significativa e um comércio pulsante”, diz Hilderaldo Dwight, gerente de gestão de canais do banco.

A formulação do título invisibiliza quase 50 anos de existência do bairro Cidade de Deus que é legimitado como “área normal” somente após livrar-se do domínio do tráfico. Esse reconhecimento vem pela presença do Estado representado na atuação da UPP28 (Unidade de Polícia Pacificadora) mas, principalmente, pela possibilidade da instalação e chegada de empresas ao bairro.

O discurso jornalístico valida esse “nascimento” evocando o nome de grandes empresas que agora podem atuar em Cidade de Deus. O não-dito é que os moradores agora são consumidores, a possibilidade de ser um bairro inserido na lógica capitalista é o que o faz ser reconhecido como tal. O discurso capitalista, econômico, reconhece os sujeitos pelo seu poder de compra e ao estarem fora

27

“Nasce um bairro: Cidade de Deus”. Disponível em: http://exame.abril.com.br/revista- exame/nasce-um-bairro/ • Acessado em 21/04/2016.

28A Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) é um programa de Segurança Pública realizado no Brasil

nas últimas décadas. Implantado pela Secretaria de Estado de Segurança do Rio de Janeiro, no fim de 2008, o Programa das UPPs tinha como objetivo a retomada permanente de comunidades dominadas pelo tráfico, assim como a garantia da proximidade do Estado com a população. Disponível em: http://www.upprj.com/index.php/o_que_e_upp • Acessado em 01/06/2016.

dessa lógica os moradores estavam também fora do reconhecimento social. O sentido de bairro é validado mais pelo discurso capitalista do que pelo Estado ou pelos sentidos do espaço urbano. Toda a memória e história de Cidade de Deus como bairro é negada se ela não pode ser um ponto de venda. Algumas formulações explicitam bem o sentido filiado a essa formação discursiva como “finalmente colocava eletrodomésticos e eletrônicos em prateleiras” e “Queremos estar lá porque há uma classe média significativa e um comércio pulsante”. A reafirmação da lógica de reconhecimento do sujeito morador e urbano pelo viés do consumo continua:

Texto 3 – TJ3: Com quase 40.000 moradores — população superior a de 4.815 cidades brasileiras, ou 86% do total de municípios do país —, e boa parte deles da classe C, é incrível que a Cidade de Deus ainda não contasse com serviços tão básicos. A explicação para a carência de oferta está no crime organizado, que criava uma barreira intransponível para a chegada de empresas e do próprio Estado.

Na formulação “é incrível que a Cidade de Deus ainda não contasse com serviços tão básicos” há uma polissemia, os sentidos de serviços básicos na sequência dos exemplos de empresas que agora podem vender seus serviços indicam que o enunciador se refere aos serviços básicos de consumo, oferta de produtos e outros benefícios do livre mercado. No entanto, em um bairro onde a ausência do Estado é histórica, os sentidos de serviços básicos deslizam para os de saneamento, educação, lazer, segurança, etc. Esse deslocamento, ao mesmo tempo em que coloca ofertas de consumo lado a lado de necessidades de infraestrutura, qualidade de vida e visibilidade aos moradores de Cidade de Deus – como se apenas o consumo garantisse a possibilidade de existência, apaga os sentidos dos serviços básicos que deveriam ser oferecidos pelo Estado e que são mencionados pelo secretário de segurança do Rio de Janeiro “Também não há mais desculpas para o bairro não ter escola, hospital e outros serviços prestados pelo Estado”. Ao iniciar o enunciado com “Também não há” o secretário, como representante do Estado, coloca os “serviços prestados pelo Estado” em segundo plano. O também funciona como marca linguística de complemento, dentre o que há de mais importante, que é garantir a segurança para que as empresas possam praticar o comércio sem a interferência do tráfico, o Estado “também” não pode mais se esquivar de oferecer os outros serviços básicos que adquirem aqui o sentido de secundários já que o básico na lógica capitalista é consumir.

A palavra básico mobiliza sentidos de imprescindível, vital, que vem em primeiro lugar, e não deixa espaço para que hajam outros básicos. Se algo é básico, é prioridade. O consumo nessa formulação discursiva sobrepõe-se aos serviços de infraestrutura e isso pode ser compreendido também pelo conhecimento das condições de produção e formulação desse discurso. Esse texto (TJ3) foi publicado e produzido pela revista Exame, um veículo de comunicação direcionado a empresários e profissionais do mercado econômico. É para esses sujeitos que essa matéria é dirigida e a valorização do discurso econômico em relação ao discurso de cidadania e do sujeito urbano que tem direito a serviços básicos de infraestrutura, e não de consumo, fica materializado na língua. A nomeação Cidade de Deus fica condicionada ao seu reconhecimento como lugar com potencial lucrativo onde moram “40.000” consumidores pertencentes a classe C, a chamada nova classe média à época da publicação da matéria e responsável pelo impulso econômico nos anos do governo Lula. A memória do discurso fílmico também se faz presente no texto que resgata o contexto de rivalidades e domínio do tráfico para justificar a insegurança que inviabilizava a existência do bairro como potencial econômico:

Texto 3 – TJ3: A história da Cidade de Deus se confunde com a do Comando Vermelho, facção criminosa que controlou a região por mais de três décadas. A relação entre a comunidade e o crime ganhou projeção internacional em 2002 com o filme Cidade de Deus, de Fernando Meirelles. Sucesso de bilheteria no país, com mais de 3 milhões de espectadores, o filme também agradou ao público internacional e, em 2004, recebeu quatro indicações ao Oscar. A obra de Meirelles mostrou como os criminosos, encastelados na comunidade pela força das armas, impunham suas leis e controlavam a prestação de serviços, como a venda de gás e de água. As primeiras empresas a chegar à Cidade de Deus foram as de infraestrutura. Até recentemente, além da insegurança, elas esbarravam na concorrência de serviços ilegais ofertados na favela, operados com o aval do tráfico.

Os sentidos do filme são retomados como representação do que acontecia no bairro antes da chegada da UPP, ao dizer “a obra de Meirelles mostrou” há um efeito de sentido de generalização, como se o filme tivesse mostrado todos os sentidos que se pode conhecer sobre a criminalidade em Cidade de Deus. A própria indefinição ao denominar “os criminosos” coloca todos: traficantes, assaltantes, usuários de drogas, crianças que roubam, entre outros, sob um mesmo sentido de marginalidade, há uma redução da complexidade de sujeitos que constituem o bairro e atuam no crime. Ao final da frase, mais uma vez temos o sentido do comércio em evidência já que os criminosos tinham poder sobre “a venda de gás e de água”.

Como se o maior e um dos únicos problemas da criminalidade e da violência geradas pelo tráfico fossem impedir o desenvolvimento econômico da região.

O direcionamento dos sentidos para o discurso da lógica capitalista aparece a todo momento. Não há menção aos problemas de segurança pública como ameaça à vida e perturbação para os moradores e sim como problema para as empresas que enfrentavam “insegurança” e “esbarravam na concorrência de serviços ilegais”. Há uma abertura de espaço para as empresas e “a pacificação representa a chance de explorar o potencial de consumo de uma comunidade onde um terço dos moradores está na cobiçada faixa de renda da classe C”. Os sujeitos de Cidade de Deus despertam interesse pelo seu poder de consumo, um sentido sobredeterminante que provoca silenciamento nos demais:

Texto 3 – TJ3: Apesar de tardia, a presença do Estado na Cidade de Deus foi ampliada nos últimos meses com a inauguração de uma escola técnica, uma creche e uma rede de internet sem fio gratuita. A prefeitura mobilizou uma operação tapa-buracos e comprou 700 novos pontos de luz, que estão em fase final de instalação.

É evidente que os problemas ainda são muitos. Eles transparecem no cheiro de esgoto em várias ruas, no transporte precário e no lixo acumulado em vielas. De qualquer forma, os avanços alcançados chamam a atenção principalmente por mostrar que é possível quebrar o domínio exercido pelas quadrilhas do tráfico, uma mazela histórica da cidade. Fora isso, os benefícios das UPPs começam a extrapolar os limites das comunidades. Prova disso é a valorização dos imóveis nos bairros com favelas pacificadas.

Nesse trecho final da matéria, a presença do Estado é marcada com a enumeração dos serviços de infraestrutura prestados e os sentidos até então sobredeterminados pelo discurso econômico são retomados. Porém, após esse breve parágrafo o discurso capitalista é retomado e a formulação na frase que se inicia “é evidente que os problemas são muitos”, seguida por “De qualquer forma, os avanços alcançados” minimizam os problemas estruturais mencionados. Os avanços superam os problemas que nessa constituição do discurso parecem ser quase