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Norma culta: a realidade por trás do uso social da língua

No documento luiscarlosdeoliveira (páginas 45-49)

4 A LINGUAGEM E SUAS RELAÇÕES COM A CONSTRUÇÃO DA

4.2 NORMAS LINGUÍSTICAS: ENTRE O MITO E A REALIDADE

4.2.2 Norma culta: a realidade por trás do uso social da língua

Os anos que compreenderam a década de 1960 foram muito significativos para o desenvolvimento da Linguística em várias partes do mundo, e também no Brasil. No final dessa década, mais precisamente em 1969, foi dado um passo importante para o estudo descritivo da língua falada brasileira a partir da consolidação do projeto NURC (Norma Urbana Culta) e, posteriormente, do Projeto de Gramática do Português Falado.

O Projeto NURC envolveu estudiosos, pesquisadores e pesquisados das cidades de Recife, Salvador, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre e possibilitou o compartilhamento de informações e de estudos de equipes de várias regiões do Brasil a favor de um objetivo único: descrever o português culto falado no país. Os estudos realizados pelo NURC deram origem, entre outros, a uma coletânea de textos publicados no livro “O discurso oral culto”,

organizado por Dino Preti e Hudinilson Urbano (1999), em que são apresentadas algumas conclusões dele.

Nesse material, Preti apresenta uma discussão em torno da variedade culta falada, que se constitui como uma variedade de fala em que predomina uma certa preocupação com a formalidade, ao mesmo tempo em que as regras da gramática normativa não são, por todos, empregadas com rigidez. Essa variedade é usada, segundo observações desse autor, por falantes urbanos que estão inseridos em um contexto socioeconômico mais elevado e apresentam maior facilidade de acesso à escola e aos bens culturais mais diversificados. Conforme esse autor (op. cit., p.21), trata-se “(...) de um falante de um dialeto social dividido entre as influências de uma linguagem mais tensa, marcada pela preocupação com as regras da gramática tradicional, e uma linguagem popular, espontânea, distensa.”.

Toda essa discussão, fundamentada em pesquisas linguísticas consistentes, cujos sujeitos foram colocados em situações de uso real da língua, por meio de entrevistas gravadas, possibilitou conclusões interessantes a respeito da fala urbana culta nas grandes cidades brasileiras. Preti (op. cit.), a partir das análises realizadas, aponta para um falar em que predomina uma linguagem mista, onde elementos da norma gramatical – do apuro linguístico tão apreciado pelas gramáticas normativas – mesclam-se a uma linguagem geral, própria de um falar mais popular e espontâneo, com suas gírias e prosódias peculiarmente regionais:

Portanto, essa hipotética linguagem urbana comum comportaria oposições como a presença de uma sintaxe dentro das regras tradicionais da gramática ao lado de discordâncias, regências verbais de tendência uniformizadora, colocações dos componentes da frase justificadas pelos elementos prosódicos, como no caso dos pronomes pessoais; abrangeria a precisão de um vocabulário técnico, ao lado da abertura de significado de vocábulos gírios; utilizaria vocábulos raros, de significação precisa, específica, concomitantemente com vocábulos populares de uso constante e de significado aberto (PRETI, 1999, p.22).

Com base nessa discussão, Faraco (2008) propõe a reconstrução do conceito de norma culta e de falante culto, a fim de tornar mais clara a distinção que deve ser feita entre essa expressão e a norma padrão tão apregoada nas aulas de português. A partir dessas ideias, o referido autor assinala que

[...] a expressão norma culta, deve ser entendida como designando a norma linguística praticada, em determinadas situações (aquelas que envolvem certo grau maior de monitoramento), por aqueles grupos sociais que têm estado mais diretamente relacionados com a cultura escrita (Grifo do autor) (FARACO, 2008, p.54).

Sobre norma culta, esse autor ainda estabelece algumas discussões pontuais, uma vez que, segundo ele, os usuários dessa variedade linguística apresentam uma linguagem que se diferencia de falantes que empregam outras normas consideradas menos prestigiadas ou mesmo estigmatizadas: as variedades não cultas. Nessa perspectiva, o falante culto está diretamente inserido em práticas sociais próprias da cultura letrada, pautada precipuamente na leitura e na escrita. Trata-se, assim, de um falante que tem acesso a atividades historicamente marcadas pelas culturas formais, por valores sociais determinados, por juízos de valor e julgamentos socioculturais específicos e também por aspectos especificamente linguísticos.

Nesse processo de entendimento da norma culta, Faraco (op. cit.) retoma esse conceito e propõe uma nova definição, a de norma comum/standard, de modo a tentar, segundo o que acredita, minimizar os prejuízos que historicamente foram construídos a partir dos juízos de valor que diferenciam as variedades mais prestigiadas daquelas consideradas estigmatizadas socialmente. Conforme o autor,

[...] estaríamos nos aproximando de uma análise mais precisa da realidade linguística brasileira, na medida em que não há, pelo menos no plano da fala, diferenças substanciais entre o que se poderia chamar de norma culta e a linguagem urbana comum. Por tudo isso, ganharíamos se adotássemos uma designação como norma comum ou norma standard, qualificações que parecem carregar menos impregnações axiológicas do que o adjetivo culta (FARACO, 2008, p.62).

Sob o ponto de vista aqui discutido, portanto, vale ressaltar que o conceito de norma culta urbana se fundamenta no uso social da variedade mais prestigiada da língua em instâncias de domínio público, em que as práticas sociais mais formais exigem uma linguagem mais monitorada, a fim de atingir objetivos específicos em um processo de interação e comunicação, mas não necessariamente regida e limitada pelas regras normativas da gramática tradicional.

Tendo em vista essas discussões, entendo que é necessário e fundamental ampliar a competência comunicativa dos falantes do português por meio do acesso a variedades linguísticas mais sofisticadas, mais monitoradas, como a norma culta urbana, para que possam, dentre outras possibilidades, dar voz às suas necessidades sociais, lutar pelos direitos que lhes cabem, aproveitar oportunidades que, de outra forma, lhes seriam negadas, enfim, ter sua voz ouvida e respeitada, para buscar alçar novas etapas no seu desenvolvimento pessoal e

social, sem, contudo, desvalorizar sua variedade de origem que necessita, urgentemente, ser respeitada.

Com o objetivo de explorar mais minhas discussões, elucidarei, a seguir algumas considerações sobre a importância dos estudos sociolinguísticos, que servem de base para a minha pesquisa.

No documento luiscarlosdeoliveira (páginas 45-49)