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Norma descentralizada da língua portuguesa

4. Política da língua

4.1. Políticas da língua europeias adotadas em contextos pós-coloniais

4.1.1. Norma descentralizada da língua portuguesa

A língua portuguesa tem uma ampla distribuição geográfica na Europa, na América do Sul, em África e na Ásia, sendo a língua oficial de 9 países. Em Portugal existem três línguas oficiais (o português, a língua gestual portuguesa e o mirandês)35 e o Instituto Camões é a instituição pública com a missão de difundir o conhecimento da língua e da cultura, tendo por objetivos:

“propor e executar a política de cooperação portuguesa e coordenar as atividades de cooperação desenvolvidas por outras entidades públicas que participem na execução

35 Dos 25 países membros do Conselho da Europa, Portugal foi um dos 14 países que não assinou nem ratificou

a Carta Europeia das Línguas Regionais ou Minoritárias, um dos mais relevantes textos sobre legislação no domínio da política da língua, adotado em 1992 para promover e proteger as línguas regionais e minoritárias históricas da Europa (como o catalão, o curdo, o romani ou o galês, por exemplo), bem como as línguas sem território e as línguas oficiais menos utilizadas. Sobre este assunto, ver artigo no jornal Público “Defensores do mirandês exigem assinatura da Carta Europeia de Línguas Minoritárias” no jornal Público de 22 de novembro de 2014 disponível em https://www.publico.pt/2014/11/22/culturaipsilon/noticia/defensores-do-mirandes- exigem-assinatura-da-carta-europeia-de-linguas-minoritarias-1677128/amp

58 daquela política e ainda propor e executar a política de ensino e divulgação da língua e cultura portuguesas no estrangeiro, assegurar a presença de leitores de português nas universidades estrangeiras e gerir a rede de ensino de português no estrangeiro a nível básico e secundário”36.

A história do Instituto Camões tem início com a Junta de Educação Nacional, criada em 1929 como órgão do Ministério da Instrução Pública, que passa a coordenar os leitorados e o ensino de português no estrangeiro, sucedida pelo Instituto para a Alta Cultura (1936- 1952). Este é depois reorganizado, tornando-se autónomo da Junta Nacional de Educação, passando a designar-se Instituto de Alta Cultura (1952-1976). Segue-se o Instituto de Cultura Portuguesa (1976-1980) e o Instituto de Cultura e Língua Portuguesa (1980-1992), que surge integrado no Ministério da Educação e Ciência. O Instituto Camões é criado em 1992 ainda no âmbito deste ministério passando a ser subordinado ao Ministério dos Negócios Estrangeiros em 1994 (Rollo 2012: 396-431). A designação Camões — Instituto da Cooperação e da Língua, I. P. é adotada a partir de 2012, com a fusão com oInstituto Português de Apoio ao Desenvolvimento e a aprovação dos novos estatutos de instituto público, que o estabelece como “o organismo da Administração Pública portuguesa responsável pela supervisão, direção e coordenação da cooperação para o desenvolvimento, cabendo-lhe a condução dessa política pública e pela política de promoção externa da língua e da cultura portuguesas”37.

Desde 2012, com o novo estatuto, o Instituto Camões viu as suas competências alargadas, nomeadamente na área da cooperação, das relações internacionais e da diplomacia cultural, com a coordenação de esforços entre os ministérios dos Negócios Estrangeiros, da Educação e da Cultura. Nos últimos anos, verificou-se um número superior de centros e institutos de cultura sediados no estrangeiro (e não apenas nos países de língua oficial portuguesa, refletindo-se no aumento do volume de certificações em língua portuguesa) o que, de alguma forma, contraria de forma positiva as linhas orientadoras do Conceito Estratégico da Cooperação Portuguesa para 2014-2020 (CECP), onde toda a cooperação portuguesa surge, exclusivamente, destinada a Angola, Cabo Verde, Guiné-

36 Artigo 3º nº1 do Decreto-Lei n.º 21/2012 do Ministério dos Negócios Estrangeiros. 37 Ibid.

59 Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste38. Verificou-se igualmente um investimento no número de leitores e professores em escolas e universidades estrangeiras, no apoio à tradução e edição de literatura portuguesa para outras línguas, no apoio a atividades culturais, e na concessão de bolsas a alunos estrangeiros para estudarem em Portugal (Rollo 2012: 369-392)

Quando nos anos 80 pós-revolucionários se falava em PALOP (Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa), passou-se depois a falar em CPLP, englobando o Brasil e, posteriormente, Timor-Leste e Guiné-Equatorial. Criada em 1996 num contexto pós-colonial como “foro multilateral privilegiado para o aprofundamento da amizade mútua e da cooperação”39 entre os países de língua oficial portuguesa, e com responsabilidades de difusão da língua comum, é formalmente orientada por documentos de enquadramento de políticas multilaterais, nomeadamente pelo Plano de Ação de Brasília (PAB), de 2010, e pelo Plano de Ação de Lisboa (PALis), de 2013. Em relação ao PAB, o documento recomenda a cooperação multilateral e o ensino da norma nacional de português de cada país, preconizando ainda a integração das línguas maternas no currículo escolar através da educação bilingue. O Instituto Internacional de Língua Portuguesa40 ficou com a tarefa de criar uma plataforma digital comum de recursos didáticos para a aprendizagem de português como língua não materna41 e de produzir o Vocabulário Ortográfico Comum da Língua Portuguesa42 nas oito ortografias nacionais.O PALis reitera grande parte das estratégias delineadas no PAB, inclui outras (como, por exemplo, o ensino do português para fins específicos e o incentivo à tradução para português de obras científicas), mas deixa cair por terra o vocabulário ortográfico comum. Como nota Feytor Pinto:

38 Cf. o documento “Conceito Estratégico da Cooperação Portuguesa para 2014-2020 (CECP)” do Governo de

Portugal que traça as linhas gerais da política de cooperação para estes seis anos disponível no sítio do Instituto Camões em http://www.instituto-camoes.pt/images/cooperacao/ped_conceito_estrategico_cp1420.pdf acedido em novembro de 2017.

39 Apresentação da CPLP na página https://www.cplp.org (sítio acedido em novembro de 2017). 40http://iilp.cplp.org/ (sítio acedido em novembro de 2017).

41 Nesse sentido, foi criado o Portal do Professor de Português Língua Estrangeira/Língua Não Materna,

disponível em http://www.ppple.org (sítio acedido em novembro de 2017).

60 “os documentos da CPLP assentam num pressuposto que é ignorado pelo legislador português: a diversidade linguística dos países parceiros da cooperação para o desenvolvimento. Enquanto nos documentos portugueses a língua portuguesa é una e é a única língua referida, nos documentos da CPLP recomenda-se a adoção das normas nacionais do português e a introdução das línguas autóctones nos sistemas educativos, através da educação bilingue. Ou seja, Portugal subscreve uma política linguística ambivalente. Internamente, a promoção do português em contexto de cooperação para o desenvolvimento destina-se a países lusófonos monolingues (que não existem). No exterior, reconhece-se que esses países são multilingues e defende-se aproximação entre a língua de casa e a língua da escola”. (2014: 31-32).

Estamos, portanto, na presença de uma norma descentralizada, não apenas pela distribuição da gestão da língua entre o Instituto Camões e a CPLP com diretivas não- coincidentes e pela existência de duas variantes ortográficas, mas também pela partilha da promoção da língua com o Brasil e com a perda de proficiência em países como Cabo Verde.