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2.2 DA CONSTITUCIONALIZAÇÃO SIMBÓLICA

2.2.2 Normas constitucionais simbólicas

Observada a tipologia das normas simbólicas, necessária é sua análise enquanto norma constitucional, uma vez que a concretização desta é essencial na formação da sociedade moderna, já que, desde as revoluções burguesas, a Constituição é vista como a mantenedora dos direitos básicos do cidadão em relação ao Estado.

Assim, uma norma constitucional traz em si uma alta expectativa social em sua materialização congruente, podendo a sua incompletude material ter reflexos sombrios na visão da sociedade do próprio sistema jurídico, neste sentido

a vigência das normas constitucionais não decorre simplesmente do processo constituinte e da reforma constitucional como processos de filtragem especificamente orientados para tal fim, mas também da concretização constitucional como pluralidade dos processos de filtragem. Por conseguinte, não se define a Constituição apenas por seu aspecto estrutural (expectativas, normas), mas simultaneamente sob o ponto de vista operativo: ela inclui as comunicações que, de um lado, fundamentam-se nas expectativas constitucionais vigentes e, do outro, servem de base para ela (NEVES, 2011, p. 68).

Em poucas palavras, pode-se identificar a Constituição como um conjunto normativo que demonstra até que ponto o sistema pode se reciclar e se retroalimentar sem que isso cause a sua inviabilidade ou o deixe não operacional, tendendo assim à materialização de suas normas. Quando se investe no texto constitucional questões de direitos fundamentais e do Estado de Bem-Estar, as suas materializações efetivas se tornam cada vez mais importantes, uma vez que, reconhecendo a supercomplexidade da sociedade atual, os citados direitos se transformam na forma de comunicação entre os mais diversos níveis ao passo que esta nova

forma de avaliação do Estado determina a inclusão das pessoas de diferentes camadas sociais, dizendo, assim, respeito

de um lado, ao acesso, e do outro, à dependência da conduta individual a tais prestações. À medida que a inclusão é realizada, desaparecem os grupos que não participam da vida social, ou participam apenas marginalmente. A contrário sensu, pode-se designar como exclusão a manutenção persistente na marginalidade. Na sociedade contemporânea, isso significa que que amplos setores da população dependem das prestações dos diversos sistemas funcionais, mas não tem acesso a elas (NEVES, 2011, p. 76).

Importante notar neste ponto que a formação de direitos fundamentais sociais e sua implantação são imprescindíveis para a implementação efetiva de direitos fundamentais como a liberdade e a participação política (MARSHALL apud NEVES, 2011, p. 77), o que remete ao conceito de liberdade positiva tratada no título anterior, no momento que se identifica a necessidade de um ambiente adequado para que se possam efetivar as liberdades de forma plena.

Aqui nasce um dos sentidos mais negativos da visão simbólica das normas constitucionais, ou seja, a sua tendência à falta de materialização efetiva e irrestrita, deixando, assim, a margem do sistema diversas classes sociais que, mais a frente neste trabalho, serão identificados com os subintegrados. É um típico problema de desconexão entre as normas e as ações públicas, além da falta de expectativas:

O problema não se restringe à desconexão entre disposições constitucionais e comportamentos dos agentes públicos e privados, ou seja, não é uma questão simplesmente de eficácia como direcionamento normativo-constitucional da ação. Relativamente à constitucionalização simbólica, ele ganha sua relevância específica no plano da vigência social das normas constitucionais escritas, caracterizando-se por uma ausência generalizada de orientação das expectativas normativas conforme as determinações dos dispositivos das constituições. Ao texto constitucional falta, então, normatividade. Na linguagem da teoria dos sistemas, não lhe correspondem expectativas normativas congruentemente generalizadas (NEVES, 2011, p. 92).

Fica clara, a partir deste ponto, a adequação entre os conceitos de norma simbólica e constituição, chegando-se a visão da Constituição Simbólica, contendo normas para a corroboração de valores sociais, de compromisso dilatório e a denominada “constitucionalização-álibi” (NEVES, 2011, p. 102).

Esta Constituição Simbólica difere da Legislação Simbólica por várias questões, partindo da sua colocação dentro do ordenamento e seu efeito nos valores expressos na vida social até a sua abrangência, onde se pode enxergar que a existência da segunda (legislação) pode por muitas vezes advir da primeira (constituição).

A constitucionalização simbólica vai diferenciar-se da legislação simbólica pela sua maior abrangência nas dimensões social, temporal e material. Enquanto na legislação simbólica o problema se restringe a relações jurídicas de domínios específicos, não sendo envolvido o sistema jurídico como um todo, no caso da constitucionalização simbólica esse sistema é atingido no seu núcleo, comprometendo-se toda a sua estrutura operacional (NEVES, 2011, p. 99).

A Constituição Simbólica sob este ponto de vista contamina todo o sistema, afetando diretamente os princípios sociais básicos e os direitos e garantias fundamentais, uma vez que, mesmo estando declarada diretamente a existência de todos estes direitos para todos os cidadãos, apenas parte da população deterá o efetivo acesso, os denominados integrados e sobreintegrados que se tratará mais à frente neste estudo.

Sob a forma da Democracia é construída a diferença entre os grupos sociais, afetando assim os princípios da igualdade e da liberdade, onde

o problema do funcionamento hipertroficamente político-ideológico da atividade e textos constitucionais afeta os alicerces do sistema jurídico constitucional. Isso ocorre quando as instituições constitucionais básicas – os direitos fundamentais (civis, políticos e sociais), a “separação” dos poderes e a eleição democrática – não encontram ressonância generalizada na práxis dos órgãos estatais, nem na conduta e expectativa da população (NEVES, 2011, p. 100).

Como se disse anteriormente, as mesmas classificações da legislação simbólica podem ser utilizadas nas Constituições, entretanto uma reafirmação de princípios ou uma promessa de futuro nunca realizada pode, ao final, transformar-se em verdadeiro “álibi em favor dos agentes políticos dominantes e em detrimento da concretização constitucional” (NEVES, 2011, p. 105). A constituição álibi se converte em problema ou efetiva decorrência maléfica das outras formas de normas constitucionais simbólicas, quando os compromissos anteriores se tornam meras ilusões e, no fundo, busca-se apenas uma forma de não realização dos direitos previstos, mantendo-se o status quo de determinadas classes sociais.