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Após apresentação das adaptações em museus e sua arquitetura discorreremos sobre o histórico da acessibilidade, sua normativa e legislação bem como a contextualização das gestantes e puérperas no cenário da Pessoa com Mobilidade Reduzida, apontando alguns aspectos biológicos e sociais sobre o ciclo gravídico-puerperal.

Utilizamos no presente trabalho a NBR9050:2015, da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), para análise dos critérios de acessibilidade nas edificações dos Museus do Governo do Distrito Federal a partir da avaliação de Gestantes e Puérperas sobre a mencionada norma; para tanto, é preciso desvelar alguns conceitos e definições que nos conduzirão a acessar intenções comuns entre acessibilidade e museus.

Segundo Hélio Gordon Junior, a elaboração do Manual de Resistência de materiais, por alunos da Escola Politécnica no Gabinete de Resistência de Materiais, atual Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), por volta de 1905 abriu os debates sobre Normas Técnicas no Brasil. Em 1926 foi criado o Laboratório de Ensaio de Materiais (LEM) (ABNT, 2006).

Desde sua fundação em 1937, a Associação Brasileira de Cimento Portland (ABCP) havia detectado discrepâncias em normas utilizadas por vários laboratórios de ensaio no país; portanto, a necessidade de padronização nacional percebida a partir de demanda da indústria do concreto. A partir de 1937, foram realizadas edições da Reunião de Laboratórios de Ensaios de Materiais, objetivando maior diálogo e cooperação entre os profissionais da área, estes eventos teriam incentivado reuniões entre o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) e o Instituto Nacional de Tecnologia (INT), promovendo o amadurecimento da ideia (ABNT, 2006).

A ABNT foi fundada em 28 de setembro de 1940 com seu primeiro estatuto, durante a 3º Reunião de Laboratórios Nacionais de Ensaios, presidida por Ernesto Lopes da Fonseca, engenheiro geógrafo e civil (CASTRO; SCHWARTZMAN, 2008).

A ABNT foi reconhecida como único Foro Nacional de Normalização por meio da resolução nº 7 de 24 de agosto de 1992, do Conselho Nacional de Metrologia,

Normalização e Qualidade Industrial22 (Conmetro), buscando descentralizar a atividade de normalização da responsabilidade dos setores produtivos além de homogeneizar a atuação e integrar as diversas entidades que atuariam na atividade de normalização bem como centralizar a codificação e numeração das normas nacionais. Trata-se de uma entidade privada sem fins lucrativos (ABNT, 2014). O Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro) foi criado em 1973, atualmente conhecido como Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia é um órgão governamental com a finalidade de formular e executar a política nacional de metrologia, normalização industrial e certificação de qualidade de produtos industriais. (BRASIL. Inmetro, 2012) A Resolução n° 04, de 2 de dezembro de 200223 (BRASIL. Conmetro, 2002) atribui ao Inmetro a competência para estabelecer diretrizes e critérios para avaliação de conformidade.

A Lei nº 4.150 de 21 de novembro de 1962, em seu artigo 1º determina que as Normas Técnicas elaboradas pela ABNT sejam obrigatoriamente cumpridas nos serviços públicos federais e nas obras e serviços estaduais e municipais quando custeados por recursos Federais:

Nos serviços públicos concedidos pelo Governo Federal, assim como nos de natureza estadual e municipal por ele subvencionados ou executados em regime de convênio, nas obras e serviços executados, dirigidos ou fiscalizados por quaisquer repartições federais ou órgãos paraestatais, em todas as compras de materiais por eles feitas, bem como nos respectivos editais de concorrência, contratos ajustes e pedidos de preços será obrigatória a exigência e aplicação dos requisitos mínimos de qualidade, utilidade, resistência e segurança usualmente chamados “normas técnicas”

e elaboradas pela Associação Brasileira de Normas Técnicas, nesta lei mencionada pela sua sigla “ABNT”.

Em 1968 foram criados comitês Brasileiros, nomeados com a sigla ABNT/CB seguida do número de identificação. Atualmente, as Normas de Acessibilidade são elaboradas pelo Comitê Brasileiro de Acessibilidade - ABNT/CB40, cuja finalidade é:

Normalização do campo da acessibilidade atendendo aos preceitos de Desenho Universal, estabelecendo requisitos que sejam adotados em edificações, espaços, mobiliários e equipamentos urbanos, meios de transporte, meios de comunicação de qualquer natureza, e seus acessórios, para que possam ser utilizados por pessoas portadoras de deficiência.

(ABNT, 2006, p. 71).

22Segundo a secção ‘’conheça o INMETRO’’ no site do próprio Instituto: ‘’O Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial é um colegiado interministerial que exerce a função de órgão normativo do Sinmetro e que tem o Inmetro como sua Secretaria Executiva.’’

23 Dispõe sobre a aprovação do Termo de Referência do Sistema Brasileiro de Avaliação da Conformidade – SBAC e do Regimento Interno do Comitê Brasileiro de Avaliação da Conformidade - CBAC

A norma ABNT 9050

A norma NBR 9050 da ABNT teve sua primeira versão em 1985, revisada em 1994, 2004 e 2015. As duas últimas versões têm como título: "Acessibilidade a edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos". A norma NBR 9050 2015, em sua página dois, considera Acessibilidade como:

Possibilidade e condição de alcance, percepção e entendimento para utilização, com segurança e autonomia, de espaços, mobiliários, equipamentos urbanos, edificações, transportes, informação e comunicação, inclusive seus sistemas e tecnologias, bem como outros serviços e instalações abertos ao público, de uso público ou privado de uso coletivo, tanto na zona urbana como na rural, por pessoa com deficiência ou mobilidade reduzida.

Considera-se ‘’adaptação’’ a alteração que torna edificações, espaços, equipamento urbano, mobiliário e elementos acessíveis a qualquer pessoa, e considera-se ‘’adequado’’ o originalmente planejado para ser acessível. (idem)

A redação da Lei n° 13.146, de 6 de julho de 2015, é a mesma, porém não utiliza os termos ‘’percepção’’ e ‘’entendimento’’ presentes a partir da NBR 9050:2004, fortemente ligados ao processo cognitivo e sensorial, demonstrando a tendência para se ampliar o conceito de acessibilidade ao maior número de necessidades humanas possível (MORAES, 2007).

Percebemos essa preocupação com as pessoas (que a princípio pode parecer óbvia) por meio também do conceito de Desenho Universal. Esse conceito se faz presente na norma bem como em um anexo de natureza explicativa. Percebe-se que sua prePercebe-sença ali visa a humanizar o ambiente ao passo que ‘’propõe uma arquitetura e um design mais centrados no ser humano e na sua diversidade’’

estabelecendo critérios para que ‘’edificações, ambientes internos, urbanos e produtos atendam a um maior número de usuários, independentemente de suas características físicas, habilidades e faixa etária, favorecendo a biodiversidade humana e proporcionando uma melhor ergonomia para todos’’ (NBR 9050, 2015, p.

139). O Desenho Universal é composto por 7 princípios, explicados no ‘anexo A’

dessa norma, que consideram fatores físicos e emocionais. Sumarizamos esses princípios:

1) Uso Equitativo: todos devem ser capazes de utilizar o espaço, não importando idade ou habilidades, o objetivo é eliminar possível segregação, promover a privacidade e proporcionar ambiente atrativo ao usuário.

2) Uso Flexível: ser plural no atendimento, abarcando o máximo de preferências possíveis.

3) Uso simples e intuitivo: de fácil compreensão.

4) Informações de fácil percepção: as informações (visuais, verbais, táteis) devem ser tão fáceis de acessar e processar quanto o próprio tópico aqui descrito.

5) Tolerância ao erro: previne acidentes através da minimização de riscos, informações e vigilância.

6) Baixo esforço físico: preservar o usuário de fadiga muscular e esforço repetitivo, possibilitando o deslocamento e uso do modo mais confortável e fácil possível.

7) Dimensão e espaço para aproximação e uso: independente de suas medidas ou tipo físico o usuário deve conseguir mobilidade satisfatória no ambiente.

Acomodações e sinalização são fatores importantes.

Os conceitos ligados à acessibilidade

No ano de 1935, membros da liga dos deficientes físicos permaneceram sentados por 9 dias na porta do Departamento de Albergues da cidade de Nova York em protesto por suas carteiras de trabalho, que haviam sido carimbadas com as letras ‘’DF’’ (Deficientes Físicos). Nos 20 anos seguintes veteranos mutilados durante a II Guerra Mundial criaram e fortaleceram um movimento pró-ambientes sem barreiras, promovendo a união de várias organizações em torno do tema, dentre elas o atual Comitê Presidencial para Pessoas com Deficiência; houve aprovação das primeiras normas americanas de acessibilidade em edificações (SASSAKI, 2007).

No Brasil, o movimento político das Pessoas com Deficiência parece ter origem no modelo associativista. Na década de 1930, foi criada no Rio de Janeiro a Associação Brasileira de Surdos-Mudos. Ao retornarem para suas cidades após os estudos no Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES) seus membros

fundavam novas associações em suas cidades. Em torno dessas associações consolidaram-se entidades nacionais; a primeira delas foi o Conselho Nacional para o Bem-Estar dos Cegos (CBEC), fundada no Rio de Janeiro em 1954, atualmente União Mundial dos Cegos, criada em 1984. No mesmo ano organiza-se a Confederação Brasileira de Desporto para Surdos. Cabe ressaltar que nem todas as entidades possuíam caráter político definido, algumas visavam à sobrevivência financeira de seus membros, por exemplo. (LANA Jr., 2010).

No final da década de 1970, no contexto da redemocratização brasileira emergem do anonimato diversas organizações de caráter político que visavam mais direitos sociais; na década de 1970 observa-se maior protagonismo das pessoas com deficiência, que promoviam inicialmente grupos de socialização para seus membros e foram incorporando a busca por direitos humanos e mudança no caráter de caridade das ações voltadas para este público. (LANA Jr., 2010).

Em 1972, com a criação do Centro de Vida Independente de Berkeley (EUA) iniciou-se um movimento por um estilo de vida mais autônomo para pessoas com deficiência, inspirado no movimento de direitos civis, em todo o mundo. (SASSAKI, 2007) O conceito do Movimento de Vida Independente foi trazido ao Brasil por militantes brasileiros, o foco era a promoção da autonomia e realização de tarefas diárias bem como a responsabilidade pelas próprias escolhas e suas consequências, posteriormente foram criados vários Centros de Vida Independente no Brasil com objetivo de disponibilizar informações sobre o tema e cooperar com órgãos públicos e privados através de consultoria (LANNA Jr., 2010).

A Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes, aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1975, assinala que as organizações de pessoas com deficiência podem ser consultadas no que se refere a assuntos de direitos das pessoas deficientes. (SASSAKI, 2007) Em 1973, a seção 504 da Lei de Reabilitação, nos EUA proíbe a discriminação com base na deficiência. O Ministério da Saúde, Educação e Bem-Estar do país regulamenta esta lei apenas em 1977 após bastante resistência (SASSAKI, 2007). A partir desse ano os museus norte-americanos se viram obrigados a adaptarem-se para o acolhimento do público com deficiência, ainda que adequação das edificações não fosse a única medida necessária (KÖPTCKE, 2015).

Em 1979, aconteceu no Rio de Janeiro um encontro nacional, que reuniu participantes de vários estados com diferentes tipos de deficiência, o objetivo era

promover a representatividade envolvendo o máximo de organizações e pessoas possível, criou-se então a Coalizão Pró-Federação Nacional de Entidades de Pessoas Deficientes como estratégia (LANNA Jr., 2010) No ano seguinte houve o 1°

Encontro Nacional de Entidades de Pessoas Deficientes.

Um ponto importante a ser destacado é a diferença entre entidades ‘’de’’

pessoas com deficiência e entidades ‘’para’’ pessoas com deficiência, as primeiras são majoritariamente, quando não unicamente, compostas por pessoas com deficiência e tem o protagonismo como maior característica, as seguintes não participavam das tomadas de decisão durante o Encontro Nacional, pois prestavam serviços para as pessoas com deficiência, eram portanto ouvintes e não lhes cabia a tutela dos demais. A medida foi controversa, porém, o evento deu bastante visibilidade para a causa da pessoa com deficiência como produtora de suas próprias demandas (LANNA Jr., 2010).

‘’Por pressão das organizações de pessoas com deficiência, a ONU deu o nome de “Ano Internacional das Pessoas Deficientes” (AIPD) ao ano de 1981‘’

(SASSAKI, 2003, p. 12).

Tanto o AIPD quanto o processo de redemocratização atuaram como catalisadores do movimento que, no primeiro momento, procurou construir e consolidar sua unidade. A criação da Coalizão Pró-Federação Nacional foi a materialização do esforço unificador, consubstanciado por três encontros nacionais, realizados entre 1980 e 1983, buscando elaborar uma agenda única de reivindicações e estratégias de luta, bem como fundar a Federação Nacional de Entidades de Pessoas Deficientes. O amadurecimento das discussões resultou em um rearranjo político no qual a federação única foi substituída por federações nacionais por tipo de deficiência. (LANA J., 2010, p. 35)

Ironicamente, não havia pessoas com deficiência na Comissão Nacional do AIPD, instalada por meio de decretos do presidente João Batista Figueiredo. Dada a arbitrariedade e ineficácia da medida, o então presidente recebeu uma carta de repúdio apontando o problema. Promoveram-se alterações que incluíram alguns consultores nos moldes exigidos. O despreparo, especialmente para lidar com as terminologias era notado frequentemente pelo modo como a imprensa, que fez intensa cobertura dos eventos ocorridos durante o APID, tratava o tema. Apesar disso, a ONU alcançou o objetivo de dar destaque às pessoas com deficiência e suas demandas. Posteriormente foi promulgada a Carta dos Anos 80, com metas para promover a integração do mencionado público em diferentes esferas sociais (LANNA Jr., 2010).

É preciso destacar que os conceitos atuais de acessibilidade são fruto de transformações históricas e sociais que podem ser percebidas a partir da evolução da legislação nacional, impulsionada por diversos movimentos sociais e não por um movimento natural ou linear.

No contexto nacional, a emenda constitucional de n°12, de 17 de outubro de 1978, não incorporada a Constituição Federal (CF) de 1967, revelou simbolicamente a dificuldade de inclusão daquele momento histórico. Permanecendo no final do corpo constitucional (ARAÚJO, 2008) em seu artigo único, a emenda menciona que ao deficiente deve-se garantir possibilidade de acesso a edifícios e logradouros públicos (IV).

Além de simbolizar marco jurídico na transição para a democracia e significar a institucionalização dos direitos humanos no Brasil, a Constituição Federal de 1988 inspira-se no Direito Internacional dos Direitos Humanos24 conferindo natureza de norma constitucional, aos direitos enunciados em Tratados Internacionais dos quais o Brasil seja signatário. Dessa forma, violações de Direito tomam proporções além-território. (PIOVEZAN, 1996). A possibilidade de acessibilidade ampliou-se a partir da CF de 1988, que trata diretamente do acesso aos bens imóveis:

A lei disporá sobre normas de construção dos logradouros e dos edifícios de uso público e de fabricação de veículos de transporte coletivo, a fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência. (CF, 1988, Art. 227, § 2º).

Em 2000, duas leis Federais sobre o assunto foram aprovadas, a Lei n°

10.048, de 8 de novembro de 2000, que trata da prioridade de atendimento para pessoas com deficiência, idosos acima de 60 anos, gestantes, lactantes (puérperas) e pessoas com crianças de colo. E a Lei n°10.098, de 19 de dezembro de 2000, que

‘’Estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, e dá outras providências.’’ Ambas as leis foram regulamentadas pelo Decreto nº 5.296 de 2 de dezembro de 20044.

24 Como explica FEIJÓ, os direitos das pessoas portadoras de deficiência têm seu fundamento nos direitos humanos e na cidadania. Contudo, até antes da 2ª Guerra Mundial, os direitos humanos exerciam influência somente dentro dos Estados. Só após a 2ª Guerra Mundial, preocupou-se em internacionalizar os direitos fundamentais, sobretudo pela ineficiência da Liga das Nações e pelas práticas afrontosas a esses direitos durante este período. Não era mais admitido o Estado nos moldes liberais clássicos de não intervenção. Assim, cria-se a Organização das Nações Unidas (ONU) e surge a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão em 1948.

Quanto à acessibilidade aplicada aos bens imóveis, a secção IV do mencionado decreto subordina condições de acessibilidade ao estabelecido pela Instrução Normativa n°1 de 25 de novembro de 200325, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), que define um ‘’conjunto de soluções em acessibilidade’’ (BRASIL. Iphan, 2003, p. 8) assim como a normativa e a legislação nacional. Observamos que essas caminham em circulo, pois que são complementares e flexíveis entre si (BRASIL. Iphan, 2003) atendendo diferentes frentes. Costa, Maior e Lima apresentam um breve cenário para regulamentação das leis de acessibilidade de 2001:

Para que as chamadas Leis de Acessibilidade, nº 10.048 e 10.098, fossem regulamentadas, em 2001, foi realizada pela Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência - CORDE, em Brasília, a Oficina de Trabalho para as Leis Federais de Acessibilidade, a qual reuniu aproximadamente 100 pessoas, dentre representantes da sociedade civil, da administração pública federal, estadual e municipal, de universidades e outros profissionais ligados à área das deficiências. (COSTA, MAIOR, LIMA, 2005, p. 2-3).

A Lei 13.146, de julho de 2015, foi a última conquista em termos de leis de acessibilidade até o presente momento. Para ser acessível uma edificação precisa seguir todas as recomendações contidas na norma ABNT 9050:2015.

A norma, que norteia este trabalho, considera os termos barreiras, pessoa com deficiência e pessoa com mobilidade reduzida como os definidos na legislação vigente, a Lei 13.146 de 6 de julho de 201526, Art. 2º:

Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.

A mencionada lei considera aspectos sociais, culturais e psicológicos, no artigo 3°, inciso IV, define ainda:

Barreiras: qualquer entrave, obstáculo, atitude ou comportamento que limite ou impeça a participação social da pessoa, bem como o gozo, a fruição e o exercício de seus direitos à acessibilidade, à liberdade de movimento e de expressão, à comunicação, ao acesso à informação, à compreensão, à circulação com segurança, entre outros [...].

25 Dispõe sobre a acessibilidade aos bens culturais imóveis acautelados em nível federal, e outras categorias, conforme especifica.

26 Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência).

A definição da Instrução Normativa Iphan nº 1, de 25/11/2003, aponta a pessoa com deficiência ou mobilidade reduzida como alguém que temporária ou permanentemente tem sua capacidade de se relacionar com o meio e utiliza-lo limitada (BRASIL. Iphan, 2003, p. 2). Percebe-se tanto na Instrução Normativa citada quanto na redação da legislação, tendência a responsabilizar equipes técnicas, órgãos públicos e afins pela exclusão de parcela de seus usuários ou visitantes, visto que o significado27 das palavras ‘’relação’’ e ‘’interação’’ conduzem à existência de mais de um indivíduo. O ambiente aparece como um fator limitador das atividades diárias em detrimento de outras abordagens que responsabilizam exclusivamente as limitações dos indivíduos (MORAES, 2007), sendo assim os responsáveis pelo ambiente são lembrados de que precisam proporcionar um ambiente que atenda a maior diversidade possível de pessoas, da maneira mais confortável possível de acordo com os princípios do Desenho Universal.

Gestação e puerpério: fatores biológicos e culturais

‘’ (...)um menino nasceu – o mundo tornou a começar!...”

(ROSA, 2013, p. 668)

Durante a gestação e o puerpério ocorrem várias modificações hormonais e biomecânicas que refletem na capacidade de movimentação e flexibilidade bem como na coordenação motora (DELASCIO; GUARIENTO, 1994) por estes motivos gestantes, lactantes e pessoas com crianças de colo28 são consideradas Pessoas com Mobilidade Reduzida (P.M.R) pelos termos do Estatuto da Pessoa com Deficiência, a Lei 13.146 de 6 de julho de 2015, Art. 3º:

IX - pessoa com mobilidade reduzida: aquela que tenha, por qualquer motivo, dificuldade de movimentação, permanente ou temporária, gerando

27 No dicionário Priberam da Língua Portuguesa as palavras ‘’interação’’ e ‘’relação’’ podem significar, respectivamente ‘’ Fenômeno que permite a certo número de indivíduos constituir-se em grupo, e que consiste no fato e que o comportamento de cada indivíduo se torna estímulo para outro.’’ e

‘’dependência ou ligação’’

28 Lactantes e mulheres com crianças de colo serão classificadas neste trabalho como puérperas.

redução efetiva da mobilidade, da flexibilidade, da coordenação motora ou da percepção, incluindo idoso, gestante, lactante, pessoa com criança de colo e obeso;

O centro de gravidade do corpo da gestante é projetado para frente devido à distensão abdominal e ao crescimento das mamas, alterando a capacidade de equilíbrio, o quadro pode persistir no ciclo puerperal, por este motivo, fatores ligamentares e hormonais podem ser apontados como maiores responsáveis pelo quadro (BUTLER et al., 2006); há aumento entre 40 e 50% do volume sanguíneo, que precisa ser bombeado pelo coração, logo, a frequência cardíaca é aumentada e a mulher tende a sentir-se ofegante com mais facilidade (JOHNSON, 2012).

O aumento da carga e o desequilíbrio no sistema articular devido ao aumento da massa corpórea e de suas dimensões podem provocar perturbação do centro de gravidade (CG) e maior oscilação do centro de força (CF), que levam a um equilíbrio instável e influenciam na biomecânica da postura. (OKUNO; FRANTIN apud SI; ECO, 2007, p. 2)

Essa alteração pode aumentar o risco de quedas, prevalente em 25% das gestantes. Devido às alterações posturais evidentes’’ (BUTTLER et al. apud SI; ECO 2007 p. 2)

Outros visitantes carregam bebês no colo, em berço portátil porta-bebê ou em carrinhos de bebê; para este público também é necessário garantir espaços acessíveis do ponto de vista das barreiras arquitetônicas e espaços de descanso tanto para amamentação quanto para fruição mais confortável nos espaços dos museus. A elaboração de questionário sobre critérios norma ABNT9050: 2015, sua aplicação às gestantes e puérperas e posterior análise dos resultados nos museus do GDF encontrar-se-ão no capítulo seguinte e buscam medidas de acessibilidade para o mencionado público, com mobilidade reduzida.

Há também aspectos culturais, sociais e históricos que influenciam o modo como lidamos com o ciclo gravídico-puerperal, em diferentes épocas. Durante alguns períodos, esculturas e monumentos foram erguidos em homenagem a voluptuosidade sexual e capacidade doadora de vida femininos. Com o advindo do patriarcado, a sexualidade foi reduzida aos genitais e masculinizada, a sexualidade feminina foi restringida ao âmbito reprodutivo e censurada (VINAVER, 2015).

Gestação, aleitamento e parto fazem parte da vida sexual e afetiva da mulher e do casal; acredita-se que, por este motivo, as concepções sobre essa fase carregam julgamentos sobre a sexualidade e o corpo da mulher (RODRIGUES, 1999).

Durante milênios todos os meios possíveis têm sido usados para descrever as diferentes facetas do amor e para promover o amor. Filósofos sem fim têm se pronunciado sobre sua natureza. Paradoxalmente, ninguém se perguntou sobre como a capacidade de amar se desenvolve. Hoje somos instigados a responder a essa pergunta porque os dados científicos sugerem respostas (ODENT, 2003, p. 90)

Do ponto de vista biológico sexo, parto, amamentação e o amor duradouro baseado em confiança estão embebidos de vários hormônios comuns, esses diferentes tipos de amor englobam não apenas a maternidade (ODENT, 2003).

Durante o orgasmo altos níveis de ocitocina29 são liberados (CARMICHAEL et al., 1987), assim como durante o parto, induzindo a contrações uterinas e após o parto prevenindo hemorragias e promovendo vínculo entre mãe e filho. Apesar de facilitar a ejeção do leite, a ocitocina não é um hormônio exclusivamente feminino, trata-se do hormônio do vínculo (LEE et al., 2009). A fruição das obras expostas em museus também pode estimular sensações semelhantes às experimentadas durante o amor romântico (ZEKI, 1999), nesse sentido é possível afirmar que o museu é um potencial veículo para a promoção da empatia e um excelente ambiente para formação de vínculos.

Apesar de ser interpelado por diversas questões culturais ‘’qualquer que seja a faceta do amor que consideremos a ocitocina está envolvida’’ (idem, p. 93), Nossos cérebros são capazes de organizar representações sobre a vida interior de outras pessoas, a essa capacidade chamamos ‘’empatia’’ (SINGER; KRAFT, 2007).

Promover acessibilidade é promover acolhimento e uma relação saudável dos museus a partir de uma relação empática com seus diferentes públicos. A partir da Mesa de Santiago, anteriormente mencionada, o museu assume seu caráter de humanização, no sentido de auscuta social, movimento que vem tomando diferentes ciências a partir dos movimentos das décadas de 1960 e 197030, a museologia inclusa (SANTOS, 2002).

29 A ocitocina é popularmente conhecida como o hormônio do amor (CARMICHAEL et al., 1987)

30 Maria Célia Teixeira Santos (2002) menciona diretamente o maio de 1968, movimento que questionou profundamente diversas instituições para que essas analisassem a repercussões de suas ações sobre sociedade.

Gestação e puerpério: questões históricas

Em 1791 Olympe de Gourges elabora a Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã, expondo ‘’direitos inalienáveis e sagrados da mulher.’’ A autora da declaração que teve apoio de milhares de mulheres foi guilhotinada em 1793 (LIMA, 2013). O preâmbulo do documento citado atribuía ao sexo feminino superioridade em força, por suportar os ‘’sofrimentos maternais.’’

Durante o Brasil Colônia, a percepção médica em torno do corpo da mulher era completamente direcionada ao ciclo gravídico, as dores e medos do parto eram vistos socialmente como uma maneira de santificação pelo pecado original de Eva.

O sexo mesmo que no matrimônio era visto como escatológico e pecaminoso, sua consequência era a gravidez (PRIORE, 1993).

Várias recomendações médicas a serem seguidas durante a gestação também tornavam este um período que inspirava cuidados, dentre essas estavam não saltar ou correr, não carregar peso sobre o ventre, exercícios para facilitar o parto a partir do nono mês, incluindo relações sexuais para desprender o feto.

Paralelamente a visão piedosa do cristianismo, havia a relação entre mães, filhas e avós que compartilhavam dos saberes das ervas e cuidados com o ciclo gravídico puerperal. ‘’A cultura feminina, transmitida entre comadres, a medicina e a igreja imbricavam-se num mesmo objetivo: fazer a terra germinar...Tornar o úbere fértil’’

(PRIORE, 1993).

O que se deve ressaltar dos parágrafos anteriores é que cuidados especiais durante a gestação e o puerpério não são exclusividade da literatura médica ou legislação atuais, assim como tal atenção e significados em torno da gestação e do puerpério variam ao longo do tempo.

A medicalização e o feminismo teriam sido fatores fundamentais na transformação da maternidade, as melhorias na saúde e a diminuição da mortalidade materno-infantil teriam aberto espaço para diferentes pautas políticas e trabalhistas femininas se fortalecerem a partir da segunda metade do século XIX (KNIBIEHLER, 2012). Direito a uma melhor educação para exercício da função de educadora, direito a melhores salários para melhor nutrir os filhos e assumir a função de provedora caso o pai faltasse estavam entre as pautas maternas (KNIBIEHLER, 2012).

A partir do século XIX a medicina passa a assumir uma postura de alívio das dores em torno da maternidade, a mulher passa de culpada a vítima de sua condição natural (DINIZ, 2005). No pós guerra, a crítica feminista via na maternidade o ponto fraco da mulher, ou seja, a capacidade de gestar, parir e nutrir explicava muito da dominação sofrida pela mulher. Passou-se então em um primeiro momento a combater a maternidade, construção social que resultava no confinamento feminino, a luta pela extinção do dever maternal situa-se na corrente do feminismo igualitário (SCAVONE, 2001). Em um segundo momento, a maternidade será reconhecida como um poder que apenas mulheres possuem, a maternidade será resgatada como parte da identidade feminina e será dada a ela o status de saber feminino. Essa visão se refere ao feminismo diferencialista (SCAVONE 2001). O terceiro momento será o de desconstrução: não é a biologia que define relações de poderes sobre a mulher, mas sim os significados que permeiam as maternidades (SCAVONE 2001). Cabe reassaltar que as três correntes mencionadas utilizam o termo ‘’handicap’’ que assim como no movimento das pessoas com deficiência é ressignificado ao longo do tempo e passa de defeito natural para limitação de possibilidades da interação do indivíduo com o ambiente que o cerca (SASSAKI, 2007).

Ressalta-se, porém, que um dos aspectos mais evidentes na transformação da maternidade foi o rompimento com seu determinismo biológico. Este rompimento levou à separação definitiva da sexualidade com a reprodução, primeiro pela contracepção medicalizada, em seguida pelas tecnologias conceptivas, desconstruindo a equação mulher=mãe, e construindo uma outra equação mais complexa, na qual entram em cena com maior vigor a classe médica e as tecnologias. (SCAVONE, 2001, p. 8)

A partir da década de 1970 o Movimento Pela Humanização do Parto e Nascimento propõe uma visão menos negativa em torno do ciclo gravídico-puerperal, trazendo a humanização como legitimidade política para reivindicação de direito a uma assistência não violenta, baseada nos direitos humanos e no protagonismo da gestante, a partir da mobilização de várias mulheres e profissionais de saúde (DINIZ, 2005).

O termo direitos reprodutivos passou a ser adotado pelas feministas a partir de 1984, durante o I Encontro Internacional de Saúde da Mulher, em Amsterdã, porém, foi incorporado ao Direito Internacional apenas em 1990 (LIMA, 2013). A Conferência Mundial de Direitos Humanos de Viena, de 1993, considerou os direitos das mulheres e das meninas como parte ‘’inalienável’’ ‘’integral’’ e ‘’indivisível’’ dos

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