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3. COMO CAMINHAMOS

3.1 NOSSOS CAMINHOS NO GRUPO

Nem tudo que se enfrenta pode ser modificado, mas nada pode ser modificado até que seja enfrentado. James Baldwin

31 Houve uma desistência justificada pela incompatibilidade com os horários dos encontros que não puderam ser revistos já que atendiam aos demais.

Em setembro, estive na sala dos jovens com quem procurava fazer a pesquisa, já com a autorização da instituição, e com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido em mão32. Conversei com eles, falando sobre como funcionariam os trabalhos que eu estava propondo.

Senti-me um pouco nervosa. Um pouco no sentido de quantidade e, também, um pouco no sentido de qualidade: foram longos meses de preparo; alguns anos de envolvimento solitário e agora eu colocaria em vista tantas questões e tantas possibilidades. Minha incompletude é minha angústia.

Penso nas questões teoria x prática. É claro que uma completa a outra, aliás, lembro-me de a teoria traz em si a prática, o que torna impossível falar de algo sem “vivê-lo”. Talvez, por isso, tenha seguido o caminho mais obscuro, aquele pelo qual eu me senti atraída, o de ir ao mundo real e ouvir os jovens. Isso me encantou.

Como um das possíveis formas de se fazer o método fenomenológico, concordando com os autores antes citados, Pinel (2000) e Forghieri (2002), de que aos participantes devem ser postos os motivos que nos levaram à pesquisa, os sonhos, os desejos e os caminhos que nos levaram ao tema e a ação da pesquisa, juntos, em nossas existências que se encontram, refletimos posições, práticas e certezas. Tudo isso com respeito às suas individualidades e a minha própria. E isso foi feito já nesse convite à participação.

Não foi simples chegar aos jovens e fazer a proposta de pesquisa. A violência sexual não é um assunto de fácil discurso. Por outro lado, havia a Internet, que eu achava que poderia ser mais fácil de comentar.

Iniciei falando das questões das TICs, de como os jovens eram considerados os maiores usuários da Internet, entre outras informações sobre esse tema e passei à relação que eu havia encontrado em meu trabalho anterior, o monográfico, quanto aos usos do Okurt como local de disseminação de imagens de abuso de crianças e de discursos de abuso e violência sexual de adolescentes. Nesse momento, senti que era hora de perpassar minhas aproximações com a temática para eles e elas. E conversei com eles de maneira absolutamente clara, mas sensível.

32 Ver apêndices.

Fazendo uma leitura de alguns escritos de Pinel (1989, 2000, 2006a, 2006b,), entendemos a importância de uma escrita poética e sensível quando estamos tratando da existência concreta, da realidade vivida, dos modos de ser. Também acredito que, num trabalho com grupos de pessoas, o falar sensível tem seu lugar, portanto destacamos sua colocação da dupla vocação da “(Psico) Pedagogia Fenomenológica Existencial”:

O agir levou à descoberta de que a (Psico) Pedagogia Fenomenológica Existencial pode ser compreendida como um “método de pesquisa” e ao mesmo tempo de intervenção (“inter (in) venção psico-pedagógica”). Uns de sentir metafórico mar, que conduz um barco (cognição) em “limite”. Água e barco interdependentes. Isso produz mudanças afetivas. Penetra o conhecer – e seus riscos. Torna-se proprietário vento dele. Ele é acusado de não sabe (dor)/não conhece(dor), mas na experiência educativa e psicológica, apropria-se do que é seu por direito, e se abre a mais invenções de si no mundo. (2006b, p. 291).

Foi pensando nisso que, durante todo o trabalho com o grupo, utilizei histórias, lendas e contos, vídeos conhecidos cotidianamente pelos participantes, ou, de linguagem conhecida por eles, para, a partir deles, aproximamo-nos da temática. Isso porque, partindo dessas premissas, pude discutir com eles, de forma mais leve, essas questões tão duras e, ainda, partir da intenção compreendida pelos participantes em cada conteúdo utilizado: “Compreender um comportamento é percebê-lo, por assim dizer, do interior, do ponto de vista da intenção que o anima, logo naquilo que o torna propriamente humano e o distingue de um movimento físico. (DARTIGUES, 1973, p. 53).”

Tentei também fazer uso de uma linguagem o mais sensível possível e falei dessa proposta do uso das diversas linguagens para, junto com o grupo, pensarmos o referencial proposto e toda a temática, o que, pela característica de ser uma temática delicada de tratarmos, entendemos ser um caminho possível. Falamos inclusive do próprio Freud que utilizou a mitologia grega como metáfora e, com ela, deu nome para grande parte dos conceitos-chave de sua teoria: ele estudou assiduamente a mitologia grega e colecionou estátuas gregas, romanas e egípcias. (BETTELHEIM, 1982).

Isso porque, mesmo numa proposta de educação profissional, como é no Ifes, é preciso, em alguns momentos, parar e refletir sobre contextos de formação que pensem o ser inteiro em

sua experiência humana: “Penso que o professor não deve considerar o aluno apenas como aprendiz de textos, mas principalmente como a pessoa que precisa aprender a conviver melhor consigo mesma e com seus semelhantes; [...]” (FORGHIERI, 1984, p. 13)

Conversamos, também, nesse e em alguns momentos em que a questão surgiu, no porquê da escolha do trabalho em grupo:

PESQUISADORA: Olha só agora a outra coisa: eu estava esperando juntar mais pessoas no encontro pra conversar uma coisa com vocês. Por que esse trabalho é em grupo e não entrevista? Por que isso? A entrevista seria até mais fácil, seria uma maneira de a gente conversar sobre esses assuntos, sem ter vergonha de falar perto do outro, sem medo de alguém sair comentando o que foi discutido, mas, enfim, eu achei que seria mais interessante trabalhar em grupo, mesmo com esse problema porque tem uma interação maior. Uma coisa que a gente estuda, quem faz a área de humanas, que o grupo é melhor que a soma das partes. O grupo não é apenas cada pessoa: quando a gente junta, a opinião se transforma numa rede de opiniões, então no grupo fica mais rico.

Esses conceitos falados podem ser entendidos com base em: Santos (1995) no novo paradigma emergente, que perpassa um conhecimento que seja local e total; Santos (2005), com reflexões sobre coletividades e diversidades a partir do Fórum Social Mundial; Morin (2003), com relações entre o todo e as partes do conhecimento e Rogers (1982), que considera o grupo um organismo e a visão de cada um como parte do todo e também é um todo em si mesmo.

De acordo com Flick (p.126, 2004), “O grupo transforma-se em uma ferramenta que reconstrói opiniões individuais de forma mais adequada”. A idéia de uma opinião mais adequada para nós foi a tentativa de estabelecer a opinião de cada um transparecendo na opinião do grupo, numa dinâmica própria. Além disso, entendemos que um grupo de jovens conhecidos e empáticos entre si facilitaria o posicionamento dos próprios jovens:

Paralelamente, os grupos de amigos aparecem como instância de proteção de identidades individuais. Por isso, é possível admitir que uma das funções essenciais nos grupos de amigos seja, não tanto a de desafiar os valores da família ou das gerações mais velhas, mas assegurar aos jovens uma proteção aos assaltos socializantes a que estão sujeitos. (PAIS, 1993, p. 94).

Além disso, levando em consideração que se para Kierkegaard “a multidão é mentira” (1859/1986, p. 99) nem por isso ele descartou, definitivamente, os grupos de pessoas; mas, ele

descarta veementemente o querer agir pelo número da multidão, e o fazer dele sua instância da verdade. Isso aparece claramente explicitado quando se utiliza o exemplo de Sócrates e Jesus, que tiveram suas formas próprias de trazerem à tona o conhecimento do íntimo das pessoas num trabalho junto a elas.

Conversando sobre os aspectos metodológicos do grupo, iniciamos com alguns acordos. Ficou acertado que trabalharíamos sobre o tripé: sigilo, privacidade (direito de falar quando, como e se quiser) e gentileza e na escuta empática, com base em Rogers, (1982) e, com base em Flick (2004), quanto ao exemplo que traz das formas de início para um grupo de foco com referência aos acordos a serem traçados:

PESQUISADORA: Mas aí tem o outro lado: eu gostaria de pedir a vocês algumas coisas para que a gente consiga terminar o trabalho de hoje: a primeira é sigilo. Sabem por que eu comecei o grupo me expondo? Eu queria que soubessem que eu era capaz de falar de uma coisa tão importante pra mim e, com isso, eu não iria, de forma alguma, usá-las pra prejudicar vocês em nada, mas enfim para a gente manter o sigilo e eu queria perguntar a vocês se vocês têm a capacidade de fazer isso? (...) que fosse uma coisa do grupo?

A outra coisa: há muitos nomes, mas eu prefiro tratar como gentileza. Então, por exemplo, do mesmo jeito que vocês foram gentis comigo, quando eu expus o que me levou a pesquisar sobre isso, mostrando a minha visão dessas coisas, vocês foram muito gentis comigo e não falaram nada que pudesse machucar, (...) então do mesmo jeito eu vou tratar aquilo que vocês falarem e eu também queria pedir que vocês fossem assim uns com os outros. Se alguém falou alguma coisa aqui que vocês não concordam, quer falar com a pessoa no grupo, fale, mas da forma menos agressiva possível. A partir de agora, eu quero muito contar com a opinião de vocês, talvez a gente trate de alguma coisa de que vocês discordem, mas aí eu queria contar com esse tipo de tratamento: a gentileza.

Quanto à técnica, foram, ao todo 07 (sete) encontros, entre setembro e dezembro de 2008, e a proposta do trabalho com o grupo pode ser resumida no seguinte esquema:

1. Iniciávamos com um bate-papo. Essa conversa informal tinha como objetivo a reaproximação do grupo comigo, principalmente porque os jovens estariam juntos todo o tempo, já que estudam na mesma turma. Além disso, esse momento era um prelúdio em que a companhia de todos com todos era disposta.

2. Logo depois, eu fazia uma revisão do último encontro, ou comentava alguma coisa que havia ficado dos encontros passados. Era nossa reaproximação com o tema.

3. Depois era iniciada a proposta do dia por meio de um recurso, ou, de acordo com Krüger (apud FLICK, p. 129, 2004), “estímulo para discussão”: que podia ser um trecho de um filme; uma crônica, uma poesia, uma história mitológica, um vídeo etc.

4. Nesse momento, passava-se à discussão, que era proposta por mim, mas que não era fechada. Mas, às vezes, as falas que surgiam nos levavam para outros mares. Nesses momentos, chegávamos a nossas conclusões grupais. Muitas vezes senti a conformidade dos jovens com as opiniões que eram expressas; noutras, o esgotamento da discussão; em alguns, a discordância, sempre, porém, senti o respeito adquirido entre eles.

5. Os encontros terminavam com uma avaliação informal dos trabalhos, muitas vezes, já percebida pela forma de expressão dos corpos que pareciam mais unidos, com as almas mais próximas pelo compartilhamento de algo complexo, mas que fora discutido de maneira aberta. Também nesse momento marcava-se o próximo encontro, ou alterava- se a agenda, quando necessário.

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