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Capítulo 3 Imprensa e Construção Social da Realidade

3.2 Notícia e construção da realidade

Berger e Luckmann (1985) afirmam que a realidade é construída socialmente e cabe à Sociologia do Conhecimento analisar o processo em que este fato ocorre. Realidade é definida como uma qualidade pertencente a fenômenos que independem de nossa vontade e conhecimento, como a certeza de que os fenômenos realmente existem e possuem características específicas. Segundo os autores essas definições são suficientes para a finalidade sociológica do estudo.

“Nosso ponto de vista, por conseguinte, é que a sociologia do conhecimento deve ocupar-se com tudo aquilo que passa por “conhecimento” em uma sociedade, independentemente da validade ou invalidade última (por quaisquer critérios) desse “conhecimento”. E na medida em que todo “conhecimento” humano desenvolve-se, transmite-se e mantém-se em situações sociais, a sociologia do conhecimento deve procurar compreender o processo pelo qual isto se realiza, de tal maneira que uma “realidade” admitida como certa solidifica-se para o homem da rua. Em outras palavras, defendemos o ponto de vista que a sociologia do conhecimento diz respeito à análise da construção social da realidade.” (Berger e Luckmann, 1998: 14) Os autores são influenciados tanto por Durkheim, que considera os fatos sociais como coisas, quanto por Weber segundo o qual o complexo de significados subjetivos da ação é o objeto do conhecimento. Berger e Luckmann (1998) afirmam que esses enunciados não são contraditórios, pois a sociedade possui facticidade objetiva. E, em sendo socialmente construída, sugere um significado subjetivo.

A partir desse trabalho de Berger e Luckmann sobre a construção social da realidade, analisaremos o emprego dessa teoria no caso da notícia. Seguindo o argumento de que a realidade é socialmente construída, pesquisadores norte-americanos como Gaye Tuchmann (1978) e Michel Schudson (apud Vittorazzi,1997) reforçam essa noção no campo da notícia. Empregam essa

análise para entender um pouco da dinâmica da produção da notícia nos veículos de comunicação em massa. Tanto um quanto o outro concordam que a notícia é socialmente construída por jornalistas que desempenham sua função obedecendo alguns critérios da lógica profissional e institucional na produção e reprodução dos fatos.

Michael Schudson (apud Vittorazzi, 1997), em seu livro “Discovering the News”, trata sobre a objetividade do jornalismo norte- americano, procura responder que tipo de mundo social é o nosso e que tipo de instituição é o jornalismo, que juntos sustentam o ideal particular da objetividade. Ao desenvolver seu argumento percebe que a exigência da objetividade na produção jornalística naquele país, está diretamente relacionada à sociedade de mercado, que supostamente tornou-se mais democrática. Isso ocorre por volta de 1830. Nesse período, o país vai se transformando de mercantilista liberal apoiado em valores aristocráticos para uma democracia de mercado mais igualitária, onde o dinheiro passa a ter um novo poder, o indivíduo assume uma nova postura e a busca do interesse pessoal passa a ser mais central. Algo como democratização do consumo que também impulsiona o mercado de notícia. Os jornais de notícias são um exemplo do resultado desse processo, pois os jornais ligados a partidos políticos predominantes antes de 1830 dão lugar às notícias que são mais atrativas aos olhos dos consumidores e anunciantes.

A imprensa, nesse período, passa a ter uma nova dinâmica. Pela primeira vez, as colunas sociais, os escândalos familiares e as reportagens policiais ganham destaque, as notícias do dia a dia garantem a vendagem das edições com sucesso. Segundo o autor, esses fatores contribuem para a crença na

objetividade dos fatos e desconfiança dos valores. A objetividade jornalística é representada pelos produtores da notícia (editores, repórteres e jornalistas), que selecionam notícias para a publicação e oferecem aos leitores parte de uma realidade que talvez eles nunca vivenciaram, mas que faz parte de seu estoque de conhecimento. Por exemplo, ao noticiar um seqüestro, muita gente nunca vivenciou a experiência, mas sabe sobre o que se trata até porque os meios de comunicação já lhes expuseram essa realidade.

Para Tuchman (1978) a notícia é um empreendimento negociado. Faz parte de sua construção os processos de negociação sobre o que vai ou não ser publicado, quem irá elaborar a matéria, o que será objeto do editorial, enfim uma construção previamente planejada e permeada dos mais diversos interesses. Compartilho com o argumento da autora quando afirma que as notícias não espelham necessariamente a sociedade, principalmente porque os critérios e o processo de construção da notícia implicam em escolhas antidemocráticas. Segundo a autora, a notícia comunica uma característica pública de acontecimentos. Publiciza e coordena, em uma sociedade complexa, a maneira como será elaborada e divulgada as informações. Isso porque, em primeiro lugar, a notícia é um método institucional de tornar a informação acessível e disponível aos eventuais consumidores. Além disso, a notícia pode ser uma grande aliada das instituições sociais legitimadas, ou para aquelas que almejam sua legitimação, esse seria um instrumento hábil e poderoso. Dessa maneira, o profissional que elabora e trabalha com a notícia pode ser muito suscetível aos fatores e interesses externos. Em suma, o que poderia ser uma simples descrição de um acontecimento da realidade pode tornar-se um objeto de disputas e negociações no

jogo que obedece à lógica do que pode ou não ser publicado, pois o jornalista está imbuído dessas práticas organizacionais. Finalmente, o jornal é produzido e divulgado por profissionais atrelados às organizações que operam dentro de processos institucionais e, em conformidade com essas práticas. É no interior delas que a notícia é elaborada, portanto, é um produto de uma instituição social e é permeada de relações com outras instituições.

Assim, os trabalhadores envolvidos com a produção da notícia se esforçam e atuam em conformidade com o “status quo”, contribuindo para sua afirmação e conseqüente legitimação.

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