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Nota preliminar: Da importância do recurso ao direito comparado

4. O SISTEMA PROBATÓRIO NA JURISDIÇÃO ADMINISTRATIVA FRANCESA E

4.1 Nota preliminar: Da importância do recurso ao direito comparado

Antes da análise do sistema probatório na jurisdição administrativa francesa, impõe- nos esclarecer em breves palavras a importância do recurso ao direito comparado.

Afora a indiscutível influência do direito administrativo francês em nosso direito pátrio, que já fora revelada no primeiro capítulo do presente estudo, o recurso ao direito comparado é eficaz e moderno método de estudo, especialmente importante no contexto de universalização de princípios e direitos fundamentais do homem.

Não pretendemos divinizar o direito francês, nem desejamos importar suas normas de direito positivo, pois, além de termos ciência de que seu sistema também merece críticas, o direito positivo é eminentemente nacional110, fruto de tradições e realidades próprias de cada

nação.

Por outro lado, percebemos traços de identidade entre os dois sistemas, notadamente pela influência do direito francês em nosso direito, além de os dois países ostentarem condição de Estados democráticos de direito e por isso serem igualmente obrigados a respeitar as garantias fundamentais do processo e os direitos humanos.

Se o direito positivo é eminentemente nacional, a paridade de armas e a busca objetiva à verdade são universais e merecem a mesma obediência dos sistemas jurídicos.

Aponta Cândido Rangel Dinamarco algumas utilidades maiores no método de estudo de direito comparado, dentre as quais, a contribuição para o melhor conhecimento e aprimoramento do direito nacional111.

Em notável obra, Cândido Dinamarco, Ada Pellegrini Grinover e Antonio Carlos de Araújo Cintra, ao elencarem as normas ideais ou os “princípios informativos do processo”, quais sejam, princípio lógico, princípio jurídico e princípio econômico, ponderam que:

110 VIANA, Juvêncio Vasconcelos. Op. cit., nota 50, p. 64.

111 DINAMARCO, Cândido Rangel. Processo Civil Comparado, Fundamentos do Processo Civil Moderno, vol.

o estudo comparado das tendências evolutivas do processo tem apontado uma orientação comum que inspira todos os ordenamentos do mundo ocidental, mostrando uma tendência centrípeta de unificação que parece ser o reflexo daquelas normas ideais ,a imprimirem uma comum ideologia mesmo a sistemas processuais de diferente matriz (v.g, os países do common law e os ligados à tradição jurídica romano-germânica).112

Se outros países, como a França, conseguem desfrutar nas causas do Estado de um processo verdadeiramente equânime, apto à busca da verdade e absolutamente respeitoso da paridade de armas, pensamos que transformar o sonho de implantar essa realidade no Brasil não é impossível.113 Se conseguirmos alcançar essa realidade,

a sociedade passará a respeitar a autoridade de Estado, hoje profundamente desgastada, porque terá deixado de vê-lo como um inimigo, mas verdadeiramente como guardião do bem comum, que, sem prejuízo da sua tutela, respeita igualmente os direitos dos cidadãos e, no confronto entre aquele e estes contribui de boa fé para a busca da verdade, em igualdade de condições com os demais interessados, para que afinal prevaleça o interesse efetivamente agasalhado pela lei, o único que o Estado tem de fato o direito- dever de defender.114

Ademais, nos cabe fazer algumas básicas distinções entre o sistema francês e o brasileiro.

Como foi dito na introdução desse trabalho, a França adota sistema de jurisdição dualista, diferentemente da jurisdição una adotada no Brasil ou em países da common law, onde o controle dos atos da Administração é feito pelo próprio Poder Judiciário.

Na França, a matéria contenciosa entre o Estado e o indivíduo foi confiada a tribunais administrativos, que se notabilizaram curiosamente pela independência e imparcialidade.115

Verificamos que, não obstante a importação do princípio da separação de poderes pelo Brasil, aqui ele fora interpretado de maneira distinta. Na França, como já foi dito no início deste trabalho, apesar de o princípio ter sido invocado em nome da independência dos poderes, o pensamento de Montesquieu parece ter sido distorcido, pois ali o contencioso administrativo compete a tribunais não integrantes do Judiciário. Na concepção americana desse mesmo princípio, a revisão dos atos administrativos que extrapolam a legalidade, é judicial. Seguindo esse entendimento, os sistemas latino-americanos inspiraram-se no controle judicial anglo-americano, como é o caso do Brasil.116

112 CINTRA, GRINOVER E DINAMARCO. Op. cit., nota 52, p. 51.

113 GRECO. A busca da verdade e a paridade de armas na jurisdição administrativa. Op. cit., nota 4, p. 141. 114 Ibid. p.141.

115 VIANA, Juvêncio Vasconcelos. Op. cit., nota 50, p 68. 116 Ibid. p. 66.

Para nós, a discussão acerca da interpretação do princípio da separação dos poderes hoje nos parece inócua, haja vista que independentemente de como a tradição de cada país firmou seu sistema, o importante é que sendo a jurisdição una ou dual, seja ela, quando provocada, o remédio para a defesa dos direitos dos cidadãos.

Separamos no presente capítulo alguns tópicos que nos parecem mais importantes e controvertidos na questão das provas nas contendas em que a Fazenda Pública figura como parte. Cabe aqui adiantar que apesar de o Brasil adotar o sistema de jurisdição una e para nós a expressão “processo administrativo” em estrito senso respeitar ao processo administrativo extrajudicial e na França muitas vezes este processo gracioso (processo administrativo para nós) confundir-se com o processo judicial da jurisdição administrativa, achamos válido comentar acerca dos processos disciplinares e chamar atenção para a moderna figura da agência reguladora, que há até pouco tempo causava muita polêmica no Brasil, como ocorreu na França. Ademais, sendo o foco do nosso trabalho, em última análise, verificar se as garantias processuais dos cidadãos nos processos em face da Fazenda Pública estão sendo efetivamente asseguradas, também relevante é perquirir essa efetividade nos processos administrativos extrajudiciais ou graciosos, em que as autoridades administrativas não podem se escusar de resguardar garantias processuais erigidas como verdadeiros direitos humanos.