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Nota-se, na década de oitenta, a existência de pouquíssimas casas de espetáculos.

2 Dos Aviamentos Imprescindíveis: Noções e Conceitos de Crítica

78 Nota-se, na década de oitenta, a existência de pouquíssimas casas de espetáculos.

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Temos nesta época, diversos jornais com suas respectivas colunas: O Jornal Moderno, O Jornal de Notícias, a Gazeta do Povo, A Hora, o Jornal A Tarde (existente até nossos dias), o Estado da Bahia e o Diário de Notícias. Esses dois últimos eram vinculados ao Diário Associado de Assis Chateaubriand e muito colaboraram para o aparecimento de reflexões sobre o teatro baiano, ainda no início do século.

O Diário de Notícias, além de ter publicado, nos meados do século, um suplemento cultural enfocando o movimento efervescente da cultura local (sendo conduzido pela arquiteta Lina Bo Bardi e pelo cineasta Glauber Rocha), se empenhava em divulgar o movimento Modernista no Brasil.

Através de consultas nos periódicos da época, Franco (1994, p.33) afirmou:

O Diário de Notícias preocupou-se com o teatro amador soteropolitano mais do que qualquer outro jornal consultado, provavelmente porque contava com Sylio Bocaneira Júnior entre seus colaboradores.

E a disputa entre o teatro e o cinema vai atravessar décadas e provocar o surgimento de vários cinemas, empobrecendo por completo a cena teatral que perdia espaços, adeptos e freqüentadores das artes cênicas.

Uma perda literalmente espacial e histórica foi a que sucedeu no final dos anos 20, com o incêndio do Teatro São João, provocando o lamento de alguns colunistas, como o do já citado jornalista Sylio Boccanera Júnior79, que escreveu no Diário de Notícias em junho de 1923:

O Teatro [...] não se adaptando aos novos gêneros de representação, ao cinema frio, às revistas indecorosas de última hora, sacrificou-se. Uma nova provação o aguardava neste momento, e ele era caiado despudoradamente para se acomodar a uma outra deprimente exploração. Não resistiu e ardeu esta madrugada às duas horas.

E concomitante às cinzas do São João, surgiram algumas modificações no cenário artístico baiano. A primeira, de acordo com Franco (1994), foi o nascimento de um teatro semi- profissional em Salvador, isso veio a impulsionar a classe em geral. Uma outra modificação, muito mais uma conseqüência da nossa realidade teatral da época, e que, infelizmente, ocorre até nos dias atuais, é o êxodo inevitável de atores para o eixo Rio - São Paulo, em busca de trabalho e reconhecimento, por fim, o aparecimento das chamadas declamadoras, atrizes dramáticas que recitavam, optando por fazerem “carreira solo”, substituindo os tão famosos teatros de revista da época.

Essas declamadoras foram assunto para muita polêmica entre nossos “críticos” e, se havia alguns que as criticavam com veemência, outros as defendiam, como é o caso do jornalista Coelho Neto.

É dessa década também a atuação do jornal A Noite que, muito embora não tivesse suas reportagens assinadas, atacava, com freqüência, o público por não prestigiar os espetáculos de teatro, preferindo a futilidade dos filmes ou o deboche indecoroso das revistas [...] colocando assim a Bahia na lista negra do esquecimento das boas companhias.

No entanto a cidade não parava de crescer, surgindo uma vida noturna cada vez mais exuberante na década de trinta, como a pista de dança do Palace Hotel, o cassino Antartyca e ainda o cassino Tabaris que, para o deleite dos seus freqüentadores, era menos familiar. Esse crescimento, por sua vez, era inspirado em modelos europeus, portanto, pouco preocupado com a renovação ou surgimento de um verdadeiro teatro baiano.

Era a fase também do início do cinema falado, fase que contribuiu para a criação, expansão e adaptações de cine-teatros pela cidade, satisfazendo os desejos dos espectadores que buscavam o entretenimento na sétima arte. Raro mesmo era encontrar notícias sobre a cena teatral baiana e seus respectivos atores.

Relata Franco (1994 , p.65):

Alguns periódicos – Diário da Bahia, Diário de notícias, O Imparcial – foram mais condescendentes com as artes cênicas do que outros – A Tarde e o Estado da Bahia –, publicando matérias assinadas sobre a arte cênica brasileira e estrangeira, além de notas sobre as companhias teatrais e suas temporadas.

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O marasmo teatral baiano continuou durante toda a década de 40, marasmo, talvez, justificado pela conjuntura política e econômica da época, culminando com o fim do Estado Novo e da era Vargas com sua ditadura ferrenha. Um marco cultural importante, nessa década de quarenta na Bahia, foi a montagem de Narizinho, obra de Monteiro Lobato, pelo baiano Adroaldo Ribeiro Costa, fundador da Sociedade Civil Hora da Criança, que se constituía por um grupo cênico radiofônico, sendo também o primeiro programa infantil surgido em nossa cidade, onde estrearam artisticamente diversas crianças, por aproximadamente três décadas. É, ainda nessa década que se começa a construção do Teatro Castro Alves, espaço teatral tão esperado pelos artistas e pela sociedade em geral. No Rio de Janeiro e em São Paulo, o Brasil assistia ao advento do divisor de águas do teatro brasileiro – o espetáculo Vestido de Noiva,

sob a direção de Ziembinski – na cidade do Salvador, esse divisor nos chegou através dos

comentários de Manuel Bandeira e Austregésylo de Athayde, embora Salvador fosse visitada, nesse período, por muitas companhias que aportaram80 aqui, e muitas delas, graças à subvenção do Serviço Nacional de Teatro (SNT), ligado ao Ministério da Educação.

Sobre nossos críticos, afirma Franco (1994, p.91):

Os críticos manifestaram-se pouquíssimas vezes sobre as temporadas dos visitantes, geralmente sob abreviaturas – Ribe, RM, FP, GG – sem ultrapassar opiniões impressionistas. Às vezes, fizeram ataques moralistas às companhias de revistas mais ousadas.

É na década de 50, entretanto, que o teatro volta a ocupar espaços nas colunas, a ser freqüentado pela classe média e a ser discutido pelos intelectuais. Acontece também a inauguração do Teatro Castro Alves que foi considerado, na época, a mais bem equipada casa da América Latina. Infelizmente, o tão esperado teatro, apenas dois dias depois de ter sido inaugurado, teve suas dependências destruídas por um incêndio, o que provocou muitos rumores e acusações por parte da imprensa acerca do fato, a exemplo do jornal A Tarde acusou o então Governador Antonio Balbino pelo sucedido.

80 Uma visita muito quista pela classe foi o Teatro Amadores de Pernambuco – o grupo Gente Nossa – que apresentou

Um outro fato histórico muito importante ocorrido em 1958 foi a criação da Escola de Teatro da Universidade Federal da Bahia pelo então reitor Edgar Santos e a inauguração do Teatro Santo Antônio. Assumiu a direção da escola Eros Martim Gonçalves, um dos fundadores do Tablado no Rio de Janeiro, que tinha chegado à Bahia atendendo a um convite do reitor. Complementa Leão (2003, p.115):

[...] Enfatize-se, nesse tempo compreendido entre 1956 e 1966, a presença ímpar de Martin Gonçalves, esclarecendo de antemão que o projeto de criação de uma Escola de Teatro ou mesmo do fazer teatral não pode ser o trabalho de uma única pessoa. A história da Escola de Teatro é coletiva, mas não se pode deixar de pontuar a ação desse ‘ animal de teatro’ que é Martim, pernambucano de origem. Cabe a ele assumir a responsabilidade de tornar real o plano do professor Edgar Santos.

Foi Martimn Gonçalves o responsável pela fundação da companhia cênica –A Barca – da Escola de Teatro. Essa companhia chamou a atenção dos jornalistas da época, que passaram a noticiar com mais freqüência os espetáculos da escola.

É dessa época também o surgimento de colunas assinadas por profissionais como Pinto de Carvalho, Zoroastro Figueiredo, Rubens Pery e outros, além de algumas matérias publicadas que traziam uma reflexão sobre o fazer e a linguagem teatral.

. Anos 60: A tênue presença

Já na década de sessenta, o Teatro Castro Alves novamente abriu suas portas (1967), depois do inexplicável incêndio. Outro espaço inaugurado foi o Teatro Vila Velha e sua companhia Teatro dos Novos. Além deles, que podem ser considerados os dois maiores teatros da época, aconteceu a abertura de outros espaços na cidade, como o Cruzeiro Carnavalesco Cruzeiro da Vitória (CCCU), o Teatro Oceania e o auditório da Associação Cultural Brasil –Estados Unidos, hoje Teatro ACBEU.

Era o início do começo da profissionalização do teatro baiano, manifestado pelo surgimento de mais espaços para as artes cênicas, por mais grupos de teatro que despontavam na cena baiana e, conseqüentemente, mais colunistas de teatro.

Um fato marcante é que muitos comentaristas exerciam também a função de ator ou atriz, a exemplo de Sóstrates Gentil, Jurandir Ferreira, Jorge Lindsay, Yumara Rodrigues e Helena

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Ignez que assinava com o pseudônimo de Krista81. Conforme Franco (1994), nessa época, “os textos perderam a condescendência e o improviso dos anos passados, tornando-se tão profissionais quanto o teatro implantado na cidade por Martin Gonçalves”.

O grupo emergente Teatro dos Novos, em 1961, sugeriu aos colunistas teatrais da cidade a criação de uma Associação de Críticos da Bahia, nos moldes da que já existia no Sudeste do país, o que tornaria o exercício crítico mais profissional, pois teriam o respaldo de uma associação. Foi indicado um total de 17 pessoas para formar essa associação, inclusive Adroaldo Ribeiro Costa, Zoroastro Figueredo, José Pedreira, Matilde Matos.

Além disso, havia surgido mais um jornal na cidade – o Jornal da Bahia – que, segundo Miranda (2001, p.90), era constituído por “velhos jornalistas militantes comunistas e jovens intelectuais que integraram a sua equipe e revigoraram com criatividade o jornal” e, provavelmente, tinham interesse em ampliar as atividades crítico-culturais.

Em relação aos fatos expostos, pode-se sinalizar a década de sessenta como o começo da existência da crítica teatral, propriamente dita, no cenário dos jornais baianos. Para complementar, os comentários de Franco (1994, p.140) sobre a referida década:

O exercício crítico, negado até então pela maioria dos que o praticavam, foi assumido publicamente por jovens intelectuais envolvidos com o movimento teatral, musical e cinematográfico da cidade, interligados durante algum tempo, em saudável ebulição. Glauber Rocha, Emanuel Araújo, Caetano Veloso, Carlos Falck, Geraldo Portela, Orlando Senna, Walter Weeb, João Augusto, Luís Carlos Maciel, Carlos Coqueijo, Alvinho Guimarães e muitos outros escreveram sobre cinema, teatro e música nos jornais, tempo em que fizeram ou prepararam um dos momentos mais criativos da arte brasileira neste século.

Esta saudável ebulição pode ser definida também como uma época de muita polêmica entre os artistas, os diretores e os críticos. Um bom exemplo, dentre outros, é a discórdia acirrada que aconteceu entre o então jornalista e crítico Carlos Falck do Diário de Notícias e o diretor da Escola de Teatro Martim Gonçalves, provocando, inclusive, a expulsão de Falck da Escola de Teatro e a afirmação contundente de Gonçalves de que a escola lhe pertencia.82 Carlos Falck, entretanto, foi citado como o crítico mais atuante da época, apesar da sua trágica morte ainda

81 Utilizar pseudônimos foi uma prática muito utilizada desde o séc. XIX, sobretudo no eixo Rio-São Paulo, conforme

foi apresentado no capitulo 4, sobre a história da crítica no Brasil.

82 Informação obtida a partir da dissertação de Mestrado de Raimundo Matos de Leão (2003) intitulada Uma abertura

no início da década. Ele autonomeou-se o primeiro crítico teatral da cidade, o que, para Franco (1991) podia ser considerado um excesso de vaidade.

Acontece ainda nos anos sessenta, o lançamento de duas revistas de artes cênicas – Caderno e

Repertório – que contribuíram para a prática do exercício crítico, apresentando à comunidade

baiana pontos de vista de atores, professores e teóricos de teatro como Nilda Spencer, Nelson de Araújo e Luis Carlos Maciel83.

. Anos Setenta: O começo da legitimação

Com o início dos anos setenta, prosseguiam os anos de chumbo, decorrentes da ditadura militar que assolava o país desde a década de sessenta, as pessoas clamavam por uma maneira de se expressar e de promover alguma mudança para aquela situação desconfortante.

A década foi marcada também pelo movimento da contracultura, no qual, o lema era uma revolução pessoal e intransferível, apoiado pelo dinamismo de rebeldes maduros a exemplo de Caetano Veloso, Gilberto Gil, Glauber Rocha, Leila Diniz, além de outros que promoviam reações à ditadura, através de manifestações de cunho cultural e fundamentalmente artístico, pois se dizia que a “cultura fazia política”.

Mas existia uma outra alternativa para se fazer a revolução. Uma revolução a partir da militância política, na qual o negócio era utilizar armas e virar guerrilheiro.

O momento era de escolha: “Deixar rolar ou deixar sangrar?” Razão para ser do contra tinha- se de sobra. O alvo era a ditadura com seus políticos e militares facínoras e a classe média com os medíocres seres que a compunham, impregnados de moralismo, conformismo e necessidade de segurança. Porém, a escolha era, por si só, excludente. A necessidade de liberdade de expressão, diante da repressão, foi incorporado de uma forma tão contundente nas veias da história desse período que a década de setenta traz intrinsecamente a marca indelével de gerações que viveram essa experiência.

83 Luis Carlos Maciel muito colaborou com a imprensa brasileira, em particular a baiana, com artigos, críticas

publicadas no Diário de Notícias, A Tarde. Foi diretor artístico da companhia teatral A Barca da Escola de Teatro da Universidade Federal da Bahia.

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O jornalista Jorge Lindsay 84 relatou que foi ‘convidado para fazer uma coluna diária no Jornal Diários Associados que funcionava na rua Carlos Gomes, onde hoje se encontra o Centro Cultural da Caixa Econômica. Era uma página ligada à cultura, com colunistas também de rádio e de cinema. Segundo Lindsay, a coluna tinha um espaço permanente e se a reportagem em torno do espetáculo não coubesse na coluna, a depender da importância do espetáculo, teria mais espaço.

Dentre os críticos da época, o mais ressaltado por Lindsay foi Vieira Neto, do jornal A Tarde, ‘que escrevia uma coluna de espetáculo, mas como ele era também teatrólogo e diretor de teatro, manifestava sua preferência pela crítica teatral’.

Esse crítico foi enfático também em descrever a censura e a repressão por parte do governo, ao afirmar que, naquela época era preciso ter cautela nas palavras pronunciadas ou na análise do espetáculo, era um modo de estar sempre “de olho no furacão”. Mas, segundo ele, o colega Vieira Neto não atentou para o “furacão” e montou uma peça que estrearia no Teatro Castro Alves, sendo preso no dia da estréia juntamente com o ator e jornalista Álvaro Guimarães. Para completar, Vieira perdeu o emprego no jornal.

Apesar de ter iniciado sua carreira de crítico no Diário de Notícias e ter uma coluna intitulada

Bahia Artística, Lindsay trabalhou também no Jornal da Bahia onde teve uma coluna

intitulada Tablado que saía aos sábados, dia em que circulava um suplemento cultural.

‘A função de quem escrevia era divulgar o máximo possível, porque divulgar era uma forma de estimular, colaborar, incentivar e deixar um espaço aberto, sem preconceitos.’ Vem daí seu atrito com o então amigo e crítico Cid Seixas Braga Filho que fazia críticas e provocava muitas polêmicas. Algumas até desnecessárias, segundo Lindsay, pois era preciso considerar o momento político que estavam vivendo.

Francisco Barreto é um outro colega seu, crítico que trabalhou no jornal A Tarde, e que vem nos fragmentos da memória de Lindsay, como um grande agitador cultural, tanto em Salvador como em Feira de Santana, atualmente, encontra-se recolhido no asilo D. Pedro II.