• Nenhum resultado encontrado

4 AS ÁGUAS-FORTES MADRILENHAS

4.2 Comentários sobre a tradução: a teoria na prática

4.2.3 Notas de tradução

As notas, embora constituam paratexto de utilização frequente na prática tradutória, são relativamente pouco abordados de forma sólida e sistemática pelos

teóricos dos Estudos da Tradução, como aponta Pablo Cardellino (2017:33). De fato, na bibliografia utilizada, verifica-se que Levý abordou a questão de forma incidental. O autor aponta a utilização de notas como um “mal maior” (2011:95) e preconiza, nos casos cabíveis, a inclusão de palavra explicativa no texto traduzido, evitando-se a anotação em rodapé. Tal procedimento pode ser aproximado da “clarificação” e, por conseguinte, do “alongamento” apontados como tendências por Berman, ainda que seu emprego – ou a utilização de notas –não seja preconizado pelo autor.

Por outro lado, Levý aponta que a distância temporal e espacial entre a produção do texto original e a leitura da tradução podem impor barreiras ao entendimento do texto, devendo a tradução fornecer “pistas ou sugestões” em para a facilitação da leitura nesses pontos (2001:91). Como se vê, ainda que mais adiante o autor demonstre que as notas de tradução não seriam sua opção tradutória, reconhece a necessidade, por vezes, imperativa, desse procedimento.

Berman, por seu turno, também não apresenta grandes sistematizações sobre as notas nos textos aqui adotados. Ao tratar de tradução de textos clássicos, o autor aponta que as notas e comentários são adotados, numa perspectiva fundada na filologia, como uma forma de “controle” de acesso aos clássicos (2012:161), pretensamente superior às traduções chamadas “livres” por indicarem o “sentido” e “contexto” da obra: um ponto de vista desfavorável aos paratextos nesses casos, portanto.

Paulo Henriques Britto, em A tradução literária, apresenta de passagem a problemática das notas de tradução, ao associar seu uso à necessidade de esclarecer o leitor da tradução quanto a referência que seria clara para o leitor do original (2012:70), em consonância com as ideias de Levý mencionadas acima. Ademais, o autor aponta a utilização dos paratextos como possibilidade para a redução da chamada invisibilidade do tradutor (2012:38). Nesse ponto, Britto reforça seu objetivo de predicar uma tradução ilusionista, e aponta que esses recursos não devem intervir “ostensivamente” no texto, servindo as notas para “elucidar aspectos potencialmente obscuros”.

Traduções pregressas de Arlt para o português brasileiro precisaram enfrentar a questão das notas. Ao realizar as traduções que compõem Águas-fortes Portenhas

seguidas de Águas-fortes Cariocas, Maria Paula Gurgel Ribeiro, num primeiro momento, optou por não adotar notas, buscando fluidez na leitura (2011:9). Tal opção posteriormente foi revista pela autora, para clarificar, nas crônicas, a menção de diversas personalidades da época, desconhecidas do leitor brasileiro contemporâneo, além de

ajudar a contextualizar a época e explicar referências muito específicas49.

Este trabalho, como mencionado anteriormente, se propõe a produzir uma tradução que pode ser classificada como ilusionista, nos termos propostos por Levý. Para tanto, e considerando as características intrínsecas ao texto e seu contexto de produção, a adoção de notas tornou-se incontornável e constituiu-se num poderoso artifício utilizado para familiarizar o leitor brasileiro do século XXI com personagens, localidades, fatos e referências, na maior parte das vezes, familiares para o leitor argentino dos anos 1930.

Além dessas referencias ligadas à época e cultura de partida, temos ainda aquelas relacionadas a termos técnicos empregados pelo autor e de elementos sem tradução proposta (transcritos, conforme Levý), como anteriormente comentado. Nesses casos, a opção pela nota de tradução, para além de eventualmente possilibitar acesso a informação cultural nova ao leitor da tradução, torna-se verdadeira chave de leitura, vez que nesses casos ou a palavra estrangeira está presente no texto em português, ou, mesmo que traduzida, representa elemento estranho à nossa cultura.

Tal emprego está em sintonia com o proposto por Levý, quando aponta que “sugestões” e “explicações” podem ser valiosas para o leitor para compreender alusões a fatos que seriam familiares na cultura de origem da obra, desde que não sejam arbitrárias e não avancem sobre questões que não se colocam claras também para o leitor do original (2012:94).

Por fim, tendo em vista o caráter prático deste trabalho, cabe apontar que, visando colocar o leitor da tradução em pé de igualdade com o leitor do original, e sobretudo em momentos em que Arlt percorre a cidade de Madri, nas águas-fortes iniciais, ou quando é autorreferente, tendo em vista o caráter de relato de viagem dos textos, optei por adotar notas explicativas mesmo em situações em que, em princípio, o texto traduzido não compromete a intelecção. O objetivo, assim como o das próprias águas-fortes, é aproximar o leitor da cidade percorrida e do percurso arltiano. Desse modo, não se adentra o campo da arbitrariedade advertido por Levý, mas sim se procura respeitar a vocação e objetivo último da tipologia textual trabalhada. Sobre o ponto, foi produtiva a análise das notas do editor em volume de Rayuela, de Julio Cortázar, editada por André Amorós50. Se nos textos arltianos trabalhados podemos apontar como

49 CESCO, Andrea; ABES, Gilles. Entrevista com Maria Paula Gurgel Ribeiro. Revista Nonada, Porto Alegre, nº 16, p. 131-137, 2011.

principais eixos temáticos a cidade de Madri e os fenômenos políticos pré-Guerra Civil, no romance de Cortázar são a capital francesa e uma profusão de personalidades, entre

jazzistas, boxeadores e artistas diversos que permeiam o romance e merecem a atenção e um grande número de notas pormenorizadas do editor. No prólogo, Amorós reconhece que as notas são muito abundantes e que podem assustar o leitor (2011:90). Sua proposta para tais casos é ignorá-las e saltá-las, por entender que o essencial é o texto literário. Tais notas, segundo o editor, têm caráter complementar e sua razão de ser é oferecer informação útil aos leitores que assim as entenderem. Em paralelo com tal pensamento, podemos adicionar aos objetivos já declinados, norteadores da adoção das notas ao longo dos textos trabalhados, a realização de notas sucintas, em sintonia com a tipologia textual trabalhada, e de natureza complementar, exceto nos casos de transcrição mencionados, em que tais notas adquirem maior importância por conta da impossibilidade de transposição semântica à língua portuguesa.

5 AGUAFUERTES MADRILEÑAS / ÁGUAS FORTES MADRILENHAS

Documentos relacionados