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JUSTIÇA RETRIBUTIVA JUSTIÇA RESTAURATIVA

2.3. Estudo de caso: o Projeto-Piloto de Justiça Restaurativa dos Juizados Especiais Criminais do Núcleo Bandeirante-DF

2.3.1. Notas metodológicas

Os três projetos-piloto de Justiça Restaurativa resultantes da parceria firmada entre a Secretaria de Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) foram objeto de uma pesquisa de “Sistematização e Avaliação de Experiências de Justiça Restaurativa” empreendida pelo Instituto Latino- Americano das Nações Unidas para Prevenção do Delito (Ilanud) entre 2005 e 2006. O propósito da pesquisa era descrever, de modo sistemático, o funcionamento dos projetos-piloto – dando conta de sua forma de organização e de seus fluxos procedimentais –, a fim de identificar boas práticas e eventuais pontos de estrangulamento e de oferecer, assim, subsídios para o aprimoramento dessas iniciativas. A investigação, de caráter qualitativo, conjugou diferentes técnicas, abrangendo a análise documental, a observação in loco e a realização de entrevistas semi-estruturadas.21

O presente trabalho pretende reexaminar os dados, levantados por ocasião da pesquisa realizada pelo Ilanud, relativos a um dos três projetos-piloto então avaliados. Embora a investigação do Ilanud tivesse uma ambição mais modesta, a riqueza do material colhido permite uma análise da Justiça Restaurativa que vai além de seus aspectos meramente institucionais. Serão utilizados, portanto, os dados do Ilanud como dados secundários, com o fim de examinar elementos que, por extrapolarem seus objetivos mais imediatos, não foram detalhadamente abordados na pesquisa original. As fontes correspondem a relatórios de pesquisa e a anotações e gravações de campo do Ilanud, bem como a um questionário respondido pela equipe do projeto-piloto.22

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Maiores informações sobre os resultados da pesquisa podem ser encontradas no artigo de Mariana Raupp e Juliana Benedetti (RAUPP; BENEDETTI, 2007).

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A grande vantagem do presente trabalho em relação a uma mera análise de dados secundários reside no fato de que a autora participou diretamente da coleta primária dos dados, como pesquisadora do Ilanud.

A análise consistirá em um estudo de caso do projeto-piloto de Justiça Restaurativa instalado nos dois Juizados Especiais Criminais do Núcleo Bandeirante, no Distrito Federal, e visitado pelos pesquisadores do Ilanud em novembro de 2005.23 Qualquer estudo de caso, assim como qualquer pesquisa qualitativa, levanta algumas questões de ordem metodológica. Em primeiro lugar, cabe saber o que constitui um “caso”. Um caso, grosso modo, consiste em uma unidade de análise. Ocorre que essa unidade pode ser composta, por assim dizer, por várias “subunidades” (RAGIN, 1992). Definimos, assim, nosso caso como sendo o projeto-piloto do Núcleo Bandeirante, mas ele será construído a partir de “subcasos”, isto é, por casos específicos de conflitos submetidos ao projeto, que conformarão o cerne da nossa análise.

Um outro problema a ser enfrentado diz respeito à afirmação comum de que o estudo de caso não preenche os requisitos de “replicabilidade” e de “generalizabilidade” próprios da pesquisa científica (BABBIE, 2005), já que é impossível replicá-lo em condições idênticas às do caso original e estender validamente suas conclusões à generalidade de casos. Isso não quer dizer, no entanto, que o estudo de caso seja incapaz de aportar ganhos teóricos. Embora não se possa, de fato, estabelecer relações causais genéricas, de modo taxativo, a partir de um único ou de um pequeno número de casos (LIEBERSON, 1992), existem, como aponta Dietrich Rueschemeyer, no repertório das ciências sociais, diversos estudos de caso que contribuíram de maneira significativa para a compreensão geral de determinados fenômenos sociais e que representaram, assim, consideráveis avanços científicos – como os estudos de E. P. Thompson sobre a formação da classe trabalhadora na Inglaterra, de Robert Michels sobre o Partido Social-Democrata alemão e de Theda Skocpol sobre as revoluções francesa, russa e chinesa, por exemplo (RUESCHEMEYER, 2003).

A pesquisa qualitativa se funda em um critério de plausibilidade, ou seja, traz aportes à ciência se conseguir estabelecer conexões pertinentes entre dois ou mais fenômenos (SENNETT, 1988). Assim, a plausibilidade de um estudo de caso depende, em grande medida, da escolha do caso, isto é, da relevância das reflexões que se possam formular a partir dele. Com efeito, o que faz um “bom caso”, nas ciências sociais, é a sua significância teórica (WIEWORKA, 1992).

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O uso, na presente dissertação, dos dados extraídos da pesquisa do Ilanud junto ao Projeto-Piloto de Justiça Restaurativa do Núcleo Baideirante foi autorizado tanto pelo juiz coordenador do Projeto- Piloto, quanto pelo

No presente trabalho, a eleição do caso recaiu sobre o projeto-piloto do Núcleo Bandeirante, em detrimento dos demais contemplados pela pesquisa do Ilanud, por tratar- se do único que funciona no sistema de justiça criminal de adultos. A Justiça da Infância e da Juventude apresenta uma série de particularidades que poderiam comprometer a abrangência do potencial heurístico da pesquisa, uma vez que observações relativas a esse ramo especial do Poder Judiciário não são, necessariamente, extensíveis aos sistema de justiça criminal como um todo. Dentro dos “subcasos” do nosso caso, selecionamos cinco conflitos: três, que se encontravam ainda em andamento quando da pesquisa, com o propósito de explicitar a dinâmica dos procedimentos restaurativos (um relativo a uma consulta, um relativo a um encontro preparatório e outro relativo a um encontro restaurativo), e outros dois, já concluídos no momento da pesquisa, que serão analisados em maior profundidade (um em que houve e um em que não houve acordo restaurativo). Na pesquisa do Ilanud, os três primeiros foram objeto de observação direta, ao passo que os dois últimos, por já se encontrarem terminados, foram abordados por meio do exame de processos judiciais e de entrevistas com as partes envolvidas no conflito. Consideramos que o caso e os “subcasos” escolhidos são oportunos para se pensar a relação existente entre a Justiça Restaurativa e um tipo específico de sociabilidade a que chamamos “comunidade”. Não se pretende que as conclusões obtidas sejam verificáveis na generalidade dos casos; esperamos apenas que, com o presente estudo de caso, possamos compreender melhor o sentido social do fenômeno da Justiça Restaurativa. Os três primeiros “subcasos” serão apresentados, brevemente, quando da exposição do funcionamento do projeto; os demais serão analisados, em maior minúcia, depois de algumas palavras sobre o cenário, a organização e o funcionamento do projeto-piloto, bem como sobre o que as pessoas incumbidas da sua condução entendem por Justiça Restaurativa.24