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Capítulo I – Conjunturas de fundação e atuação dos movimentos

1.3 Notas sobre o Movimento Cartista

O Movimento Cartista foi organizado como forma de resistência e de luta contra a situação a que estavam expostos amplos setores das classes trabalhadoras e atuou no âmbito da Grã-Bretanha, mais especificamente na Inglaterra. O cartismo teve grande expressividade nas décadas de 1830 e 1840 e ficou conhecido por esse nome em decorrência da Carta do Povo, documento encaminhado pelo movimento ao parlamento inglês contendo várias reivindicações políticas. Do termo Carta derivam as expressões cartismo e cartista (ABENDROTH, 2007; DOLLÉANS, 1949; FLETT, 2006; HOVELL, 1925; LINTON, 1895). O Cartismo comportava duas grandes tendências em seu interior. Havia a ala da força física e a ala da força moral, que tinham entre as principais lideranças, respectivamente, Feargus Edward O’Connor (179?-1855) e William Lovett (1800-1877). Várias das lideranças cartistas eram artesãos com alta qualificação, seja profissional, seja acadêmica.

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Engels (2008, p. 271), estabelecendo relações entre os owenistas e os cartistas, entende que estes eram “[...] de longe, os mais atrasados e menos evoluídos; mas [...] proletários autênticos, de carne e osso, e representam legitimamente o proletariado.”.

A Carta do Povo elaborada por integrantes do cartismo e encaminhada para o Parlamento apresentava seis reivindicações, quais sejam, o sufrágio universal, a não exigência de propriedade para fins eleitorais, o voto por intermédio de cédula ou escrutínio secreto, a renovação anual do Parlamento, a igualdade entre distritos eleitorais e pagamento para os membros do Parlamento.

Uma vez que os operários não respeitam a lei, mas apenas reconhecem sua força enquanto eles mesmos não dispõem da força para mudá-la, é mais que natural que avancem propostas para modificá-la, é mais que natural que, no lugar da lei burguesa, queiram instaurar uma lei proletária. A proposta do proletariado é a Carta do Povo (People’s Charter), cuja forma possui um caráter exclusivamente político e exige uma base democrática para a Câmara Alta. O cartismo é a forma condensada da oposição à burguesia. Nas associações e nas greves, a oposição mantinha-se insulada, eram operários ou grupos de operários isolados a combater burgueses isolados; nos poucos casos em que a luta se generalizava, na base dessa generalização estava o cartismo – neste, é toda a classe operária que se insurge contra a burguesia e que ataca, em primeiro lugar, seu poder político, a muralha legal com que ela se protege. (ENGELS, 2008, p. 262, grifos do autor)

Esses seis pontos, se atendidos, possibilitariam a todos os homens, indistintamente, o direito de votarem e de serem votadas, o que abriria espaço para que as classes trabalhadoras passassem a participar dos processos decisórios do Estado e, com isso, em certa medida, a decidirem sobre questões que diziam respeito e impactavam diretamente nas suas condições de vida, já que, até então, os trabalhadores estavam excluídos dos direitos políticos (DOLLÉANS, 1949; FLETT, 2006; LOVETT; COLLINS, 1840; VALADARES, 1993).

A implementação dos pontos da Carta seria indispensável para a conquista da igualdade política que, no entendimento dos cartistas, era condição principal que permitiria realizar reformas radicais nas demais instâncias sociais.

Os direitos políticos do homem são, em primeiro lugar, um direito como membro da sociedade, direito de ter a sua pessoa e seus bens garantidos, para determinar, em conjunto com seus semelhantes, como essas leis devem ser executadas e seu poder de enquadramento, em segundo lugar, para unir-se a eles na nomeção e investidura do governo, com plenos poderes para impor a obediência às leis e para obter de cada um a sua parte da despesa nacional, em terceiro lugar, o direito à liberdade de expressão, à liberdade de imprensa e de reunião pública, de modo a influenciar os seus irmãos a favor de qualquer medida que se conceba como uma melhoria nos arranjos da sociedade ou das instituições de governo. (LOVETT; COLLINS, 1840, p.77)8

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O cartismo tinha entre seus principais objetivos a conquista da igualdade de direito político entre as pessoas, com vistas à luta e à conquista de outros direitos. As alterações no sistema de representação eleitoral permitiriam, no entendimento deste Movimento, uma reforma radical da sociedade e, assim, melhorar as leis, reparar injustiças e conquistar a emancipação política das classes trabalhadoras (FLETT, 2006; HOVELL, 1925; LOVETT; COLLINS, 1840). Em última análise, o cartismo extrapola o âmbito da democracia política, pois, segundo Engels (2008, p. 263), “O cartista inglês, politicamente, é um republicano, [...] porém, um republicano puro e simples: sua democracia não se restringe apenas ao plano político.”

Entretanto, para além da Carta, o Movimento se envolvia também com questões políticas mais prementes e pontuais que, à época, também tinham sérios impactos sobre as condições de vida das classes trabalhadoras, como, por exemplo, a Lei dos Cereais, a Lei das Fábricas, a Lei dos Pobres, entre outras (ABENDROTH, 2007; ENGELS, 2008; MORTON; TATE, 1968; VALADARES, 1993).

Conforme Dal Ri (2013, p. 13)

Apesar da derrota estratégica, pois a plataforma democrática radical do cartismo não foi aprovada pelo Parlamento, o movimento conseguiu várias vitórias parciais importantes, tais como: a primeira lei de proteção ao trabalho infantil (1833); a lei de imprensa (1836); a reforma do Código Penal (1837); a Lei sobre as Minas (1842); a Lei sobre as Fábricas (1844); a regulamentação do trabalho feminino e infantil; a lei de supressão dos direitos sobre os cereais; a lei permitindo as associações políticas e a lei da jornada de trabalho de 10 horas. Além disso, foi na linha de sua tradição de luta que uma nova Lei da Reforma foi aprovada em 1867.

Se se considerar que o principal e mais citado documento deste Movimento é a denominada Carta do Povo, ainda que não haja menção explícita ao regime econômico visado, esse documento, em termos, deixa claro que o sistema de governo almejado é uma democracia na qual as pessoas, independentemente da classe social, tivessem igual direito de participação nos processos decisórios do Estado.

A organização cartista, a Associação Nacional do Reino Unido, foi proposta por Lovett e Collins (1840) e tinha entre seus objetivos congregar pessoas interessadas na promoção da melhoria social e política do povo do Reino Unido, divulgar os objetivos da Associação, conquistar novas adesões populares à Carta para conseguir a implementação de seus princípios e, com isso, franquear os direitos políticos às classes trabalhadoras, passo elementar para a consecução de uma reforma política e social (DAL RI, 2013; HOVELL, 1925).

Por negarem a educação oficial, os cartistas tinham concepção de educação própria e abriram escolas (DAL RI, 2012; 2013; ENGELS, 2008; FLETT, 2006; HOVELL, 1925).

Flett (2006, p. 101) faz um mapeamento – nome e localização – de escolas radicais em atividade em Londres no ano de 1849. Entre elas consta a de Willian Lovett, importante liderança cartista.

 The John Street Institute, Fitzroy Square (off Tottenham Court Road) WCl.

 Birkbeck School, London Mechanics' Institute, Southampton Buildings, Chancery Lane, WC2.

 Birkbeck School, City Road, Finsbury, EC I.  Ellis's Academy, George St, Euston Square, NWI.

 Stanton's Day School, City o f London Mechanics' Institute, Gould Square, Crutched Friars, EC3.

 Mutual Instruction Society, Circus St, New Road, Marylebone, NWl.  Finsbury Mutual Instruction Society, 66 I3unhill Row, ECl.

 Soho Mutual Improvement Society, 2 Little Dean St, Wl.

 Eclectic Institute, 72 Newman St, Oxford St, W I. 242 High Holborn, WCl. The National Hall under the proprietor ship of William Lovett.

Flett (2006, p. 101-102) apresenta também um mapeamento de alguns dos principais pontos de encontro de pessoas ou integrantes de movimentos que defendiam ou lutavam por mudanças políticas radicais, à época.

 Hall of Science, City Rd, ECl.

 Finsbury lnstitution, Bunhill Row, ECl.

 General Secular Reformers Society, Leather Lane, Holborn and High Holborn, WCl.

 Metropolitan lnstitute, John Street, WCl.

 South London Secular Society, Blackfriars Road, SEI.  Society of Materialists, Paddington and Marylebone, NWl.  Society of Free Inquirers, Euston, NWl.

No que se refere à educação propriamente dita, a Associação tinha por objetivo a construção de salões e de escolas em todo o Reino, em conformidade com os princípios e regulamento aprovados por seus membros. Seria propiciada uma educação que abrangesse os aspectos físicos, mentais, morais e políticos, visando a atender pessoas de diferentes faixas etárias (DAL RI, 2013; FLETT, 2006; HOVELL, 1925; LOVETT; COLLINS, 1840).

A escola infantil abrangeria pessoas dos três aos seis anos; a escola preparatória, pessoas dos seis aos nove, e a escola média, pessoas a partir dos nove anos. Além dessas, haveria ainda escolas agrícolas e industriais, para educar, instruir e apoiar crianças órfãs da Associação em ofícios úteis, e também escola para formação de professores, em conformidade com os princípios e regulamentos da Associação (DAL RI, 2013; HOVELL, 1925; LOVETT; COLLINS, 1840).

Em relação aos cartistas, foi identificada como principal influência Cartwright, já que teriam recolocado na ordem do dia a Carta do Povo. “Cartwritght exigia neste panfleto [...] [parlamentos] anuais, o sufrágio universal, o voto por escrutínio secreto, a igual representação e o pagamento a seus membros.” (MORTON; TATE, 1968, p. 14). Outras possíveis influências seriam as de Combe, Godwin, Hodgskin, Lancaster, Pestalozzi, Shelley, Smith, Southwood e Wilderspin (HOVELL, 1925; LOVETT; COLLINS, 1840).

Os cartistas tiveram importante influência entre amplos setores das classes trabalhadoras. Indicativo disso é a quantidade de assinaturas ou adesões à Carta e a outras iniciativas desse Movimento, cujas influências e repercussões abrangeram vários países de diferentes continentes (ENGELS, 2008; HOVELL, 1925; MORTON; TATE, 1968; VALADARES, 1993).