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Na configura¸c˜ao recente do capitalismo parece evidente a emergˆencia da componente simb´olica. Hoje ´e poss´ıvel concluir, com mediana clareza, que os desenvolvimentos mais recentes enfatizam uma nova aten¸c˜ao `a circula¸c˜ao da informa¸c˜ao. A desregulamenta¸c˜ao resul- tante do movimento de afirma¸c˜ao do mercado designado por “nova economia” ´e acompanhada por um olhar atento aos elementos cul- turais e simb´olicos que se tornaram sua parte integrante. Assiste-se a uma transforma¸c˜ao estrutural que se desloca da produ¸c˜ao e do consumo de massa pr´oprios do capitalismo conformista, cinzento, dos anos sessenta para uma muito maior segmenta¸c˜ao do mercado

e do consumo. Nenhuma sociedade foi t˜ao saturada de signos como aquela em que vivemos.

Sem pretender privilegiar uma vis˜ao idealista do conhecimento e da informa¸c˜ao, subestimando o papel das rela¸c˜oes capitalistas de produ¸c˜ao, propriedade e controlo, reconhece-se que haver´a lugar para uma comunicativ turn – uma viragem comunicacional – nas RPs. Por´em, esta n˜ao implica nem a busca de uma consensuali- dade ideal baseada no entendimento m´utuo, como pretendia Ha- bermas, nem com a afirma¸c˜ao de uma ordem de tipo puramente sist´emico, como pretendia Parsons. Este parece ser o caminho percorrido por Cheney e Dionispoulos quando defendem a necessi- dade da convergˆencia da sociologia das organiza¸c˜oes com a Ret´orica (Cheney e Dionispoulos, 1997:136–137). Estes autores tendem a afirmar a decisiva formula¸c˜ao simb´olica da organiza¸c˜ao e da ins- titui¸c˜ao, a qual deixa de ser monol´ıtica para ganhar os contornos de uma identidade relacional, formada atrav´es de uma interac¸c˜ao permanente com os p´ublicos. Mesmo os factores econ´omicos classi- camente referidos como “a ´ultima instˆancia” demonstram-se como estando poderosamente interligados com a produ¸c˜ao de s´ımbolos. Neste horizonte, os especialistas de comunica¸c˜ao corporativa s˜ao chamados a lembrarem-se que se encontram no neg´ocio da produ¸c˜ao simb´olica (Cheney e Dionispoulos, 1997:139). Eles, mais do que quaisquer outros na organiza¸c˜ao, dizem a numerosos p´ublicos o que a organiza¸c˜ao ´e. Eles configuram a identidade, gerem temas e lo- calizam a organiza¸c˜ao no mundo do discurso p´ublico.

Nesta dimens˜ao pluralista, em especial nas circunstˆancias pol´ıti- cas do chamado “mundo globalizado”, constata-se que a constru¸c˜ao das identidades, em coliga¸c˜ao ou em confronto umas com as outras, torna-se cada vez mais problem´atica no plano n˜ao apenas das iden- tidades culturais mas tamb´em organizacionais. Numa op¸c˜ao plura- lista que tenha consciˆencia de que a aten¸c˜ao ´e um bem escasso e que existe um conflito latente na constru¸c˜ao social do conhecimento, fala-se mais de “estrat´egias de legitima¸c˜ao” do que de um discurso da legitima¸c˜ao assente em bases morais. Estamos a ver emergir, por todo o lado e em especial nos per´ıodos em que se preparam guer- ras de grande repercuss˜ao, mais “pensamento estrat´egico” do que “discurso legitimador”. N˜ao se ter´a deslocado a velha concep¸c˜ao

militar da estrat´egia dos campos de batalha para os gabinetes de RPs? E nesse caso, qual ser´a o espa¸co poss´ıvel da ´etica?

A actua¸c˜ao das organiza¸c˜oes neste horizonte comunicacional transforma-se decisivamente. Herb Schmertz, Vice-Presidente da M´obil para as RPs afirma: h´a um di´alogo l´a fora e n´os queremos participar nele. Este di´alogo insistente ´e motivado pela busca ou pela reordena¸c˜ao de um consenso que todavia n˜ao tem motiva¸c˜oes de natureza normativa mas de natureza estrat´egica. Trata-se de uma postura que um pr´atico de RPs como Larry Jude define de militˆancia, recorrendo a um conceito grasmciano de luta pela he- gemonia simb´olica. As empresas s˜ao chamadas `a busca de enten- dimentos, `a busca de compromissos, a uma negocia¸c˜ao permanente que tem em vista a defini¸c˜ao de uma identidade relacional. Por´em, esta busca de consensos dificilmente pode ser aferida atrav´es de um horizonte normativo. ´E antes uma competi¸c˜ao na defini¸c˜ao de um posicionamento leg´ıtimo. Esta competi¸c˜ao n˜ao pode ser considera- da indiferente `a ´etica, `a responsabilidade, `a credibilidade e a uma aprecia¸c˜ao deontol´ogica. Por´em, tal n˜ao significa o compromisso com uma metanorma ideal, a n˜ao ser que se suspeite que sempre que h´a comunica¸c˜ao, a´ı est´a latente a possibilidade de um consenso ideal. Nesse sentido, retiro duas conclus˜oes:

a)concordo que as empresas e as institui¸c˜oes pretendem ter ao seu dispor recursos ret´oricos, os quais se tornam essenciais num contexto de pluralismo de valores e de dissens˜ao;

b) esta dimens˜ao ret´orica tem consequˆencias no plano da ´Etica, que se traduzem no reconhecimento de um diferendo t˜ao impor- tante como o consenso, no prolongamento desse diferendo por meios pac´ıficos e argumentativos, no reconhecimento de um princ´ıpio de insuficiˆencia da racionalidade, na acep¸c˜ao de que a verdade n˜ao ´e possu´ıda por nenhum dos participantes no debate, o qual nunca ter- minar´a com a elimina¸c˜ao do advers´ario. Por´em, n˜ao resulta daqui que a ´etica esteja obrigatoriamente impl´ıcita na interac¸c˜ao social discursiva.

Este contexto de tomada de uma profunda consciˆencia ret´orica e comunicacional traduz-se, assim, numa activ´ıssima participa¸c˜ao das

empresas e das organiza¸c˜oes na constitui¸c˜ao do discurso p´ublico, no agendamento dos temas, na transmiss˜ao constante das suas premis- sas organizacionais, dos seus pontos de vista em mat´eria t˜ao sens´ıvel como as rela¸c˜oes laborais, o ambiente, o controlo da qualidade, etc.. Numa perspectiva como esta, j´a n˜ao basta aos respons´aveis de RPs preocuparem-se, por exemplo, com o protocolo, a organiza¸c˜ao das sess˜oes solenes e o envio de Press Releases para divulga¸c˜ao de Cursos de Gradua¸c˜ao e P´os Gradua¸c˜ao, e actividades de ex- tens˜ao universit´aria. Tˆem que participar na elabora¸c˜ao do dis- curso p´ublico, recordando como ´e bom estudar na Universidade da Beira Interior (UBI), a qualidade de vida sentida pelos seus estu- dantes, o papel da UBI no desenvolvimento da regi˜ao, a obriga¸c˜ao dos poderes em colaborarem com ela. Tal implica a constitui¸c˜ao de movimentos de opini˜ao, a luta pela lideran¸ca na capacidade de agendamento p´ublico, etc.. Este novo paradigma conduz mesmo a uma supera¸c˜ao de classifica¸c˜oes e de fronteiras tradicionais, como sejam a divis˜ao entre p´ublicos internos e externos – uma distin¸c˜ao cl´assica das RPs. A realiza¸c˜ao de parcerias p´ublicas e privadas, a privatiza¸c˜ao de parte importante do sector terci´ario, a dependˆencia crescente de institui¸c˜oes p´ublicas em rela¸c˜ao a dinheiros privados, o estabelecimento de um n´umero crescente de interac¸c˜oes organi- zacionais (Cheney and Dionosopulos, 1987:144), tornam necess´ario um novo tipo de actua¸c˜ao mais dependente do relacionamento sim- b´olico com o ambiente.

Este processo tende cada vez mais a diluir as fronteiras entre a organiza¸c˜ao e o ambiente em que esta se encontra mergulhada. (Idem, 145). Nesta medida, ganha cada vez mais sentido a no¸c˜ao de ambiente simb´olico e o recurso `as mais variadas estrat´egias para analisar e projectar no exterior os interesses organizacionais.

No limite, tal processo implica muitas das vezes a necessidade de abrir espa¸co p´ublico para o lan¸camento de controv´ersias, mesmo que para tal seja necess´ario dar voz a atitudes e formas de pensar que se considerem advers´arias da organiza¸c˜ao ou do sector social, econ´omico ou organizacional que se representa. Este ´e o desafio que a ind´ustria nuclear, por exemplo, enfrentou quando lan¸cou con- trov´ersias nos EUA sem hesitar em pagar a oradores que defendiam opini˜oes contra aquela forma de energia.