• Nenhum resultado encontrado

A síntese orgânica moderna tem como um dos seus objetivos diminuir a sequência de etapas na preparação de estruturas de maior complexidade. Portanto, a aplicação de blocos de construção versáteis como os adutos de MBH-Achmatowicz se encaixam perfeitamente nesse perfil, devido a densidade de funcionalizações. Então, diante da vasta gama de possibilidades aberta por esta estratégia e pelo potencial sintético das 6-hidroxi-2H-piran-3(6H)-onas, foi desenvolvida esta parte da dissertação. Nela relatamos os resultados obtidos na avaliação e no estabelecimento das melhores condições e das limitações desta estratégia, a fim de que, futuramente, os produtos da reação de Achmatowicz sejam aplicados na síntese intermediários de produtos naturais complexos de maneira rápida e eficiente.

3.2. Objetivos

Investigar o comportamento dos adutos de MBH derivados do furfural frente às condições do rearranjo de Achmatowicz e estabelecer uma nova estratégia de acesso às 6-hidroxi-2H-piran-3(6H)-onas densamente funcionalizadas.

3.3. Resultados e Discussão

3.3.1. Preparação dos adutos de Morita-Baylis-Hillman

Iniciamos o nosso estudo preparando os adutos de MBH derivados do furfural. Assim, os aldeídos 53a-c reagiram com as olefinas ativadas 62a-k (Esquema 27), fornecendo rendimentos que variaram de 76 a 98%. Os resultados obtidos estão resumidos na Tabela 2. Para os adutos 63e e 63f, os rendimentos obtidos foram inferiores, 58% e 22%, respectivamente, e são compatíveis com aqueles descritos na literatura para o preparo desses adutos.57 O aduto 63k foi obtido em 42% de

rendimento, porém, parte do aldeído não reagido pôde ser recuperado. O cálculo do rendimento para o aduto 63k baseado no aldeído recuperado aumenta para 73%.

Tabela 1: Preparação dos adutos de MBH.

Os adutos foram preparados misturando o aldeído 53, com a base e a olefina ativada 62. Os detalhes estão descritos na parte experimental (seção 4.3.1, pg. 77). As bases de Lewis utilizadas para reação de MBH foram a DABCO; b DBU; c Imidazol. d rendimento baseado na recuperação de aldeído.

57 Aduto com acrilonitrila 63e: Aggarwal, V. K.; Emme, I.; Fulford, S. Y. J. Org. Chem. 2003, 68, 692; aduto com metilvinilcetona 63f: Park, K. S.; Kim, J.; Choo, H.; Chong, Y. Synlett, 2007, 395.

Como o aduto 63k não é conhecido, não temos base de comparação. Esta reação foi realizada usando (4-bromofenil)-2-furfural 53c (125 mg, 0,50 mmol), DABCO (0,65 eq.) como base, acrilato de metila (1,2 eq.), metanol como aditivo (0,75 eq.) em THF. A mistura reacional foi mantida em banho de ultrassom por 48 h. Embora o THF seja o melhor solvente para solubilizar este aldeído, não o faz completamente. Outros solventes foram testados, mas sem sucesso. Uma pequena porção de aldeído manteve-se insolúvel no meio reacional mesmo após algumas horas de sonicação. Provavelmente, este seja um dos motivos do baixo rendimento para obtenção do aduto 63k.

A semelhança estrutural dos adutos de MBH sintetizados leva a espectros muito similares. O espectro de RMN de 1H da molécula 63a (Figura 9) apresenta três sinais

característicos do anel furânico em 7,36 ppm, 6,31 ppm e 6,24 ppm referentes aos hidrogênios H5, H3 e H4, respectivamente; já os sinais característico de aduto de MBH

são aqueles em 6,37 ppm, 5,94 ppm e 5,57 ppm, referentes aos hidrogênios Ha, Hb e

H2, respectivamente. O sinal em 3,74 ppm com integração para 3 foi atribuído aos

hidrogênios da metila e o sinal mais alargado em 3,23 ppm é referente ao hidrogênio da hidroxila.

Figura 9: Espectro de RMN de 1H (250MHz, CDCl

3.3.2. Preparação das 6-hidroxi-2H-piran-3(6H)-onas derivadas de

adutos de Morita-Baylis-Hillman.

Após purificação cromatográfica e caracterização espectral, os adutos obtidos foram submetidos às condições do rearranjo de Achmatowicz. Dentre as várias metodologias para o rearranjo, optamos, inicialmente, por uma metodologia bastante utilizada na literatura,58,59 que emprega o NBS como oxidante em uma solução de

THF/H2O (4:1), na presença de acetato de sódio triidratado e bicarbonato de sódio.

Essa metodologia nos pareceu branda e poderia ser compatível com as funcionalidades apresentadas na estrutura dos adutos de MBH. Os resultados obtidos foram resumidos na Tabela 2.

Estes resultados mostraram que os rearranjos realizados a partir de adutos de MBH derivados de acrilatos de alquila ocorrem muito bem, com rendimentos variando de 78% a 86% (64a-d). No entanto, o mesmo não pode ser dito para os rearranjos de adutos oriundos de cetonas

α-β

-insaturadas ou acrilonitrila, pois sofrem extensa degradação após o rearranjo. Ao acompanhar estas reações por CCD, observamos que o consumo completo do material de partida em 5 minutos de reação, porém, após a realização da extração e purificação em coluna cromatográfica, ou o produto foi recuperado em quantidades muito pequenas, ou não foi possível recuperá-lo.

58 (a) Mrozowski, R. M.; Sandusky, Z. M.; Vemula, R.; Wu, B.; Zhang, Q.; Lannigan, D. A.; O’Doherty, G. A. Org. Let. 2014, 16, 5996; (b) Guo, H.; O’Doherty, G. A. J. Org. Chem. 2008, 73, 5211;(c) Haukaas, M. H.; O’Doherty, G. a. Org. Lett. 2001, 3, 3899.

59 Em muitos dos artigos de O’Doherty, é citado o primeiro trabalho a utilizar NBS como oxidante do rearranjo de Achmatowicz, porém este não utiliza NaHCO3 e AcONa.3H2O em sua metodologia: Constantinou-kokotou, V.; Couladouros, E. A.; Kokotos, G.; Georgiadis, T. M.; Georgiadis, M. P.

Tabela 2: Preparação dos derivados de 6-hidroxi-2H-piran-3(6H)-ona.

a Rendimento isolado; b Rendimento via RMN; números entre parenteses referem-se à razão diastereoméri-ca medida via RMN.

Foi observado que, após a remoção do solvente orgânico usado na extração, os produtos 64e-h estavam completamente degradados, o que talvez se deva à temperatura do banho do rota-evaporador (38 ºC). As reações para obtenção de 64f e 64h foram repetidas, extraídas e as fases orgânicas foram removidas à temperatura ambiente. Então o material recuperado das duas reações foi analisado por RMN de

1H com a adição de padrão interno60, obtendo 10% e 33% de rendimento para 64f e 64h, respectivamente. Esse resultado nos levou-nos a supor que talvez estes

produtos sejam sensíveis a temperaturas superiores a 0 ºC (temperatura em que a reação é realizada).

Os adutos 64i, 64j e 64k foram obtidos com rendimentos de 57%, 63% e 40%, respectivamente. Como apresentado no ítem 3.1. (Esquema 25), o mecanismo do rearranjo de Achmatowicz passa por uma etapa chave de abertura de anel, para formar um intermediário acíclico. Quando o carbono 5 do anel furânico não é

substituído forma-se uma carbonila de aldeído. Estes rendimentos mais baixos se devem ao fato do anel furânico apresentar uma substituição no carbono 5, dificultando a aproximação intramolecular da hidroxila à carbonila na etapa chave do rearranjo, uma vez que a formação de um centro quaternário é menos favorecida que a formação do centro terciário, assim como nos produtos 64a-d. Além disso, o fato de se tratar de uma cetona diminui a eletrofilicidade do carbono carbonílico e, consequentemente, desfavorece o ataque intramolecular.

Em nossa estratégia, não foram utilizados catalisadores assimétricos ou grupamentos indutores de quiralidade, portanto, os centros estereogênicos formados nas duas etapas são racêmicos. No entanto, observamos seletividade para um dos diastereoisômeros. As piranonas 64a-d apresentaram seletividade 2:1, a qual pode ser enriquecida em coluna cromatográfica para 3:1 ou 4:1. Embora as piranonas 64e-

h tenham degradado, foi possível observar que a diastereosseletividade mostrou-se

idêntica para os derivados 64f e 64h. Para as piranonas 64i-k observamos um aumento significativo da seletividade, sendo de 6:1 para 64i e 64j e 9:1 para 64k.

3.3.3. Caracterização e determinação da seletividade dos adutos

de MBH-Achmatowicz.

As novas moléculas sintetizadas possuem padrão estrutural muito semelhantes, fazendo com que os espectros sejam muito similares uns aos outros. Nesses espectros, todos os sinais estão duplicados por se tratar de uma mistura diastereomérica. No espectro de RMN de 1H da molécula 64a, são observados os

sinais da dupla ligação endocíclica em 6,96 ppm e 6,92 ppm na forma de dubleto de dubleto referentes ao H5, em 6,21 ppm na forma da dubleto de dubleto e em 6,17 ppm

na forma de dubleto referentes ao H4. Os sinais relativos à dupla exocíclica são o

singleto em 6,44 ppm (sinal coalescido dos isômeros majoritário e minoritário) relativo ao Hb , e os singletos em 5,99 ppm e 5,94 ppm relativos ao Ha. São observados

também os sinais dos centros assimétricos em 5,69 ppm na forma de singleto (sinal coalescido dos isômeros majoritário e minoritário) referente ao H6, e os singletos em

5,39 ppm e 4,97 ppm relativos ao H2. Em 3,84 ppm e 3,26 ppm são encontrados sinais

alargados referentes à hidroxila e em 3,77 ppm e 3,75 ppm são encontrados os sinais relativos à metila. Vemos, então, que os sinais referentes a H2 para o isômero

como acontece com os sinas de OH majoritário e minoritário. Portanto, isso mostra que H2 possui densidade eletrônica muito maior no isômero minoritário do que no

isômero majoritário e que a hidroxila possui densidade eletrônica muito maior no isômero majoritário do que no minoritário (Figura 10).

Os espectros dos produtos substituídos na posição 6 da piranona são ligeiramente diferentes daqueles não substituídos. No espectro de RMN de 1H da molécula 64i (6-

substituído) podemos observar os dubletos em 6,89 ppm e 6,81 ppm referentes ao hidrogênio H5 e em 6,03 ppm e 5,97 ppm referentes ao hidrogênio H4. Esse conjunto

de sinais foi atribuído a dupla ligação endocíclica. Observamos também ossingletos em 6,42 ppm e 6,40 ppm referentes ao hidrogênio Hb e em 5,97 ppm e 5,92 ppm

referentes ao hidrogênio Ha. Esse conjunto de sinais foi atribuído a dupla ligação

exocíclica. Os sinais referentes ao hidrogênio H2 são os singletos em 5,34 ppm e 4,91

ppm, e os sinais atribuídos ao hidrogênio do grupamento hidroxila aparecem alargados em 4,57 ppm e 3,95 ppm, mostrando o mesmo comportamento observado para moléculas não substituídas (Figura 11).

Figura 10: Espectro de RMN de 1H (500 MHz, CDCl

Figura 11: Espectro de RMN de 1H (500 MHz, CDCl

3) de 64i.

A diferença de deslocamento observada para os hidrogênios majoritário e minoritário que ocorre para H2 e OH pode ser explicado pelo efeito anomérico. Este

efeito ocorre quando o carbono adjacente ao heteroátomo estiver substituído por um grupo retirador de elétrons orientado na posição axial (ou pseudo-axial).61 Um dos

fatores responsáveis pelo efeito anomérico é o efeito de hiperconjugação que, no caso das 6-hidroxi-2H-piran-3(6H)-onas, é resultante da interação do par eletrônico não ligante do oxigênio heterocíclico com o orbital

σ

*da ligação C–O exocíclica (Figura

12). Este efeito é viável apenas quando a orbital

σ

*C–O estiver antiperiplanar em

relação ao par de elétrons não ligante, permitindo que ocorra a interação entre os orbitais

η

o do oxigênio e o

σ

*C–O.

Figura 12: Formas canônicas indicado o efeito de hiperconjugação característico do

efeito anomérico em 64i.

Outro fator que colabora para o efeito anomérico é a grande repulsão dipolo-dipolo que ocorre entre o oxigênio heterocíclico e o oxigênio da hidroxila, quando essa encontra-se na posição pseudo-equatorial (confôrmero B). A repulsão é minimizada quando a hidroxila estiver na posição pseudo-axial (confôrmero A), pois distancia os dipolos de mesma carga, estabilizando a molécula (Figura 13).

Figura 13: Efeito de dipolo em 64i.

Uma vez que o efeito anomérico é capaz de aumentar a densidade eletrônica na posição 6 via hiperconjugação, podemos afirmar que esse efeito aumenta a densidade de elétrons da ligação

σ

C–O em posição pseudo-axial, de modo a blindar a hidroxila e,

consequentemente, seu sinal apresenta-se deslocado para campos mais altos. A hiperconjugação torna o oxigênio deficiente em elétrons, o que o leva a ser uma espécie retiradora de elétrons mais forte e, desblindando a ligação

σC–H

na posição 2 por efeito indutivo. Como consequência, o sinal para o hidrogênio H2 encontra-se em

campos mais baixos. Portanto, analisando cuidadosamente o espectro das Figuras

10e 11, há indícios de que o isômero majoritário possua a hidroxila em posição axial, uma vez que o sinal do hidrogênio H2 majoritário possui maior deslocamento químico

e o sinal correspondente ao hidrogênio do grupo OH apresenta o menor deslocamento químico.

Para confirmar os indícios do espectro de RMN de 1H, foi feito um experimento de

NOE seletivo, em que foi irradiado, seletivamente, o sinal de H2 para o majoritário e,

posteriormente, o mesmo foi feito para o sinal do minoritário (Figura 14). Ao irradiar o isômero majoritário, observamos incremento no sinal do hidrogênio mais blindado da dupla exocíclica (mais próximo ao H irradiado) e no sinal da hidroxila. Isso significa que, no isômero majoritário, a hidroxila e H2 encontram-se a uma distância de até 5

Å. Deste modo, a única posição possível para estes dois grupos é a pseudo-axial (Figura 15 A). Ao irradiar o isômero minoritário, também observamos incremento no sinal do hidrogênio mais blindado da dupla exocíclica e do sinal da metila da posição 6 do anel. Por analogia ao experimento anterior, concluímos que a metila e o H2

encontram-se na posição pseudo-axial no isômero minoritário (Figura 15 B).

Figura 14: Espectro de NOE seletivo irradiando o hidrogênio da posição 2 dos isômeros de 64i: A) Majoritáio (trans) e B) Minoritário (cis).

Para racionalizar a estereosseleividade observada nessa reação (isômero trans – majoritário) devemos analisar cuidadosamente a etapa de formação de hemiacetal. Segundo o mecanismo proposto, (Esquema 24, pg. 51) a reação passa por um

A

intermediário acíclico coplanar entre suas duas carbonilas, que por meio de um ataque intramolecular da hidroxila sofre uma reação de ciclização. Se tomarmos como referência o intermediário de configuração (R), o ataque nucleofílico da hidroxila realizado pela face Re dá origem ao produto cis, enquanto que o ataque pela face Si origina o produto trans. (Esquema 27).

A seletividade do ataque parece ser dependente das interações entre os grupos substituintes dos carbonos 2 e 6 no estado de transição (ET). A aproximação menos impedida seria aquela em que o grupo R (mais volumoso) ocuparia preferencialmente a posição pseudo-equatorial, a fim de eliminar a interação 1,3 pseudo-diaxial entre R e a metila. Desta maneira, o ataque mais favorecido cineticamente seria pela face Re, em que R encontra-se pseudo-equatorial para cima, enquanto que a metila encontra- se em pseudo-axial para baixo (ET 1). O ataque pela face Si passa pelo ET 2, em que R e a metila encontram-se em pseudo-axial para cima, causando efeito estérico bastante significativo, o que torna este ET bastante desfavorecido. Os produtos formados 64i1 e 64i3 reequilibram-se para seus confôrmeros mais estáveis 64i2 e 64i4.

Embora as duas conformações sejam estabilizadas pelo efeito anomérico, o confôrmero 64i4 é mais estável do que a 64i2, porque a interação 1,3-pseudo-diaxial

OH–H é mais fraca do que OH–R.

Como as etapas de formação de hemiacetal são reversíveis (Esquema 28), os produtos cis e trans são interconversíveis entre si e, portanto, assume-se que a reação seja controlada por fatores termodinâmicos. Deste modo, embora o diastereoisômero cis seja formado mais rapidamente, esse é interconvertido para o produto trans (mais estável) que se acumula no meio reacional em maior quantidade, mostrando que esse isômero é o produto termodinâmico da reação.

Esquema 27: Ataque intramolecular da hidroxila para formação da piranona

considerando o aduto de MBH de configuração (R).

Documentos relacionados