Publicou-se, na edição de janeiro/março de 1971, na Revista de Finanças Públicas, artigo do Ministro da Fazenda da ditadura militar Médici intitulado
Experiência Nova no Brasil. Discorrendo sobre o “desenvolvimento econômico e capital externo”, afirma Delfim Netto que “um dos temais mais controvertidos do processo de desenvolvimento econômico é o do papel do capital estrangeiro que, sujeito à discussão emocional, tem rejeitado a racionalidade” (Delfim Netto, 1971, p. 03).
Advertia, de início, retomando tema já exposto pelo ideólogo das classes proprietários em outras passagens acima analisadas, que “a simples discussão do papel do capital estrangeiro pode qualificar o cidadão como entreguista” (Delfim Netto in 1971, p. 03). Porém, propõe-se o Ministro abordar em sua complexidade “o problema do capital estrangeiro no Brasil”, analisando “em que medida o poder nacional pode ser efetivamente atingido pela ação desses recursos” e “de que forma ele nos auxilia e como ele cria os impedimentos à realização do poder nacional, se é que cria” (Delfim Netto, 1971, p. 03).
Embate-se, por conseguinte, o ideólogo da autocracia burguesa bonapartista em seu ciclo hegemonizado pela linha-dura que “temos, pois, de acelerar esse desenvolvimento”, lembrando, porém, que “todas as economias são determinadas por algumas relações físicas fundamentais que não podem ser superadas por nenhum truque ideológico” (Delfim Netto, 1971, p. 03).
Desdobrando, consequentemente, sua crítica autocrático bonapartista tanto ao marxismo quanto ao liberalismo, identifica as leis de acumulação do capital com a necessidade das próprias leis da física, assinala Delfim Netto:
Não adiante, mudar de doutrina, não adianta mudar de ideologia, já que as relações físicas não podem ser superadas ideológica ou doutrinariamente: são como a lei da gravidade. Não importa se se é marxista ou liberal, se se tentar
154 voar sem atender a lei da gravidade o resultado é a queda (Delfim Netto, 1971, p. 03)
Por outro lado, entretanto, reconhece Delfim Netto que “existem relações que dependem do comportamento e que podem ser alteradas pela doutrina e pela ideologia. Aquilo que é físico, não” (Delfim Netto in 1971, p. 03).
Tornado a questão econômica uma problemática, abertamente, física – os
limites físicos das leis da acumulação do capital –, avança o ideólogo das classes proprietárias brasileiras associadas pontuando que “o que há de mais fundamental em termos econômicos é a existência de uma relação entre o que se produz e aquilo que se pode consumir, isto é, existe uma relação física entre o volume total da produção de um país e aquilo que ele pode consumir, investir e exportar” (Delfim Netto in 1971, p. 03). Eis porque, para realizar esta produção, “todo país (...) tem de importar alguma coisa”(Delfim Netto, 1971, p. 03).
Dessa forma, “o investimento é necessariamente igual à poupança mais a diferença entre as importações e as exportações” (Delfim Netto in 1971, p. 05). Afirma, ainda, que “o investimento é financiado pela poupança interna mais poupança externa” e “quando se realizam investimentos utilizando poupanças externas, está-se mantendo o mesmo nível de consumo e acelerando a economia, isto é, para uma mesma taxa de desenvolvimento econômico” (Delfim Netto, 1971, p. 05).
Daí concluir, omitindo o aprofundamento da subordinação estrutural da economia brasileira aos centros do capital monopolista, que “o recurso externo permite acelerar o volume de investimentos, mantendo o nível de consumo” (Delfim Netto, 1971, p. 06), uma vez que, sempre conforme o ideólogo oficial da autocracia burguesa bonapartista de preponderância da linha-dura, “o ‘hiato de recursos’, aquilo que é trazido do exterior, tem-se o total disponível para a economia utilizar como consumo e como investimento” (Delfim Netto in 1971, p. 08).
Destaca, em seguida, em acentuado tratamento físico do problema
econômico, que “não importa qual seja o tipo de economia, esse sistema vale independente das ideologias” (Delfim Netto in 1971, p. 11).
155 Diante disso, “para acelerar o desenvolvimento sem criar problemas é preciso projetar esse desenvolvimento” (Delfim Netto in 1971, p. 11), propondo o economista, novamente, “a construção de um modelo de desenvolvimento que é um modelo de capacidade” (Delfim Netto, 1971, p. 11) no qual “o papel dinâmico do capital estrangeiro” (Delfim Netto, 1971, p. 15) encontraria, enfim, sua vez e seu lugar. Isto porque, arremata:
Quem quiser (...) utilizar este capital externo para auxiliar o seu processo de desenvolvimento tem que estar consciente de que tem de gerar divisas correspondentes para pagar não só o efeito direto, mas o efeito indireto que ele
vai produzir (Delfim Netto, 1971, pp. 16-17)
Desse modo, na visão de mundo do ideólogo economista oficial do costismo e do medicismo como representantes da linha-dura do bonapartismo instaurado em 1º de abril de 1964, “é possível continuar a utilizar o capital externo como um auxiliar do desenvolvimento” (Delfim Netto, 1971, p. 23).
Assim sendo, “as exportações também estão crescendo muito depressa, isto é, o Brasil está fazendo dívida com a capacidade de pagar a dívida”, concluindo o então Ministro da Fazenda do general presidente Médici:
Quando se pretende estudar o problema do poder nacional em face do capital externo, tem-se que estudar o investimento direto, isto é, aquele capital que vem junto com seu proprietário, que vem junto com o ‘know-how’ exterior, que vem se aplicar internamente na economia e competir dessa maneira em condições de igualdade com as demais indústrias instaladas no país (Delfim
Netto, 1971, p. 28)
“Visto que o capital estrangeiro não é monolítico”, caracteriza Delfim Netto, já que “está dividido em nacionalidades e dentro de cada nacionalidade, em empresas que competem entre si” (Delfim Netto, 1971, p. 32), destaca o economista consciente que “dentro de cada nacionalidade o capital compete violentamente entre si. Ninguém pode supor que a Ford e Chevrolet estejam de acordo. Realmente elas estão competindo fortemente” (Delfim Netto, 1971, p. 35).
156 “Isto significa”, conclui Delfim Netto, “que não existe, no caso brasileiro, a confrontação monolítica do capital estrangeiro, que obedeça instruções externas, com o poder nacional brasileiro” (Delfim Netto, 1971, p. 35).
De forma que não há a menor possibilidade de que esse poder econômico
disperso confronte o poder nacional, no caso brasileiro. Mais do que isso, o
Brasil tem outro tipo de controle muito mais eficaz: é que todas as importações estão sujeitas ao controle da CACEX. Desta forma, não existe no Brasil a
possibilidade de uma ação monolítica do capital estrangeiro contra o poder nacional(...) porque o Governo detém, efetivamente, os créditos e os insumos
básicos (Delfim Netto, 1971, p. 36).
Dada essa suposta impossibilidade de uma ação monolítica do capital
estrangeiro contra o poder nacional, isto é, a sempre pressuposta pelas classes
proprietárias autocráticas harmonia de interesses entre capital externo e desenvolvimento nacional, afirma Delfim Netto que, “frequentemente, as pessoas que analisam esses fatos superficialmente são prisioneiros de um marxismo primário” (Delfim Netto, 1971, p. 36).
“Esse marxismo diz que quem detém o poder econômico detém o poder político”, de acordo com a leitura e visão de mundo do economista ideólogo oficial da ditadura militar bonapartista em seus anos de chumbo.
“Logo”, prossegue o autocrata, “se o capital estrangeiro puder deter uma parcela importante do poder econômico, ele vai deter o poder político. Ora, basta olhar para a realidade brasileira e ver como isso está longe” (Delfim Netto in 1971, p. 36), arrematando o apologeta do capitalismo, em aberta polêmica com o marxismo, embora igualmente rechace a solução liberal:
O Brasil é a negação mais violenta da teoria marxista. É só pensar qual é o poder econômico que detém uma parcela do poder político. É óbvio que toda a política no Brasil não está na mão do poder econômico. De forma que as objeções que se fazem ao capital estrangeiro, à utilização do capital estrangeiro, não cabem no caso brasileiro, em particular (Delfim Netto, 1971, p.
157 Sugerindo Delfim Netto a permanência da utilização do capital externo como “uma atitude inteligente” para a aceleração do desenvolvimento econômico, recomenda também ao governo que este “deve continuar a montar sistemas de controle que, sem hostilizar o capital estrangeiro, não lhe dá a menor possibilidade de confrontar o poder nacional, mas é preciso manter sua liquidez que é o trunfo para continuar no jogo” (Delfim Netto, 1971, p. 36). Isto porque, em seu ideário, “qualquer que seja a economia, centralizada ou descentralizada, ela tem de recorrer ao comércio externo para funcionar” (Delfim Netto, 1971, p. 37).
Registrando o Ministro da Fazenda que “o Governo inteiro se voltou para o comércio exterior”, abertura que “não é só o aumento da eficácia do sistema econômico vigente” mas, sobretudo, “representa a possibilidade de continuação do processo de desenvolvimento, sem crises no balanço de pagamentos e sem problemas inflacionários muito importantes” (Delfim Netto, 1971, pp. 37-38), sinaliza prospectivamente os vetores da economia política da ditadura militar bonapartista, da seguinte maneira:
Se o Brasil pretender realmente que todo esse processo de desenvolvimento
extraordinário de mobilização da sociedade brasileira, de conscientização da sociedade brasileira para seus próprios problemas persista e se quiser que possa ser feito, com inteligência, usando com cuidado os recursos externos, as exportações brasileiras têm que crescer na trajetória assinalada (Delfim
Netto, 1971, p. 37).
Assim sendo, concluindo seu discurso oficial de Ministro da Fazenda da ditadura militar, uma vez que “o Brasil tem grande deficiência de investimentos” (Delfim Netto, 1971, p. 38), o capital estrangeiro – que “no total não é nada, na globalidade é muito pouco, na margem é muito importante” (Delfim Netto, 1971, p. 39) – não encontra razões para deixar de ser utilizado pelos gestores do capital
atrófico-associado, desse modo se “investindo mais no homem brasileiro” (Delfim Netto, 1971, p. 40), de acordo com a visão de mundo do economista Antônio Delfim Netto.
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