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A nova realidade alegórica das cidades

No documento Dissertação Diana Rosa RECIL (páginas 54-56)

O urbanismo é em grande parte produto da industrialização. Inicialmente, destaca- se com Haussman e posteriormente com Le Corbusier. A cidade, que na era pré- industrial era vista como o lugar que correspondia a todo o tipo de necessidades e que dava resposta a tudo na vida das várias camadas sociais, deixou de o ser aquando o início da massificação em torno da mesma, no caso das áreas suburbanas. O objectivo de todos estes fenómeno urbanístico era a satisfação social. Mas há cerca de três décadas atrás, devido a factores alegadamente decisivos na sociedade, como as preocupações ambientais, os valores patrimoniais, o abandono do espaço público e a distinção social, leva a uma nova atitude de planeamento, sendo esta em grande parte baseada na requalificação e revitalização de elementos e lugares históricos e tradicionais constituintes das cidades, pondo de parte as estratégias utilizadas até então, que visavam a criação de novos espaços.

Gera-se uma filosofia nova em relação à valorização da cidade, e á coesão social, que consiste em projectar e planear a cidade em função daquilo que ela já possui, e da sua génese, em vez de planea-la a partir do vazio, que seria como se não existisse identidade, nem valores patrimoniais, nem cultura. A partir daqui surgem expressões bastante utilizadas no planeamento urbano como ‘planeamento estratégico’, ‘planeamento sustentável’, ‘espaço público’, ‘cultura urbana’, entre outros.

É um processo que devolve a multiplicidade de usos ao espaço urbano, tal como se assistia há muitas décadas ou séculos atrás. Esta multiplicidade, fomenta a apropriação dos espaços e a proximidade social e cultural. Deste modo, a operação de requalificação consiste na tentativa de devolver a identidade que caracteriza a génese do lugar, juntamente com novos valores e actividades sociais.

Neste processo, é clara a renitência no que diz respeito à fomentação de novos espaços e ao urbanismo moderno, visto que este não contempla esta multiplicidade de tarefas e de resposta à vida quotidiana, integrando-se apenas numa política sedentária de actividades

.

O centro histórico reabilitado surge como um novo espaço passível de criar significados sociais, atribuindo à imagem um elemento fundador de novas

sociabilidades. Metaforicamente, os centros históricos apresentam-se assim, como uma obra de arte, contrastante com a restante cidade que os envolve, pela qualidade urbanística do espaço público, pela recuperação de fachadas, pela proximidade cultural e social, e pela qualidade de vida subjacente a estes lugares.

No entanto, existe outro ponto de vista no que diz respeito a este processo, que consiste no facto de estes métodos de desenvolvimento e revitalização dos centros históricos muitas vezes acabaram por funcionar numa espécie de repetição, levando a que esses lugares cada vez mais se assemelhem uns com os outros. De facto, quando existe um lugar em que uma estratégia ou um método de desenvolvimento, resulta em algo positivo, o mesmo facilmente é transportado e replicado, noutros

lugares. Este fenómeno é habitualmente denominado por “benchmarkting urbano”20. A

busca por um lugar com notoriedade, dinâmico, vivido, com equipamentos e com interessantes elementos arquitectónicos, urbanísticos, fundamentam o objectivo de afirmação das cidades, garantindo-lhes vantagens no âmbito turístico e social, e que garantem de certa forma, um reforço da identidade. O resultado observado destas práticas nos últimos anos, principalmente no que diz respeito ao continente europeu, é um aumento exponencial de cidades históricas que competem entre si dentro do mesmo mercado turístico.

Deste modo, tendo em consideração o interesse da qualidade cultural das cidades, podemos observar com alguma frequência, paisagens urbanas dissonantes. Além de que os avanços nos métodos urbanísticos representam frequentemente projectos que transformam os centros históricos em lugares onde, de forma encenada, se transforma a vida quotidiana, num evento comemorativo. Este cenário dissonante, adicionado à falta de credibilidade que as pessoas têm no que diz respeito a uma reabilitação urbana que defende que regenerar cafés, largos, praças, ruas, teatros reconquistará de imediato a esfera pública, faz-nos pensar na função do urbanismo na fomentação de uma cidade sustentável.

Tendencialmente, as preocupações e o desenho urbano contemporâneo das cidades apostam em lugares e elementos que possam ter um carácter turístico, tais como ruas exclusivamente pedonais, ciclovias, frentes ribeirinhas com espaços de comércio e lazer, entre outras intervenções semelhantes.

Pode-se concluir que esta propensão para este tipo de desenho urbano, deriva dos parâmetros da economia urbana contemporânea, e são indicativas da mutação das cidades. São elementos que vêm substituir os simbolos clássicos que nos revelam o

20

A designação de benchmarkting ganhou relevância nas duas últimas décadas do século XX. A sua propagação deve-se essencialmente a experiências concretizadas por empresas americanas, sendo utilizada como um utensílio de gestão. Originalmente, o benchmarkting constitui uma atitude comparativa com entidades que concorrem no mesmo sector. É a procura dos melhores métodos praticados na indústria e que levam a um desempenho superior. É denominado como um processo favorável e pró-activo , através do qual uma empresa analisa como outra semelhante desenvolve uma função em particular, com o objectivo de realizar a mesma função.

carácter presente e futuro das cidades, como torres de igrejas ou outros elementos de edifícios de organizações institucionais, chaminés de fábricas, e por aí adiante, que em tempos eram símbolo da economia daquela época. Os modelos económicos conduzidos pelas cidades muito influenciam o desenho urbano e a apropriação das cidades.

O facto da actual economia urbana ter preocupações fundamentais com a actractividade das cidades ao turismo, fez com que surgisse uma nova procura pela actualização daquilo que eram (e são) considerados os não-lugares, ou os vazios urbanos, e tentar entregar-lhes funcionalidade e vivacidade, para que deixem de constituir espaços urbanos mortos.

Deste modo, caminhamos para uma patrimonialização do espaço, com novas dinâmicas económicas e culturais.

Não esquecer que muitas vezes, como já foi referido anteriormente nesta investigação, neste embelezamento do território urbano, e dos centros históricos, recorre-se à prática do fachadismo, que revela uma despreocupação com a identidade interior dos edifícios e das suas funções originais e no papel que estes tiveram na conformação da identidade da cidade. O valor arquitectónico patrimonial é, portanto, recuperado somente a nível exterior. Ao mesmo tempo, se observarmos a cidade como um todo, constatamos que as paisagens urbanas são dissonantes e leva-nos a levantar questões acerca da conservação cultural e social e da sustentabilidade urbana das cidades actuais.

No documento Dissertação Diana Rosa RECIL (páginas 54-56)

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