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A primeira leitura de caráter étimo do termo “telenovela” designa o meio televisivo como espaço de apreensão do gênero literário “novela”, assim como ocorre com o rádio e a “radionovela”. Há um estigma que tenta apartar essas formas narrativas ao propor apenas a indicação da palavra pelo sentido literal desprendido: o emaranhado de fios que se desenrolam com o passar do tempo.

De acordo com Moisés (2013), a novela é uma elaboração artística de difícil definição, englobando diferentes tipos: novela de cavalaria, sentimental, romântica e picaresca. De todo modo, o autor inclui os textos seriados emitidos pela radiodifusão como sua variação,

definindo-a: “essencialmente multívoca, polivalente, ostenta pluralidade dramática. Constitui- se de uma série de unidades ou células dramáticas encadeadas” (MOISES, 2013, p.331). Esse arranjo tecido pelas linhas de história é o que caracteriza sua narrativa. Para Moisés (2013, p.332), “a novela forma-se, portanto, da agregação de unidades dramáticas permanentemente abertas”, centrada na ação, no diálogo e no tempo presente, com numerosas personagens e espaços, sob uma estrutura sinusoidal e episódica. Este trabalho considera a novela como gênero primário da telenovela e da radionovela.

O serviço de radiodifusão permite a transferência de som e som com imagem por meio de ondas eletromagnéticas, em espacialidade, temporalidade, modulação, faixa de irradiação e comprimento de onda determinado conforme o decreto número 52.795, publicado em 31 de outubro de 1963. Os sinais emitidos são captados pela antena e convertidos pelo aparelho de recepção. Acessa-se, dessa forma, o fluxo de transmissão com os conteúdos integrados. A relação primordial entre rádio e a televisão provém desse mecanismo de difusão direto. Pioneiro, o rádio explora as potencialidades das matrizes sonora e verbal no texto. A televisão, como seu sucessor, apropria-se dos gêneros radiofônicos, expandindo-os ao dar concretude à visualidade. Há, também, as inspirações citadas: campo literário, jornalístico e dramatúrgico.

Embora se modifique o produto da veiculação, a emissão radiofônica em si é ininterrupta, conquistada pela evolução tecnológica e incorporação da serialização23 em seus

processos. Nos anos de 1950, as transmissões televisivas no Brasil eram alocadas em períodos limitados, sem variedade de produção e com veiculação variável. A película fotoquímica era alternativa para constituir registros com alto custo. Consequentemente, a implementação do videotape na década seguinte, flexibiliza e diminui os custos. Com a mídia de armazenamento, acentuaram-se as interrupções na linguagem. A concorrência com outras emissoras, o surgimento do controle remoto e emergência da televisão por assinatura também contribuíram para a sua intensificação.

O gerenciamento da fluidez caracteriza a radiodifusão. De acordo com Williams (2005, p.79), o “fenômeno, do fluxo planejado é, talvez, a característica definidora da radiodifusão, simultaneamente, como tecnologia e como forma cultural”. A organização de programas sob a égide da sequencialidade atinge não só a elaboração de conteúdos, mas a própria experiência. Neste contexto, a grade horária de programação emerge na TV Excelsior no início da década de 1960, objetivando agendar os eventos a serem exibidos. A partir do comportamento e do

23 Ao resgatar a origem da serialização televisiva, Machado (2001) atribui aos nickelodeons, filmes seriados de

tipo de público no horário, é definida a sucessão de gêneros a serem veiculados durante o dia e ao longo da semana. Esse planejamento permitiu estruturar as interrupções, consolidar o espaço publicitário e fundar o principal modelo de negócio da radiodifusão: a venda de espaços para anúncios.

A difusão radiofônica pressupõe a modulação do conteúdo com suspensões de emissão. Criam-se chamamentos que incitam a manutenção do interesse pela continuação do programa: os ganchos. De acordo com Machado (2001, p.83), “chamamos de serialidade essa apresentação descontínua e fragmentada do sintagma televisual”. Embora os produtos sejam descontínuos, a transmissão é contínua, unidirecional, regular e temporal. Ele propõe o tipo de enunciado que atende estas necessidades.

Um produto adequado aos modelos correntes de difusão não pode assumir uma forma linear, progressiva, com efeitos de continuidade rigidamente amarrados como no cinema, senão o telespectador perderá o fio da meada cada vez que a sua atenção se desviar da tela pequena. A televisão logra melhores resultados quanto mais a sua programação for do tipo recorrente, circular, reiterando ideias e sensações a cada novo plano, ou então quando ela assume a dispersão, organizando a mensagem em painéis fragmentados e híbridos, como na técnica da collage. (MACHADO, 2001, p.87)

As projeções cinematográficas ocorrem em salas com alta qualidade técnica, enquanto a recepção televisiva ocorre numa variedade de aparelhos de tamanhos diversos. Significar a imagem pode ser um problema. Assim, o cinema potencializa a visualidade e a televisão, a sonoridade. Os conteúdos televisivos são, ainda, construídos considerando sua longa extensão pelo tempo, em contraponto a obras finalizadas e limitadas ao intervalo de exibição na sessão do cinema: a unicidade e o condensamento contrapõem-se à diversidade, à multiplicidade, à expansão e ao fracionamento.

Quadro 1: Estrutura das produções audiovisuais na televisão e no cinema Cinema Televisão Comercial Doméstico Linearidade Circularidade Progressividade Reiteratividade Continuidade Descontinuidade Ascendência Sinusoidalidade Objetividade e/ou Subjetividade Objetividade Visualidade Sonoridade Unicidade e Condensamento Diversidade, Multiplicidade e Serialidade

Ao final desta mirada sobre os gêneros primários, sobressaem os seguintes atributos no enunciado de telenovela, com variações de acordo com a produção:

Do arcabouço dramático: a cena como unidade da ação, o discurso direto, o quadro vivo; o golpe teatral; o aparte; o maniqueísmo; a planificação da personagem e a definição de papéis narrativos,

Das elaborações folhetinescas: a sinusoidalidade na história e a construção da obra no decorrer da sua publicação;

Do cinema: o registro da cena com a produção de sentido por meio da articulação de recursos audíveis, visuais e verbais.

Do arsenal radiofônico: recepção em blocos por meio da grade horária de programação, com vinculação através de ganchos e manifestação da iteração no texto veiculado.

Do teatro melodramático, passando pelos rodapés dos jornais franceses e chegando às ondas da radiodifusão, originou-se o caudaloso substrato narrativo. Moldado como telenovela, adentra-se a era da sua disponibilização em dispositivos tecnológicos.