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3. O AEROPORTO ENQUANTO MEDIADOR

3.3 O NOVO AEROPORTO DE LISBOA: ALENQUER UM TERRITÓRIO EXPECTANTE

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Ao longo desta dissertação, percebemos que o Aeroporto é uma mega-estrutura cuja presença no território tem implicações nas múltiplas escalas (local, regional, nacional e global) e dimensões (cultural, económica, política, social e técnica) do espectro territorial. E por esta razão, como demonstrado no subcapítulo anterior, o processo de deliberação da instalação destes equipamentos é extremamente complexo e controverso, no sentido em que implica um modo de pensar o território que ultrapassa os instrumentos que normalmente são utilizados para a sua gestão e ordenamento. O caso do Novo Aeroporto de Lisboa (NAL) é um exemplo claro desta constatação.

Segundo Mário Lopes do Instituto Superior Técnico (2007: p.7):

“A decisão de escolher a Ota, tomada em 1999, foi justificada apenas com base no “primado dos valores ambientais, tendo o autor do despacho reconhecido que Rio Frio era melhor segundo todos os outros critérios, como aliás é público. Ou seja, o factor ambiental foi considerado mais importante do que o conjunto dos restantes.

Mesmo face a este critério, politicamente muito discutível pois relega para segundo plano o desenvolvimento económico do país, a decisão foi mal fundamentada e errada pelas seguintes razões:

-Baseia-se em Estudos Prévios de Impacte Ambiental que segundo a Comissão nomeada para dar um parecer sobre os mesmos são insuficientes para a tomada de decisão. Esta falta de fundamentação também se reflectiu na contestação técnica às conclusões desses estudos.

-Esses estudos além da fundamentação deficiente foram incompletos no seu âmbito: não analisaram a globalidade do problema, pois foram conduzidos numa óptica de curto prazo não considerando explicitamente o impacto ambiental da construção de outro aeroporto a curto ou médio prazo para substituir ou complementar a Ota quando esta saturar.”

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disponível, Rio Frio seria uma opção mais viável do que a Ota, até porque as previsões de tráfego ditavam a saturação do aeroporto da Ota em 2039 e, portanto, teria um período de exploração de apenas 23 anos. (Lopes,2007: p.13)

Desta forma, é curioso, como uma decisão que assenta sobre pressupostos errados, estagna uma área tão extensa como se pode verificar no Decreto nº 31-A/99 no qual é estabelecido um conjunto de medidas preventivas que pretendem assegurar que não sejam alteradas as formas de ocupação, uso e transformação do solo de forma a não comprometer a execução do aeroporto da Ota. Assim sendo, mesmo não tendo sido realizado, o aeroporto da Ota foi, durante 8 anos (1999-2007), uma realidade para o concelho de Alenquer, e devido à abrangência do impacto de uma estrutura como um aeroporto, todos os concelhos envolventes foram directamente implicados.

Esta questão torna-se evidente quando analisamos o Programa de Acção do Oeste, aprovado na Resolução do Conselho de Ministros nº 135/2008, que é desenvolvido para compensar esta região pelas oportunidades perdidas durante este período. Como se pode ler no documento[5]( p.4,2008):

“A motivação principal para a sua definição e implementação é a de promover um efectivo encontro entre as políticas de ordenamento do território, de desenvolvimento regional e de mobilidade e transportes, garantido uma coerência e racionalidade para as decisões e projectos estruturantes,

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susceptível de contribuir para o aumento da competitividade e da coesão deste território e, desse modo, assegurar quer a recuperação do “tempo perdido”, quer, sobretudo, a optimização do acesso aos efeitos e benefícios gerados pelo projecto do NAL, na sua nova localização na área do Campo de Tiro de Alcochete.”

Neste sentido a expectativa gerada em torno do aeroporto da Ota produziu um ambiente de cooperação, entre os municípios do Oeste (Alcobaça, Alenquer, Arruda dos Vinhos, Bombarral, Cadaval, Caldas da Rainha, Lourinhã, Nazaré, Óbidos, Peniche, Sobral de Monte Agraço e Torres Vedras), quatro municípios da Lezíria do Tejo (Azambuja, Cartaxo, Rio Maior e Santarém), o poder central e a iniciativa privada, que promove um olhar sobre o território numa perspectiva mais alargada. A RTP escreve, a 9 de Setembro de 2008[6]:

“O Governo assina quarta-feira um acordo de cooperação com 16 autarcas do Oeste e da Lezíria do Tejo para a realização de 120 projectos até 2017, como forma de minimizar os “prejuízos” pelo abandono do aeroporto da Ota.”

Em 2010, com o agravar da crise de sobreendividamento do estado português, foi estabelecido no Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC), nas sucessivas versões aprovadas pela Assembleia da República e em concordância com as directrizes europeias, que era necessária uma redução do investimento público, inclusive em compromissos previamente estabelecidos. Tal como se pode ler

6 [Consult. 25 Ago. 2017] Disponível em https://www.rtp.pt/noticias/economia/governo-apresenta-quarta-feira-programa-com-120-pro- jectos-para-regiao_n96637#

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num documento apresentado pelo Bloco de Esquerda no parlamento[7] relativo ao estado de execução do Programa de Acção do Oeste:

“Em sequência, foram identificados dezenas de projectos de investimento nas mais diferentes áreas e territórios da região do Oeste, os quais, tratando-se em geral de projectos estruturantes para a região, não deveriam ter sido sujeitos a uma revisão de perspectivas e de grau de execução tão radical como a que se anuncia ter existido. De facto, na situação actual, existe na região uma desilusão enorme relativamente às reais potencialidades e promessas inscritas no Programa de Acção 2008-2017 face às sucessivas revisões que o Governo, de forma perfeitamente unilateral, se prepara para anunciar ou mesmo já anunciou, relativamente aos inúmeros projectos que terão sido, pura e simplesmente, anulados ou adiados sine die.” (BE; 2010)

Assim esta região fica mais uma vez na expectativa da (in)decisão política. O concelho de Alenquer, onde se foca a vertente prática do Projecto Final de Arquitectura, é um caso paradigmático desta condição que, de uma forma ou de outra, afecta a clareza das estratégias adoptadas para a gestão e ordenamento do território nacional. Aqui são visíveis as marcas deixadas por investimentos e projectos de urbanização que ficaram por completar devido à alteração dos pressupostos que lhes serviam de base.

Na vila de Alenquer, esta condição está particularmente presente quando a execução do projecto de urbanização da Quinta do Brandão – Urbanização Nova de Alenquer, cuja consulta das licenças de utilização presentes na Câmara Municipal de Alenquer nos permite situá-la entre 1997 e 1998, em plena deliberação do aeroporto entre Ota e Rio Frio, nunca chegou a ser concluída ficando apenas os

7 [Consult. 25 Ago. 2017] Disponível em http://app.parlamento.pt/webutils/docs/doc.pdf?path=6148523063446f764c3246795a5868774d- 546f334e7a67774c336470626e4a6c635639775a584a6e6457353059584d7657456b76634763304f4459794c5868704c5445756347526d&- fich=pg4862-xi-1.pdf&Inline=true

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Assim torna-se interessante perceber que apenas a enunciação de um aeroporto, que nunca chegou a existir, é o suficiente para a materialização de inúmeras acções sobre um território que lhe conferem a sua imageabilidade e legibilidade.[8] Desta forma, voltando à ideia de Leonardo Benevolo, citado supra, o território entregue à iniciativa privada encontra a sua organização na forma como o espaço reservado à administração pública se desenvolve, e quando esta oscila, como vemos no caso do NAL, o resultado é a indefinição formal de um território, determinada pela expectativa de um rendimento que nunca se confirmou. Tal como Aldo Rossi escreve no seu livro A Arquitectura da Cidade relativamente a esta relação público e privado na construção da cidade em 1966 (2016: p.29):

“Esta divisão está intimamente ligada com a arquitectura da cidade, porque esta arquitectura é parte integrante do homem; é a sua construção. A arquitectura é a cena fixa das vicissitudes do homem; carregada de sentimentos de gerações, de acontecimentos públicos, de tragédias privadas, de factos novos e antigos. O elemento colectivo e o privado, sociedade e indivíduo, contrapõem-se e confundem-se na cidade, que é feita de tantos pequenos seres que procuram uma organização e, juntamente com esta, um pequeno ambiente para si mais apropriado ao ambiente geral.”

A partir deste exemplo, que é o mais evidente na Vila de Alenquer, podemos concluir que toda a instabilidade da decisão política relativa à construção do Novo Aeroporto de Lisboa: primeiro pelo investimento na urbanização decorrente da possibilidade do aeroporto e valorização imediata dos

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terrenos adquiridos e urbanizados. E segundo pelas medidas preventivas que abrangeram 40% do território de Alenquer decorrentes da decisão em 1999; teve um impacto significativo na organização deste território, e podemos afirmar que Alenquer como hoje se apresenta é o produto da expectativa do Aeroporto.

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O aeroporto ocupa um lugar central na imaginação e efectivação de uma sociedade globalizada. Para além da sua importância estrutural na aproximação de territórios e pessoas, o aeroporto insinua-se como uma das portas de entrada para aquele que é o território que medeia os fluxos da globalização: a cidade. O aeroporto e a cidade foram constituindo as suas fisionomias de forma interdependente e é essa dinâmica que se pretendeu ver discutida na presente dissertação. O desenvolvimento do aeroporto e da aviação, com todas as inovações tecnológicas e socio-culturais que acarretou, foi determinante no século XX, período durante o qual assistimos à sua inscrição no ambiente quotidiano e à sua maturação enquanto tipologia arquitectónica.

Existem dois momentos de charneira que permitem entender a forma como a mobilidade, e logo o aeroporto, concorrem para a forma de pensar e fazer cidade. Em primeiro lugar, destacam-se as condições criadas pela revolução industrial que levaram a que o espaço urbanizado se estabelecesse num regime que altera as necessidades e modos de vida das populações, sendo que uma das mais importantes é a necessidade real, e algumas vezes artificial, de mobilidade intra e intercidades. E em segundo lugar, os desenvolvimentos tecnológicos, em particular do terceiro quarto do século XX, reduziram as distâncias e ampliaram as condições e vontades de mobilidade à escala do globo, que, se sempre existiu, nunca antes esteve tão presente nas vidas da grande maioria da população. Portanto, a mobilidade, a sua vontade e necessidade, é uma das mais importantes características da urbanidade contemporânea.

A cidade contemporânea desenvolve-se, assim, sobre os sistemas que servem de base ao fenómeno de globalização e este pode ser caracterizado, em sentido lato, como a circulação cada vez mais rápida

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do concelho de Alenquer.

Mesmo sem um aeroporto, este concelho foi condicionado pela ideia e (in)decisão política de aí se construir o Novo Aeroporto de Lisboa. Todo este processo moroso de reimaginação de território e de construção urbana, transformou Alenquer num território expectante que deve agora ser alvo de uma atenção redobrada no modo como a arquitectura e programas arquitectónicos aí devem intervir. Esta dissertação assume-se assim como ponto de partida para que todas as questões colocadas ao longo do documento possam vir a ser discutidas em futuras investigações. Do mesmo modo, foram estas questões que desenharam o caminho para o desenvolvimento da vertente prática do projecto final de arquitectura que se quis responsável e conhecedora da história recente deste território. A estratégia de grupo que se formulou, assim como o projecto individual – transformar a Antiga Albergaria do Espírito Santo num espaço de residências e divulgação artística – pretendem ser um momento de reflexão para uma arquitectura responsável e inclusiva das múltiplas dimensões que constroem a cidade contemporânea.

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