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teorias contemporâneas de administração pública, largamente aplicada em diversos países.

Denhardt e Denhardt (2003) apresentam dois movimentos anteriores que, de certa forma, contribuíram para o desenvolvimento do novo serviço público. De acordo com os autores, o primeiro movimento,

Old Public Administration (Antiga administração pública), teve início em

meados de 1900, com os estudos de Woodrow Wilson. Wilson acreditava que a administração pública deveria buscar, em primeiro lugar, a eficiência, e que tal eficiência só poderia ser alcançada se o governo fosse regido como uma organização privada (de acordo com os modelos da época). Com esse direcionamento, a Old Public Administration tem como principal característica, um modelo em que indivíduos eleitos formam um grupo que representa os interesses da população; tal grupo define quais são os interesses públicos, elabora políticas para a população e as leis que devem ser cumpridas para garantir a ordem e o bem estar público (DENHARDT; DENHARDT, 2003).

A visão crítica na obra de Arendt (2004) e de Ramos (1989), em relação à concepção do governo (que lida com interesses públicos) como uma organização de mercado (que é marcado por trocas que visam à satisfação de interesses privados), serve de base para a compreensão dos valores arraigados no novo serviço público. Arendt (2004), por exemplo, apresenta o modelo de sociedade predominante na antiguidade grega, de forma a resgatar a condição humana. Segundo a autora, na polis grega, existia uma forte distinção entre a esfera pública, caracterizada por aquilo que é comum aos cidadãos, e a esfera privada, caracterizada pelo que é próprio ao domínio da casa. Assim, enquanto a esfera privada diz respeito ao âmbito da casa, da família, num ambiente de alta hierarquia em que o homem, chefe da família, exercia o poder sobre os seus subordinados (mulher, filhos e escravos), a pública diz respeito às atividades comuns na vida política.

Na esfera pública, os cidadãos exerciam a sua vida política participando nos assuntos da polis. No entanto, para participar dela, era necessário vencer as necessidades da vida privada. Uma vez vencidas tais necessidades, o homem que participasse da vida pública era considerado livre e igual aos seus semelhantes (ARENDT, 2004). Para a autora, a extinção da diferença entre as esferas privada e pública, assim como a transferência das preocupações privadas para a política e a valorização da esfera privada como fenômeno social, são resultados de um sistema em

que a riqueza, que antes era limitada à propriedade privada, transforma-se na acumulação de capital e o privado passa a ter supremacia, invadindo o domínio político (ARENDT, 2004).

Ramos (1984), em sua obra, escreve sobre a apropriação do político pelo privado, criticando o modelo que concebe a sociedade como mercado e que baseia todas as atividades da sociedade no sistema de trocas. Assim, o indivíduo, na sociedade de mercado, é observado como um ser que apenas reage aos estímulos recebidos e pauta seu comportamento na busca da realização dos interesses próprios.

Idealizar o homem como ser multidimensional implica admitir que ele também é dotado de uma natureza política, capaz de refletir sobre a realidade a sua volta, capaz de ser livre e de se ver como um “igual” (RAMOS, 1984). Com essa compreensão, Ramos (1989) desenvolveu a teoria da delimitação dos sistemas sociais, que, de certa forma e resguardadas as diferenças de contexto, distingue novamente as esferas pública e privada, delimitando o mercado como um enclave dentro da sociedade. Nessa perspectiva, Ramos (1989) e Arendt (2004) mostram que conceber o governo dentro dos padrões de mercado resulta numa distorção da esfera pública, com a sobreposição de interesses privados aos interesses públicos, o que não somente reduz a apreciação do homem a um ser unidimensional, como também deturpa toda a significação contida no exercício da liberdade e da expressão na construção do bem comum. A concepção do homem como ser capaz de refletir e de construir o bem comum coletivamente – tendo em vista sua natureza – e essa construção do bem comum como forma genuína de democracia é a ideia contida no modelo do novo serviço público. De acordo com esse modelo, o governo assume o papel de servir aos cidadãos, atuando como um mediador entre cidadãos e grupos comunitários, fomentando a criação de valores compartilhados. Para que isso seja possível, o governo deve possibilitar e criar oportunidades de diálogo, em que cidadãos e grupos comunitários possam ser ouvidos e possam contribuir para a construção das políticas públicas. Não somente o papel do governo se altera, como também o do administrador público. Para Denhardt e Denhardt (2003), o papel do administrador nesse contexto é o de engajar o cidadão no processo de participação. Para isso, faz-se necessário educar os cidadãos sobre a importância da democracia participativa.

O novo serviço público caracteriza-se por uma estrutura colaborativa, com lideranças compartilhadas e com o envolvimento colaborativo entre órgãos públicos, privados, organizações sem fins lucrativos e comunidade, visando ao estabelecimento de acordos

(DENHARDT; DENHARDT, 2003). Outro fator importante do modelo diz respeito à accountability, que, no cenário do novo serviço público, apresenta-se entre os coprodutores do bem comum, ou seja, órgãos públicos, privados, organizações sem fins lucrativos e comunidade são corresponsáveis pelas ações que praticam em conjunto e, dessa maneira, maiores serão as possibilidades de a ação alcançar um resultado positivo (ROBERTS, 2004).

Apresentamos a seguir, um quadro comparativo entre os modelos de administração pública, antiga administração pública, nova gestão pública e novo serviço público, que é apresentado por Denhardt e Denhardt (2003, p. 28).

Quadro 1 - Comparação de perspectivas: antiga administração pública, nova gestão pública e novo serviço público Antiga Administração

Pública Nova Gestão Pública Novo Serviço Público Princípios teóricos e

epistemológicos Teoria política e social intensificada por ciência social ingênua.

Teoria Econômica. Diálogo mais sofisticado, baseado na ciência social positivista.

Teoria Democrática com várias linhas de conhecimento, incluindo positivista, interpretativa e pensamento crítico. Racionalidade predominante e modelos de comportamento humano Modelo de racionalidade restrito ao “homem administrativo”.

Racionalidade técnica e econômica, caracterizada pelo “homem econômico”.

Racionalidade estratégica. Múltiplos tipos de racionalidade (política, econômica e racional). Concepções de

interesse público O politicamente definido como o interesse público é expresso nas leis.

O interesse público representa a

agregação dos interesses individuais. O interesse público é resultado de um diálogo sobre valores compartilhados.

A quem os servidores Públicos respondem

Clientes e constituintes Consumidores Cidadãos Papel do governo “Remar” (estruturar e

implementar políticas focando num único objetivo político pré- definido).

“Guiar" (atuando como um catalisador para liberar as forças do mercado).

“Servir” (negociar e intermediar os interesses entre cidadãos e grupos da comunidade, criando valores compartilhados). Mecanismos de alcance

dos objetivos políticos Programas administrativos executados por meio de órgãos do governo.

Criação de mecanismos e de estruturas de incentivo para alcançar objetivos políticos por meio da

Criação de coalizão entre órgãos públicos, privados e organizações sem fim lucrativo para satisfazer

atuação de órgãos privados e

organizações sem fins lucrativos. necessidades existentes. mutuamente Abordagem da

accountability

Hierárquica:

Administradores públicos respondem aos políticos eleitos democraticamente.

Orientada para o Mercado: o acúmulo dos interesses pessoais irá resultar nos resultados desejados por um grupo de cidadãos (ou consumidores).

Multifacetada: servidores públicos devem respeitar a lei, os valores da comunidade, as normas políticas, os padrões profissionais, e os interesses dos cidadãos.

Discrição administrativa

Discrição limitada permitida por oficiais administrativos.

Ampla discrição para permitir alcance dos objetivos empreendedores.

Discrição necessária, porém restrita e responsável.

Suposta estrutura organizacional

Organizações burocráticas marcadas

pela autoridade top-down.

Organizações públicas descentralizadas com controle primário de determinados órgãos públicos.

Estruturas colaborativas

com lideranças compartilha das interna e externamente. Supostas bases de motivação dos servidores públicos Pagamento e benefícios, proteções.

Espírito empreendedor, desejo ideológico de reduzir o tamanho do governo.

Serviço público, desejode contribuir para a sociedade. Fonte: Denhardt e Denhardt (2003, p. 28), adaptado pelo autor.

O novo serviço público que tem raízes no humanismo organizacional, e na nova administração pública, vem tomando forma por conta de revolucionários servidores públicos interessados e comprometidos com a sociedade a que servem. Buscam inspirar-se nas ideias propostas pelos autores para implantar um fazer diferenciado, equivale dizer, um novo gestor ético, responsável e comprometido. O trabalho destes gestores tem importância fundamental porque reflete um compromisso de tornar o mundo um lugar melhor, de construir uma sociedade preocupada e consciente em busca do bem comum. É a busca, de um fazer bem servindo, de um sentido maior de cidadania engajada, de uma sociedade harmônica, justa, e, mais feliz (DENHARDT; DENHARDT, 2003).

O esboço do novo serviço público descrito por Denhardt e Denhardt é uma alternativa para a velha administração pública e a nova gestão pública. Duas grandes dimensões servem de tema: Promoção do valor e dignidade do serviço público; e, democracia, cidadania, e interesse público como valores essenciais da administração pública.

Desta forma, partindo dos temas centrais, Denhardt (2003) elabora sete princípios-chave para o novo serviço público:

1. Servir cidadãos, não consumidores; 2. Perseguir o interesse público;

3. Dar mais valor à cidadania e ao serviço público do que ao em- preendedorismo;

4. Pensar estrategicamente, agir democraticamente; 5. Reconhecer que a accontability não é simples; 6. Servir em vez de ‘dirigir’;

7. Dar valor às pessoas, não apenas à produtividade.

Diferentemente da nova gestão pública, que se constrói sobre conceitos econômicos como maximização do autointeresse, o novo serviço público se constrói sobre a ideia do interesse público, a ideia de administradores públicos a serviço de cidadãos e, de fato, totalmente envolvidos com eles (DENHARDT; DENHARDT, 2003).

Em relação à gestão social, Tenório (2010) escreve que a construção conceitual dar-se-ia por meio de um processo dialético negativo, sem pretensão de síntese conceitual, pois o termo ainda precisa transcender o espectro da gestão estratégica. Este marco conceitual “tem a pretensão somente de enfatizar a necessidade de que os gestores, qualquer que seja a configuração jurídica da organização, atuem sob uma

perspectiva na qual o determinante de suas ações deve ser a sociedade e não o mercado” (TENÓRIO, 2010).

Em seu texto mais recente, Tenório (2012) faz três suposições acerca da gestão social:

1. o conceito é subserviente à realidade não-republicana brasileira;

2. o conceito é uma utopia dada a sua pretensão antinômica ao de gestão estratégica; e

3. é um não-conceito, uma mediação entre a consciência e a realidade.

Em relação à primeira suposição, o autor argumenta que o Brasil ainda não é uma sociedade republicana, ainda não possui uma cultura decisória voltada para o bem comum, por isso os interesses particulares se sobrepõem aos interesses coletivos, inviabilizando a gestão social. A segunda suposição aponta para a hegemonia da racionalidade utilitária/gestão estratégica como referência para se tornar a gestão social uma utopia, pois a mesma não cabe em pressupostos instrumentais. A gestão social deve ser baseada em “[...] um conteúdo de permanente promoção da cidadania [...]” (TENÓRIO, 2012) em todas as esferas de decisão, públicas e privadas. As pessoas que serão afetadas pelas decisões devem participar delas. Assim, “[...] a sociedade deve ser o determinante da análise, [...] o bem-comum é a referência, a responsabilidade social é o compromisso, a república é o norte” (TENÓRIO, 2012).

Gestão social corresponde, então, ao modo de gestão própria às organizações atuando num circuito que não é originariamente aquele do mercado e do estado, muito embora estas organizações entretenham, em grande parte dos casos, relações com instituições privadas e públicas, através de variadas formas de parcerias para consecução de projetos. Este é o espaço próprio da chamada sociedade civil, portanto, uma esfera pública de ação que não é estatal (FRANÇA FILHO, 2008, p. 32).

Em síntese, a gestão social pode ser apresentada como a tomada de decisão coletiva, sem coerção, baseada na inteligibilidade da linguagem, na dialogicidade e no entendimento esclarecido como processo, na transparência como pressuposto, e na emancipação enquanto fim último (FRANÇA FILHO, 2008, p. 32).

No que tange ao tema administração pública societal, Paes de Paula (2005) enfatiza a necessidade de se estruturar um projeto político que repense o modelo de desenvolvimento brasileiro, a estrutura do aparelho do estado e o paradigma da gestão. Descreve que a vertente societal se inspira nas experiências alternativas de gestão pública realizadas no

âmbito do poder local no Brasil, como os conselhos gestores e o orçamento participativo.

Segundo Gohn (1995), alguns grupos também protagonizaram mobilizações pelos direitos de cidadania, como, por exemplo, os movimentos que protestavam contra o custo de vida, o desemprego, a repressão política e a opressão da mulher. Paralelamente, constituíam-se os primeiros centros populares, espaços criados por militantes políticos para facilitar sua atuação nas CEBs e nas bases comunitárias em atividades como as de assessores, educadores e organizadores da mobilização popular. A partir da década de 1980, esses centros populares também passaram a ser denominados organizações não-governamentais (ONGs).

Ferreira (1991) aponta que, na esteira desses movimentos, no início da década de 1980, surgiram as primeiras experiências que tentaram romper com a forma centralizada e autoritária de exercício do poder público, como, por exemplo, os mutirões de casas populares e hortas comunitárias de Lages, em Santa Catarina, as iniciativas de participação ocorridas no governo Franco Montoro, em São Paulo, e na administração de José Richa, no Paraná.

O tema da inserção da participação popular na gestão pública é o cerne dessa mobilização (Grupo de estudos sobre a construção democrática, 1999), e atingiu seu ápice em meados da década de 1980, momento da elaboração da constituinte, quando diferentes forças políticas ofereciam suas propostas para formular um novo referencial das relações entre estado e sociedade, cada qual fundamentada na sua visão de como deveria ser a construção da democracia no Brasil. Apesar de sua heterogeneidade, o campo movimentalista se centrava na reivindicação da cidadania e no fortalecimento do papel da sociedade civil na condução da vida política do país, pois questionava o estado como protagonista da gestão pública, bem como a ideia de público como sinônimo de estatal (KEINERT, 2000).

Uma concepção começou a se tornar predominante no âmbito desse campo, a saber: a implementação de um projeto político que procura ampliar a participação dos atores sociais na definição da agenda política, criando instrumentos para possibilitar um maior controle social sobre as ações estatais e desmonopolizando a formulação e a implementação das ações públicas.

Nesse contexto, multiplicaram-se pelo pais, governos com propostas inovadoras de gestão pública, tais como as examinadas pelo programa gestão pública e cidadania, e também da construção de novos

canais de participação, como os fóruns temáticos voltados à discussão de questões variadas relacionadas com o interesse público, os conselhos gestores de políticas públicas e o orçamento participativo, que abrigavam diferentes experiências de participação social. Essas experiências foram construídas principalmente nos governos das frentes populares, que começavam a ganhar maior importância no cenário político. Ampliava-se assim a inserção do campo movimentalista, que passou a atuar nos governos municipais e estaduais por meio dos conselhos de gestão tripartite, comissões de planejamento e outras formas específicas de representação (JACOBI, 2000).

Durante a década de 1990 foi implementada a reforma gerencial do estado brasileiro, mas, no entanto, não havia no cenário político uma visão unívoca de reforma, pois também estava em curso um novo paradigma reformista: o estado-novíssimo-movimento-social, que rearticula o estado e a sociedade, combinando a democracia representativa e a participativa, ou seja, essa visão alternativa tenta ir além dos problemas administrativos e gerenciais, pois considera a reforma um projeto político e de desenvolvimento nacional (SANTOS, 1999).

Segundo Genro (1997), a esfera pública não-estatal não depende necessariamente do suporte da representação política tradicional, sendo constituída por milhares de organizações, locais, regionais, nacionais e internacionais que mediam a ação política direta dos cidadãos. Esse conceito de esfera pública não-estatal envolve a elaboração de novos formatos institucionais que possibilitem a co-gestão e a participação dos cidadãos nas decisões públicas. Nesse processo, as políticas e ações governamentais conferem identidade aos envolvidos, alteram o cotidiano da cidade e interferem na compreensão política de sua cidadania (GENRO, 1997).

A construção do projeto da reforma sanitária ocorreu devido ao fortalecimento das políticas públicas baseado no estado do bem estar- social em confronto com a ditadura e o modelo de privatização dos serviços de saúde da previdência social (FLEURY, 2009). Na sequência tratar-se-á sobre as ações e serviços públicos de saúde.

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