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CAPÍTULO 3: EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DA CONEXÃO DA PRODUÇÃO COM O CONSUMO DE ALIMENTOS

3.3. Novos incentivos: países em desenvolvimento

Os mercados institucionais também passaram a ser utilizados como estratégia de desenvolvimento das regiões rurais e melhoria da alimentação em alguns países em desenvolvimento. Morgan e Sonnino (2008) descrevem que o Programa de Alimentação Escolar de Gana chamado “Ghana School Feeding Programme” (GSFP) foi lançado em 2006 e possui três objetivos:

a) reduzir a fome e a desnutrição;

b) aumentar a matrícula escolar, frequência e retenção; e c) impulsionar a produção doméstica de alimentos.

Os autores relatam que no caso de Gana, dada à descentralização do Programa, a demanda são as pessoas que dirigem as escolas e distritos e a oferta é composta fenomenalmente por agricultores pobres que precisam de ajuda sob a forma de serviços de extensão, antes de aumentar a produção e começar a compreender que as escolas são algo que eles nunca tinham imaginado antes, ou seja, era um mercado disfarçado “markets in disguise”. Assim, a procura pode ajudar a calibrar a oferta e demanda, porém é preciso o reconhecimento socialmente construído e enraizado dessas forças e relações para romper com as aquisições como as doações que podem obstruir o programa (MORGAN e SONNINO, 2008).

Morgan e Sonnnino (2008) também descrevem a importância do aprendizado na construção de programas domésticos ou locais de alimentação escolar (Home-Grown School Feeding - HGSF). Segundo os autores:

A aprendizagem para desenhar e implementar um sistema de HGSF envolve nos países em desenvolvimento toda uma série de outras curvas de aprendizagem – na administração pública, planejamento financeiro, compras, inovação agrícola e

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desenvolvimento rural, por exemplo. O modelo de compras domésticas, portanto, precisa ser entendido como um exercício de aprender fazendo (learning-by-doing) em que o produto final, o fornecimento de alimentos nutritivos, é apenas parte de um processo muito maior (MORGAN e SONNINO, 2008, p. 164, tradução livre do autor).

O exemplo de Gana é mais discutido na literatura, porém outras iniciativas de mercados institucionais passaram a ser implementadas no continente africano, principalmente tendo como referência os programas brasileiros de compras governamentais.

No caso da África Subsaariana, Milhorance (2013) relata como um caso de difusão de políticas públicas o Programa de Aquisição de Alimentos África (PAA África). Segundo Milhorance (2013, p.15), PAA África “reúne uma série de projetos-piloto de criação de mercados institucionais de agricultura familiar em diferentes macrorregiões africanas. Esse programa é implementado em colaboração com a FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação) e o PMA (Programa Mundial de Alimentos)”. A autora também que relata que:

O PAA África combina instrumentos de apoio à produção e à comercialização e se concentra simultaneamente sobre as múltiplas dimensões da cadeia agroalimentar, o que caracteriza a integração da agricultura familiar à lógica da agroindústria. Em Moçambique, essa iniciativa foi ainda associada à melhoria da infraestrutura de transporte (rodovias no Corredor de Nacala). O programa garante a demanda e a distribuição dos produtos agrícolas dos grandes e pequenos agricultores (MILHORANCE, 2013, P.16).

Assim, para instaurar mercado institucional, outros mecanismos são também necessários como a infraestrutura, etc. Segundo o Banco Mundial (2008), no caso de países baseados na agricultura, fazer com que os mercados funcionem melhor é apenas uma das medidas para que os agricultores produzam mais e possam sair da pobreza. O documento descreve outros mecanismos importantes:

- melhorar os incentivos de preços e aumentar a qualidade e a quantidade dos investimentos públicos;

- fazer com que os mercados funcionem melhor;

- melhorar o acesso aos serviços financeiros e reduzir a exposição aos riscos que não dispõem de seguro;

- melhorar o desempenho das organizações de produtores; - promover a inovação por intermédio da ciência e tecnologia;

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Além disso, o documento cita que nesses países a melhoria no acesso aos ativos centrais (a terra, a água e o capital humano) são importantes para o desenvolvimento agricultura desta região. Souza (2012) descreve que o PAA África foi inspirado no modelo de mercados institucionais do Brasil (PAA e PNAE), mas para sua implementação se deve levar em consideração diversos fatores como a capacidade institucional, perfil dos agricultores e produção, desenhos e mecanismos de implementação dos programas de segurança alimentar, etc. O programa iniciou em 2012 em 10 países da África, assim, não se tem avaliações de efeitos, porém, pode trazer de acordo com Souza (2012, p.18, tradução livre do autor):

... o acesso aos alimentos para as populações vulneráveis através do apoio a produção de alimentos pelos agricultores locais, geração de renda e distribuição de alimentos, na utilização alimentação adequada através da possível diversificação itens alimentares e coerência com os hábitos alimentares locais; e benefícios ambientais por evitar emissões adicionais de carbono relacionadas com os transportes.

Outra iniciativa de mercados institucionais vem sendo sugerida para alguns países da América Latina. O Governo Brasileiro em conjunto com a oficina regional da FAO na América Latina levantou propostas de possibilidades de compras diretas da agricultura familiar para a alimentação escolar em oito países da América Latina: Bolívia, Colômbia, El Salvador, Guatemala, Honduras, Nicarágua, Paraguai e Peru. Com isso foi elaborado o documento (FAO, 2013) mostrando as possibilidades de criação de mercados institucionais nesses países.

Nesse capítulo se procurou relatar experiências e objetivos de sistemas agroalimentares locais e mercados institucionais de alimentos em alguns países, especialmente as experiências da Europa e dos Estados Unidos. A literatura internacional ajuda a entender melhor a dinâmica dos sistemas agroalimentares locais e a sua possibilidade de promoção de novos arranjos que aproxime os produtores dos consumidores. Porém, os objetivos variam de acordo com o contexto local, por exemplo, se a preocupação é ofertar alimentos de qualidade aos consumidores ou promover o desenvolvimento rural de um determinado espaço através de novos mercados para os produtores rurais. A proposta de criação de novos mercados para os agricultores comercializarem localmente também faz parte da discussão dos países em desenvolvimento tanto com o objetivo de desenvolvimento rural, assim como para a melhoria da alimentação dos equipamentos públicos, principalmente, para a alimentação escolar. As experiências em outros países, especialmente quanto às inovações organizacionais e operacionalização, mesmo que tenham

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objetivos distintos nos diversos países, apresentam mecanismos que podem auxiliar no desenho da política de compras governamentais da agricultura familiar brasileira.

O capítulo a seguir descreve um pouco a evolução das políticas para a agricultura e desenvolvimento rural, enfatiza como os mercados institucionais e como as compras para a alimentação escolar podem ser uma oportunidade para o desenvolvimento de regiões rurais, contribuindo para a melhoria da alimentação escolar.

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CAPÍTULO

4: AGRICULTURA

BRASILEIRA

E

CRIAÇÃO

DE