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Conforme já tivemos oportunidade de referir, o processo de execução fiscal é um processo com características muito próprias, no âmbito do qual, a AT pratica, não só atos administrativos de natureza administrativa tributária 258, mas

também outros atos processuais, cuja competência lhe está cometida enquanto órgão da execução fiscal, nos termos do disposto no artigo 10.º, n.º 1, al. f), do CPPT 259

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Neste contexto e para garantia de defesa jurisdicional, importa, no entanto, sublinhar que todos estes atos estão sempre sujeitos ao controlo judicial, como resulta do disposto no artigo 103.º, n.º 2, da LGT 260, controlo que, quando

formulado pelos interessados sematerializa através do meio processual previsto no artigo 276.º do CPPT, designado por “reclamação” 261.

Significa, pois que o aludido preceito legal prevê a possibilidade de impugnação de quaisquer decisões do órgão da execução fiscal ou de outras entidades da administração tributária que afetem os direitos ou interesses legítimos do executado ou de terceiro 262.

258 Que lhe competem na sua qualidade de exequente, quando for o caso.

259 Aos serviços da Administração tributária cabe: Instaurar os processos de execução fiscal e realizar os atos a estes respeitantes, salvo os previstos no n.º 1 do artigo 151.º do presente Código - “Compete ao tribunal tributário de 1ª instância da área do domicílio ou sede do devedor originário, depois de ouvido o Ministério Público nos termos do presente Código, decidir os incidentes, os embargos, a oposição, incluindo quando incida sobre os pressupostos da responsabilidade subsidiária, e a reclamação dos atos praticados pelos órgãos da execução fiscal”.

260 “É garantido aos interessados o direito de reclamação para o juiz de execução fiscal dos atos materialmente

administrativos praticados por órgãos de administração tributária (..)

261 No âmbito de um processo de liquidação de custas judiciais, O STA considera a reclamação um incidente, apoiando- se na” estrutural dependência” da mesma relativamente à própria execução fiscal, acrescentando que “a instauração da

“reclamação” não constitui propriamente a introdução em juízo de um processo novo”. Nesse sentido, Acórdãos de 20

de janeiro de 2010, proferido no processo n.º 1077/09, de 20 de outubro, proferido no processo n.º 0655/10, e de 07 de novembro de 2010, proferido no processo n.º 0656/10.

42 Por outro lado, é constitucionalmente garantido 263 a qualquer pessoa o

direito de impugnação contenciosa de quaisquer atos da administração que lesem os seus direitos ou interesses legítimos 264.

Assim, decorre do disposto nos artigos 268.º, n.º 4, da CRP e 103.º, n.º 2, da LGT, um direito global de os particulares solicitarem a intervenção do juiz no processo, através da reclamação prevista no artigo 276.º do CPPT, relativamente a quaisquer atos praticados no processo de execução fiscal pela administração tributária que tenham potencialidade lesiva 265.

É, pois, através desse meio que os interessados 266 podem reagir contra

todos os atos praticadas por órgãos administrativos no âmbito da execução fiscal independentemente da natureza que estes possam revestir 267.

Importante ter em presença será, no entanto, a diversidade da natureza dos atos praticados pela AT no processo executivo que suscita dificuldades de conceptualização deste meio processual.

ROCHA aduz que esta reclamação tem um misto de recurso contencioso –

pois trata-se do controlo de um ato de um órgão administrativo por parte do tribunal – e de recurso jurisdicional – na medida em que o ato a ser controlado pelo tribunal é um ato praticado num processo 268.

Por sua vez, LOPES DE SOUSA qualifica a reclamação a que alude o artigo

276.º do CPPT como um incidente do processo de execução fiscal, por constituir

263 Cf. o artigo 268º, n.º 4 da CRP.

264 Devem considerar-se lesivos os atos que sejam suscetíveis de afetar negativamente a esfera jurídica dos particulares, quer retirando-lhes direitos ou obrigações quer recusando-lhe o reconhecimento de direitos ou a satisfação de pretensões. V. SOUSA. Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado. 6.ª Edição. Volume II. Lisboa: Áreas Editora, 2011, p. 28.

265 V., por todos, Acórdão de 14-05-2015, proferido no processo n.º 0380/15, do STA, disponível em: http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/faec2b6dcc1b906380257e4900390056?OpenDocume nt&ExpandSection=1. No mesmo sentido, SOUSA. Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado. Volume IV, p. 270.

266 Como resulta da norma, artigo 276.º do CPPT, na referência feita “a terceiro” - a legitimidade para reclamar assiste a qualquer interessado. Assim, já foi decidido que um fiel depositário pode reclamar da decisão que o removeu do cargo, se dessa remoção resultar para ele a lesão de algum seu direito ou interesse legítimo, Cf. o Acórdão de 14 de agosto de 2013, proferido no processo n.º 01279/13, do STA; E já foi decidido que o devedor do crédito penhorado tem legitimidade para reclamar do ato pelo qual o órgão da execução fiscal o considerou executado, por entender que incumpriu com a obrigação de depósito no prazo legal, Cf. os Acórdãos de 15 de junho, de 2016, proferido no processo n.º 0585/16 e de 10 de janeiro, de 2018, proferido no processo n.º 01454/17, do STA.

267 “Importa ainda observar que a consideração de existência de autênticos atos administrativos, ainda que considerados

no âmbito de um “enxerto” no processo, obriga à consagração de adequados meios garantísticos e reativos, caso os mesmos comportem restrições ou lesões de posições jurídicas subjetivas dignas de proteção (por exemplo, por via da reclamação prevista nos artigos 276.º e seguintes do CPPT).” : ROCHA, Joaquim Freitas da. Sobre a natureza jurídica dos atos praticados em execução fiscal. 2019, p. 55.

43 uma ocorrência estranha ao desenvolvimento normal do processo, tecendo várias críticas dirigidas à sua inadequada denominação como reclamação 269.

Quanto ao regime jurídico, ROCHA sublinha que, do ponto de vista orgânico, os atos suscetíveis de reclamação serão, pois, aqueles que se exteriorizem mediante decisões proferidas pelo órgão de execução fiscal e outras autoridades da Administração Tributária e, do ponto de vista material, devem ser atos que afetem os direitos e interesses legítimos do executado ou de terceiro 270.

Para MARTINS & ALVES, a relevância desta reclamação advém do facto deste meio processual ser a única forma de reação a utilizar pelo lesado, se porventura o ato ilegal não for suscetível de oposição 271 judicial ou de embargos

de terceiros 272273.

Por seu turno, LOPES DE SOUSA afirma que a reclamação em causa tem

como escopo a obtenção da anulação de atos praticados no processo de execução fiscal e não a extinção do próprio processo, como é o caso da oposição judicial 274.

Contra os atos do órgão da execução fiscal ou de outra autoridade da AT, podem ser admitidos neste tipo de reclamação, os seguintes atos:

i) Indeferimento da arguição de nulidade por falta de citação;

ii) Indeferimento do pedido de apensação de processo de execução;

iii) Indeferimento do pedido de pagamento em prestações;

iv) Indeferimento do pedido de dação em pagamento;

v) A ilegalidade da compensação de créditos;

vi) Indeferimento do pedido de isenção de garantia;

vii) Decisão de determinação de garantia de valor superior ao devido;

viii) Penhora de bens ilegal 275;

269“Independente da designação adequada, que é matéria sobre a qual o legislador não tem ideias muito assentes”. SOUSA. Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado. Volume IV, pp. 267-268.

270 Lições de Procedimento e Processo Tributário. 2014, p. 377. Vide artigo 276.º, n. º 1 do CPPT e Acórdão de 23 de janeiro de 2013, proferido no processo n.º 01498/12, do STA.

271 Cf. o artigo 204.º, n.º 1 do CPPT. 272 Artigo 237.º, n.º 1 do CPPT.

273 MARTINS E ALVES. Procedimento e Processo Tributário, p.388. 274 SOUSA, op. cit., p. 280.

275 Cf. o Acórdão de 18 de junho de 2014, proferido no processo n.º 0613/14, em que se decide que:

«i) – A nulidade da penhora é uma nulidade processual, como qualquer outra que seja praticada no processo de execução fiscal que, não sendo uma das mencionadas no artigo 165.º, apenas tem um tratamento de nulidade relativa ou anulabilidade, devendo contra ela ser apresentada, em 10 dias, reclamação.

ii) – Não estamos face a uma nulidade do negócio jurídico invocável a todo o tempo, por contender com a substância de uma relação jurídica ou de uma nulidade do ato tributário em que a falta de algum dos seus elementos essenciais afeta a respetiva validade em resultado de qualquer desconformidade com a lei, regras

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ix) Efetivação de penhora de bens com violação do princípio da proporcionalidade;

x) Decisão de verificação e graduação de créditos;

xi) Indeferimento do pedido de anulação da venda dos bens;

xii) Indeferimento do pedido de arguição da prescrição da dívida. No que à legitimidade diz respeito, o artigo 276.º do CPPT admite a possibilidade de a impugnação das decisões proferidas por autoridades ser apresentada pelo executado ou por terceiro 276.

LOPES DE SOUSA entende, ainda, que a expressão “terceiro” é menos

apropriada do que a expressão “interessados” 277, e deve ser interpretada como

fazendo alusão a qualquer interessado no processo de execução fiscal que não seja o próprio executado ou co- executado, independentemente de ter ou não sido citado para o processo 278.

Do ponto de vista subjetivo, esta faculdade constitui uma particularidade do processo executivo, uma vez que a regra no domínio do contencioso tributário é a de conceder tutelas aos sujeitos da relação jurídica e aos terceiros.

De qualquer forma, quem gozar da qualidade de terceiro pode utilizar o processo de embargos de terceiro 279, nas situações previstas no artigo 278.º,

n.º 3, alíneas a) a c) do CPPT.

O Autor alude, ainda, que a apresentação desta reclamação pelo Ministério Público só será admitida no âmbito da representação de incertos, ausentes ou incapazes perante os tribunais tributários 280.

A reclamação em causa deverá ser apresentada no prazo de 10 dias 281

após a notificação da decisão lesiva, ou supostamente lesiva 282 283, indicando

expressamente os seus fundamentos e conclusões.

e princípios aplicáveis seja à sua prática ou nascença, seja aos seus efeitos iii) – O que se nos depara é uma nulidade processual cujo regime legal de arguição, consta do disposto nos artigo 276.º e 277.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.».

276 Alteração introduzida pela Lei n.º 109-B/2001.

277 Cf. os artigos 95.º, n.º 1, n.º 2, alínea j) e 103.º, n.º 2 da LGT. 278 SOUSA, op. cit., p. 269.

279 Cf. o artigo 237.º do CPPT. 280 SOUSA, ibidem.

281 Cf. o artigo 277º, n.º 1 do CPPT.

282 ROCHA. Lições de Procedimento e Processo Tributário. 2014, p. 378.

283 O prazo para apresentar reclamação de ato praticado pelo órgão da execução fiscal, como prazo judicial que é, está sujeito às regras contidas nos artigos. 138.º e 139.º do CPC, de acordo com o disposto no artigo 20.º, n.º 2, do CPPT, começando a contar-se a partir da notificação da decisão reclamada, operando-se a sua suspensão durante as férias judiciais, uma vez que se trata de prazo judicial: cf. os Acórdãos de 12 de julho de 2017, proferido no processo n.º 0795/17, e de 20 de abril de 2016, proferido no processo 0419/16 do STA.

45 Apesar de dirigida ao juiz do tribunal tributário de 1.ª Instância, é apresentada no órgão da execução fiscal 284, sendo conveniente sublinhar que

é obrigatória a constituição de mandatário nos tribunais tributários, nos termos previstos na lei processual administrativa 285.

Resta, ainda, salientar que a utilização deste meio de defesa estará sujeita ao pagamento prévio de taxa de justiça, a liquidar nos termos do Regulamento das Custas Processuais 286.

No seguimento da apresentação da reclamação, o órgão de execução fiscal da área do domicílio ou sede do devedor 287 se foi o autor do ato reclamado,

poderá revogá-lo no prazo de 10 dias 288.

Quando o ato objeto de reclamação tenha sido proferido por entidade diferente do órgão de execução fiscal 289, a revogação pode ocorrer no prazo de

30 dias 290.

Neste contexto, LOPES DE SOUSA realça o dever de o órgão de execução

fiscal comunicar ao autor do ato reclamado que foi apresentada a reclamação 291

Se o ato reclamado for revogado, extingue-se o respetivo incidente com a impossibilidade superveniente da lide 292.